Reunião tensa expõe diferenças entre Merkel e Putin
2 de maio de 2017
Líderes abordam temas que levaram Ocidente e Moscou ao período de maior tensão desde a Guerra Fria: Ucrânia, Síria e a interferência russa em eleições. Ao aparecerem para imprensa, ficou claro que há pouco terreno comum.
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As diferenças entre a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente russo, Vladimir Putin, ficaram expostas nesta terça-feira (02/05) em Sóchi, na Rússia, onde ambos tiveram uma reunião – seguida de entrevista coletiva – marcada por desacordos e tensão.
Em pauta, estiveram muitos dos temas que fazem do atual período o de maior tensão entre Ocidente e Moscou desde a Guerra Fria: Síria, Ucrânia, a questão dos direitos civis na Rússia e as alegações de que o Kremlin está interferindo em eleições em países ocidentais.
A reunião no balneário no Mar Negro marcou a primeira visita bilateral de Merkel desde que Moscou anexou a península da Crimeia, em 2014. No encontro, preparação para a cúpula do G20 em julho, os dois líderes tentaram enfatizar as posições semelhantes entre os dois países.
Mas as diferenças foram o que mais chamou a atenção: a linguagem corporal de ambos sugeriu animosidade, com os dois demonstrando expressões faciais eram rígidas, mal se olhando ao responderem perguntas da imprensa.
"Eu sou sempre da opinião de que, mesmo que haja sérias diferenças de opinião em algumas áreas, as conversas devem continuar. Porque, caso contrário, você cai no silêncio e tem cada vez menos entendimentos", disse Merkel.
Putin, por sua vez, afirmou que "apesar das conhecidas dificuldades políticas, a Alemanha é um líder mundial e um parceiro internacional".
Eleições e direitos civis
Ambos aplacaram os temores quanto a uma possível interferência russa nas eleições legislativas alemãs, marcadas para setembro. A chanceler disse que confia na capacidade de seu país de impedir campanhas de desinformação que tenham como alvo o processo eleitoral.
Ela disse que a Alemanha tomará "medidas decisivas" se houver a suspeita de influência. "Eu não sou uma pessoa ansiosa, eu vou lutar nessa eleição com base nas minhas convicções", afirmou.
Putin negou que seu país tenha influenciado as eleições presidenciais americanas, em 2016. Segundo ele, isso não passa de "simples rumores" usados na disputa política interna dos Estados Unidos. O presidente russo também negou qualquer influência de seu país em eleições na Europa.
A chanceler alemã pediu a Putin que utilize sua influência sobre os dirigentes da República Russa de Chechênia para que sejam garantidos os direitos dos gays.
"Mencionei o negativo relato sobre o que acontece com os homossexuais na Chechênia, e pedi ao presidente que exerça sua influência para que sejam respeitados os direitos das minorias", disse.
O mesmo, acrescentou a chanceler, deve ser feito com relação à comunidade religiosa Testemunhas de Jeová, cuja atividade na Rússia foi recentemente proibida pela Justiça.
Recentemente, o jornal independente russo Novaya Gazeta publicou uma reportagem na qual denunciou a perseguição de homossexuais e a existência de prisões secretas na Chechênia, república russa de maioria muçulmana no Cáucaso Norte.
Ucrânia e Síria
Merkel disse ter feito um "pedido urgente" a Putin para que "faça todo o possível para viabilizar um armistício" no conflito entre as forças ucranianas e os separatistas no leste do país. Segundo a chanceler, apenas dessa forma, a Ucrânia aceitaria fazer algumas "concessões dolorosas" em relação aos seus territórios.
A chanceler defendeu a manutenção do Acordo de Minsk, firmado em 2015, apesar de não estar plenamente satisfeita com o formato atual das negociações, que envolvem Ucrânia, Rússia, França e Alemanha.
Merkel, porém, avalia que este ainda é o melhor fórum para lidar com a situação no país do Leste Europeu. "Não acho que seja necessário negociar um novo acordo", afirmou. "O que falta é implementação [do acordo de Minsk], e não novos tratados."
Putin, por sua vez, também se disse frustrado com o fracasso do acordo. Assim como Merkel, ele defendeu a continuação das conversações sob o formato atual, com a mediação da Alemanha e da França, sem a qual, "a situação estaria bem pior do que está agora", afirmou.
