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Entrevista

Nick Amies (jc)8 de outubro de 2008

A redução de metas para o uso de biocombustíveis na União Européia estancou a cooperação do bloco com o Brasil neste setor, diz Ricardo Dornelles, responsável por biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia.

Carregamento de cana-de-açúcar, matéria-prima para o etanol brasileiroFoto: Mathias Bölinger

Em setembro de 2008, a União Européia decidiu reduzir suas metas de misturar biocombustíveis tradicionais a gasolina ou diesel, parte de seu plano para combater as mudanças climáticas. Até 2020, 10% dos combustíveis usados pelo bloco deverão ser provenientes de fontes renováveis, mas neste pacote estão não apenas os biocombustíveis tradicionais – provenientes de plantações, caso do etanol brasileiro – como também os chamados biocombustíveis de segunda geração – derivados de resíduos –, veículos elétricos e hidrogênio proveniente de fontes renováveis.

A medida levantou questões sobre a repercussão que teria sobre os países que mais produzem e mais investem em biocombustíveis no mundo – o Brasil na linha de frente. A nova posição da União Européia cria mais atrito no já fracionado debate global sobre os biocombustíveis, impregnado de acusações de auto-interesse e protecionismo.

Ricardo Dornelles, diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério das Minas e Energia no Brasil, falou à DW-WORLD.DE sobre a cooperação do país com a União Européia e sobre a produção e as ambições do Brasil no cenário global dos biocombustíveis.

DW-WORLD.DE: Qual é o nível de cooperação entre o Brasil e a Europa na produção de biocombustíveis?

Ricardo Dornelles: A cooperação entre o Brasil e a União Européia no setor de biocombustíveis foi interrompida por causa das políticas européias para a produção e o uso de biocombustíveis. Conversas com o fim de revisar as metas para o emprego de biocombustíveis e a adoção de critérios ambientais dominaram o debate e prejudicaram o progresso de projetos de cooperação.

Etanol pode perder espaço para biocombustíveis feitos de resíduosFoto: Geraldo Hoffmann

Por causa da iniciativa brasileira no Fórum Internacional de Biocombustíveis, que congrega os principais produtores e consumidores de biocombustíveis do mundo, a área de cooperação que tem visto maiores avanços é a avaliação de condições para criar padrões metrológicos unificados entre Brasil, Estados Unidos e União Européia.

Quais são as principais áreas de conflito entre a Europa e o Brasil na produção de biocombustíveis?

Subsídios a produtos agrícolas na União Européia e barreiras não-tarifárias aos biocombustíveis brasileiros têm sido obstáculos para uma integração comercial entre o Brasil e o bloco europeu.

Quais são as diferenças entre o Brasil e a Europa no que diz respeito à produção e promoção de biocombustíveis?

No Brasil, biocombustíveis são produzidos com base no livre empresa, e apoiados e promovidos pelo governo, sobretudo em fóruns internacionais. O presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] sempre enfatiza seu suporte à produção de biocombustíveis como um caminho para o desenvolvimento e uma opção para países mais pobres.

A União Européia reduziu suas metas de uso de biocombustíveis tradicionais em gasolina e diesel, querendo ampliar o uso de biocombustíveis de segunda geração e outras fontes renováveis. Como isso afeta o Brasil e sua indústria de biocombustíveis?

Diversos estudos governamentais e privados – conduzidos por agências especializadas como a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) e por universidades como Unicamp e Coppe-UFRJ – demonstraram que o Brasil tem todas as condições de expandir sua produção de biocombustíveis a níveis muito mais altos do que os atuais.

Há terra, tecnologia agrícola e tecnologia industrial para que o país atenda à demanda sem comprometer a oferta de alimentos e o aumento do plantio de grãos, como demonstrado nos últimos anos.

Pesquisas também estão sendo conduzidas para produzir biocombustíveis a partir de materiais de celulose, e espera-se um salto significativo na produtividade com a transformação do bagaço de cana em etanol.

Como o Brasil espera reforçar e aprimorar sua posição de segundo maior produtor de etanol do mundo?