Ele pediu o desmantelamento das partes envolvidas no conflito para evitar novas escaramuças no futuro e ressaltou a importância de fortalecer o diálogo entre Kiev e os separatistas. "É impossível atingir uma solução para o conflito sem conversações diretas", afirmou.
No caso da guerra civil na Síria, Merkel defendeu a criação de áreas de proteção para a população civil. Putin também defendeu o fim dos combates, mas ressaltou que os problemas no país árabe não podem ser resolvidos sem o envolvimento dos Estados Unidos.
Ele disse que o futuro do presidente sírio, Bashar al-Assad, deverá ser decidido pelo povo da Síria, apesar das exigências do Ocidente, de países árabes e da Turquia para que o ditador deixe o cargo, abrindo assim o caminho para um processo de paz.
Cronologia do conflito na Ucrânia
Um conflito político interno levou Moscou e Ocidente ao período de maior hostilidade em mais de duas décadas. As inquietantes memórias da Guerra Fria retornaram ao noticiário internacional com a crise no leste ucraniano.
Foto: AFP/Getty Images/S. Supinsky
Milhares nas ruas em Kiev
A partir de 21 de novembro de 2013, uma onda de manifestações exigindo a renúncia do presidente Viktor Yanukovytch tomou conta de Kiev. Ao ceder à pressão de Moscou e rejeitar acordo de associação com a União Europeia (UE), Yanukovytch enfrentou a ira da população. Eram os maiores protestos desde a chamada "Revolução Laranja", de 2004. Moscou disse que protestos queriam abalar um governo legítimo
Foto: Getty Images/Afp/Genya Savilov
Repressão gera mais revolta
Yanukovytch se abriu ao diálogo com a oposição. Mesmo assim, a violência policial durante a repressão ao movimento prevaleceu. As unidades "Berkut", conhecidas pela brutalidade, atuaram contra os manifestantes na Praça da Independência e nos bloqueios às sedes do governo em Kiev. Opositores e jornalistas alegavam ser atacados, assediados e perseguidos pelo governo.
Foto: picture-alliance/dpa/Maxim
Banho de sangue em Kiev
Durante quase três meses de manifestações, dezenas de pessoas foram mortas devido à repressão policial. Um dos símbolos dos momentos mais dramáticos na “Maidan", Praça da Independência em Kiev, foi o Hotel Ucrânia, que serviu de hospital, necrotério e base da imprensa. Funcionários contam que, no ápice da violência, corpos se amontoavam no lobby.
Foto: DW/A. Sawitzkiy
A queda de Yanukovytch
No fim de fevereiro, o presidente Yanukovytch fugiu para a Rússia, acusando o Ocidente de alimentar os protestos. Para ele, o acordo alcançado com a oposição não foi cumprido. O pacto definia eleições presidenciais em 25 de maio de 2014 – consideradas por ele ilegítimas - a convocação de um governo de coalizão, a diminuição do poder do presidente e o aumento da influência do Legislativo.
Foto: Reuters
Aumenta tensão militar
Após avanço de militantes com armamento russo no leste da Ucrânia, Kiev acusou Moscou de conduzir uma "guerra". A Rússia começou então, em março de 2014, a tomar bases militares na Crimeia. A Ucrânia preparou a retirada de seus cidadãos da península e disse que autoridades do governo não puderam entrar no território. O Ocidente começava aumentar a pressão sobre Moscou com sanções.
Foto: AFP/Getty Images
Crimeia é anexada
Em referendo realizado em 16 de março de 2014, 96,6% dos eleitores da península ucraniana da Crimeia optaram por integrar a Federação Russa. A participação foi estimada em 82,71%. O Parlamento da Crimeia declarou a independência e pediu a adesão à Rússia. No dia 20 de março, a Duma (câmara baixa do Parlamento russo) ratificou o tratado para incorporação da Crimeia ao país.
Foto: Reuters
República Popular de Donetsk
Em abril de 2014, os separatistas proclamaram a República Popular de Donetsk e ampliaram o domínio sobre o leste do país, ocupando Horlivka. O líder separatista ucraniano Vyacheslav Ponomaryov rejeitou negociações sobre a libertação de sete inspetores da OSCE enquanto vigorassem as sanções da União Europeia contra personalidades públicas russas e ucranianas.