UE quer usar outros combustíveis de fontes renováveis além do etanolFoto: AP

O Brasil é atualmente o segundo maior produtor de etanol e o maior exportador do mundo. No entanto, a maior meta do Brasil é promover cooperação internacional para que o maior número de países possível possa produzir biocombustíveis, o que aumenta as chances de transformar o produto num bem de consumo.

O Brasil tem feito a sua parte, através da assinatura de acordos de cooperação com países de todos os continentes, sem distinção, para promover a produção de biocombustíveis. O Brasil parte do princípio de que diversificar as fontes de energia é a chave para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, que estão se tornando cada vez mais caros.

Que medidas o governo brasileiros está tomando para garantir a sustentabilidade na produção de biocombustíveis, e evitar que represente um ônus para o ambiente e a economia?

O Brasil ainda tem uma capacidade agrícola enorme que pode ser usada sem comprometer biomas sensíveis, como a Amazônia e ou o Pantanal. A pecuária no Brasil é extensiva e subutiliza a terra, criando gado numa densidade muito abaixo dos níveis que poderiam ser alcançados para garantir uma produtividade maior. Assim, pastos degradados podem ser liberados para cultivar cana-de-açúcar em áreas onde novas unidades estão sendo construídas, ou onde usinas estão sendo ampliadas.

Em breve, serão publicados estudos para o zoneamento agro-ecológico da cana-de-açúcar no Brasil. Na prática, isso será um passo essencial para guiar a expansão do setor e assegurar a sua sustentabilidade.

Um estudo recente disse que a produção de biocombustíveis no Brasil não vai afetar a de alimentos nos próximos anos, nem o desmatamento na Amazônia. Mas agricultores estão sendo incentivados a cultivar cana-de-açúcar em terras previamente usadas para o plantio de alimentos. Como o Brasil se posiciona em relação à expansão de plantações de cana, e no que se baseia o argumento de que essa expansão não é motivo para a crise alimentícia?

Deve-se levar em consideração que sempre haverá um incentivo econômico por trás da decisão dos agricultores em relação a como usar sua terra. No entanto, há casos em que a tradição ou a vocação econômica de uma região vão preponderar e influenciar a sua decisão. Além disso, essa decisão depende de outros fatores que não estão sob seu controle. Por exemplo: independente do valor que possa ter uma colheita, não faz sentido cultivar cana-de-açúcar num terreno a não ser que fique próxima a uma unidade industrial capaz de absorver essa produção.

Os estudos de zoneamento agro-ecológicos que estão para sair vão demonstrar aquilo que já sabemos: o Brasil tem terra o suficiente para expandir tanto a produção de cana-de-açúcar como a de grãos e alimentos sem comprometer ou ameaçar ecossistemas e biomas sensíveis, como a Amazônia e o Pantanal.

A floresta amazônica está ameaçada?

Dornelles afirma que biocombustíveis não promovem desmatamentoFoto: AP

As ameaças à região da Amazônia são de natureza diferente, e não têm nada a ver com o aumento na produção de biocombustíveis no Brasil. Associar ambas as coisas pode comprometer seriamente a busca de soluções para proteger a biodiversidade da Amazônia.

Quanto à produção alimentícia, a maior prova de que ela não está ameaçada, do ponto de vista brasileiro, é o fato de que, nas últimas colheitas, viu-se um aumento tanto na produção de matéria-prima para biocombustíveis quanto na produção de alimentos e de grãos para o mercado.

Ambientalistas dizem que a produção de biocombustíveis no Brasil e na Europa está beneficiando grandes empresas, mas não as comunidades locais. No Brasil, por exemplo, diz-se que o aumento do cultivo de cana ocorre em detrimento à produção local, e que quatro em dez produtores de etanol têm investidores estrangeiros por trás. Como o senhor responde a estas acusações?

O mercado energético é um dos que mais concentra ganhos no mundo. Há uma concentração de recursos inegável nos países ricos devido ao mercado energético, baseado sobretudo no petróleo. Os biocombustíveis são uma opção viável para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e manter o dinheiro na região, o que certamente contribuir para a economia local.

No caso do Brasil, a indústria da cana-de-açúcar é composta por mais de 400 unidades de produção, controladas por mais de 200 grupos econômicos. Mais de 60 mil produtores de cana estão envolvidos neste processo, e mais de 1 milhão de empregos diretos são gerados.

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