Foto: Reuters
Leste busca anexação à Rússia
Depois de um controverso “referendo”, líderes de Donetsk e Lugansk passaram a buscar a integração ao território russo. No dia 12 de maio, as duas regiões declararam independência. Insurgentes pediram que Moscou anexasse as regiões, mas o governo de Putin se distanciou da ideia. Pró-russos ignoraram acordo para paz e não entregaram armas.
Foto: Reuters
Novo presidente na Ucrânia
Em 25 de maio, o magnata Petro Poroshenko venceu as eleições presidenciais ucranianas já no primeiro turno, com cerca de 55% dos votos. Kiev anunciou intensificação dos combates até “aniquilar" as forças separatistas e recuperar o aeroporto de Donetsk, em um confronto que deixou 40 mortos. A Rússia exigiu cessar-fogo e acusou o país vizinho de usar as Forças Armadas contra a própria população.
Foto: MYKOLA LAZARENKO/AFP/Getty Images
A queda do MH17
Um avião da Malaysia Airlines, que partiu de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur, foi alvejado por separatistas pró-Rússia no dia 17 de julho de 2014. No voo MH17 havia 280 passageiros e 15 tripulantes. A maior parte era de nacionalidade holandesa. Dez dias depois, peritos ainda não tinham acesso aos destroços do avião devido aos combates.
Foto: Reuters/Maxim Zmeyev
Kiev pede ajuda aos EUA
Em setembro, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko (esq.), pediu aos Estados Unidos apoio militar para combater os separatistas pró-russos. Num discurso na Casa Branca, em Washington, ele afirmou que a Rússia é uma ameaça à segurança mundial. "Se eles não forem contidos agora, vão atravessar as fronteiras da Europa e espalhar seu domínio pelo globo", afirmou.
Foto: picture-alliance/TASS/Ukrainian presidential press service
Leste empossa líder pró-Moscou
Em novembro, o chefe interino da chamada República Popular de Donetsk, Alexander Zakharchenko, venceu por ampla maioria as eleições na região rebelde. Lideranças políticas e militares ignoraram que Kiev e grande parte do Ocidente não reconheciam a votação. Kiev acusou a Rússia de estar movimentando tropas e enviando equipamentos às regiões separatistas do Leste.
Foto: Alexander Khudoteply/AFP/Getty Images
Negociações em Minsk
No fim de 2014, o número de deslocados internos chegaram a 460 mil segundo a ONU. Após seis meses de acordos de cessar-fogo violados, i governo da Ucrânia e rebeldes separatistas retomaram negociações de paz em 24 de dezembro de 2014 em Minsk, capital de Belarus. Além do cessar-fogo duradouro, estiveram em pauta a retirada de armas pesadas, a ajuda humanitária e a troca de prisioneiros.
Foto: picture-alliance/dpa
Acumulando fracassos
No início de fevereiro de 2015, confrontos entre as tropas do governo da Ucrânia e separatistas pró-russos intensificaram-se em Donetsk, Lugansk e Debaltseve, na sequência do fracasso das negociações de um cessar-fogo para a região. Debaltseve, sob controle de Kiev, interliga por via ferroviária Donetsk e Lugansk, ocupadas pelos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/A. Boiko
Novo esforço diplomático
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, fizeram em fevereiro uma viagem surpresa a Kiev e Moscou antes da Conferência de Munique, em um novo esforço diplomático. Eles levaram uma proposta baseada no respeito à integridade territorial da Ucrânia. Novos números do conflito foram divulgados: mais de 5.100 mortos e 900 mil deslocados desde abril de 2014.
Foto: Leon Neal/AFP/Getty Images
Longas negociações levam ao cessar-fogo
Depois de horas de negociação em Minsk, chefes de governo da Ucrânia, Rússia, Alemanha e França, além de líderes separatistas, chegaram a um acordo sobre o cessar-fogo no leste da Ucrânia. Foi definida a retirada das armas pesadas da linha de frente dos combates. A Europa aumentou os esforços para a paz especialmente depois de os EUA avaliarem a possibilidade de enviar armas e munição à Ucrânia.