Revolta antirracismo também irrompe na Europa
12 de junho de 2020Apesar de considerar que União Europeia (UE) tem menos problemas do que os Estados Unidos, o comissário de Proteção do Modo de Vida Europeu Margaritis Schinas, responsável pela questão do racismo, admite que ainda há muito o que fazer no bloco em termos de igualdade de oportunidades. Há "muitas questões com as quais ainda precisamos lidar", disse durante um evento da organização Delphi Economic Forum.
A discriminação na procura de emprego também é um dos "problemas com os quais ainda temos que lidar". Para a estudante de direito parisiense Kesiah, o assunto faz parte de um amargo cotidiano. Por várias vezes, ela tem sido recusada ao se candidatar para estágio em escritórios de advocacia. Na maioria dos casos, a justificativa é que a vaga já foi preenchida.
"Eles querem nos fazer acreditar que nos aceitam. Mas acho que há muita hipocrisia por aqui. Não é como George Floyd nos EUA, onde você vê o racismo a mil quilômetros, ele é mais velado. Na França, ele é perceptível a partir de muitas pequenas coisas, na busca de um emprego ou ao ser parado na rua sem motivo", disse Kesiah.
A estudante foi às ruas juntamente com milhares de franceses no fim de semana passado para protestar contra o racismo e a discriminação. Os manifestantes também lembraram casos de violência policial na França e, mais recentemente, a morte de Adama Traoré, em 2016.
O foco das manifestações não está apenas no tratamento brutal – "racial profiling", abordagem policial com base em "perfis raciais", faz parte do cotidiano nos subúrbios franceses. Uma pesquisa realizada pelo Conselho da Europa entre 5 mil jovens de origem africana e árabe constatou que estes foram detidos pela polícia com uma frequência 20 vezes maior do que outros habitantes franceses.
Os protestos maciços na França trouxeram um primeiro resultado: o ministro francês do Interior, Christophe Castaner, proibiu a técnica de estrangulamento nas detenções. Embora ele negue que sua polícia seja geralmente "racista", ele admite "que alguns policiais são racistas".
Passado colonial e genocídio
Houve manifestações não apenas em Paris, mas também em Bruxelas. "Viemos porque esta é a capital da Europa", diz Brända Auchimba, uma das organizadoras. Ela se diz indignada com a "discriminação e agressão cotidiana por parte da polícia, que aborda jovens africanos e árabes em cada esquina".
Além disso, ela quer que as estátuas do rei belga Leopoldo 2° sejam retiradas dos pedestais. O domínio colonial belga no Congo faz parte do passado que alguns preferem ignorar. Somente em 1998, o genocídio e a exploração do país africano foram trazidos de volta à memória nacional pelo historiador Adam Hochschild.
Cerca de 10 milhões de pessoas morreram sob o regime colonial de Leopoldo 2° no Congo. Até hoje, os livros didáticos belgas deixam de abordar essa parte da história. "Espero que as pessoas entendam como nos sentimos quando vemos essas estátuas", diz Brända. Na cidade da Antuérpia, o prefeito já enviou a estátua de Leopold para o museu.
Em Londres, até o prefeito está do lado dos derrubadores monumentos. Sadiq Khan, do Partido Trabalhista, filho de uma família paquistanesa, mandou retirar a estátua do comerciante de escravos Robert Milligan, no bairro de West India Quai, no leste de Londres. "É uma triste verdade que grande parte de nossa riqueza veio do tráfico de escravos, mas isso não tem que ser celebrado em nossos espaços públicos", afirmou Khan.
Já o ministro do Interior britânico, o conservador Priti Patel, também de origem paquistanesa, não gosta desse tipo de protesto. Para ele, os manifestantes que jogaram a estátua do comerciante de escravos Edward Colston nas águas do porto de Bristol têm que ser responsabilizados judicialmente por "seus atos profundamente vergonhosos".
"O Reino Unido não é inocente. Nunca o governo e a polícia foram responsabilizados pelas muitas vidas negras", disse um manifestante na Praça do Parlamento de Londres. "É bom ver tristeza coletiva e vontade de mudar nossa situação aqui. Isso que importa", acrescentou outro.
A solidariedade a George Floyd também fez brotar no Reino Unido a revolta com o racismo cotidiano, a privação de direitos sociais, o abuso policial e a discriminação. Isso inclui, por exemplo, o "escândalo Windrush": as autoridades deportaram imigrantes do Caribe que vivem há décadas no Reino Unido – só porque nunca foram naturalizados formalmente.
Racismo institucional
"Existem muitos exemplos de racismo policial individual e institucional na Europa", afirmou o criminologista Ben Bowling, do Kings College, em Londres. "A extensão da violência policial nos Estados Unidos, no entanto, é mais extrema. Lá cerca de mil pessoas são mortas pela polícia a cada ano".
Segundo Bowling, o problema é como a organização lida com minorias e grupos marginalizados. "Podemos pode ver como a polícia se comporta em relação à população negra e de origem asiática no Reino Unido. É possível ver isso claramente na Alemanha, França e em todos os lugares na Europa, onde as minorias são marginalizadas e identificadas pela polícia como um problema", avaliou.
"A discriminação vai além da polícia, tem a ver com a economia, com a educação e a família", acrescentou o jurista. Para ele, os países da Europa devem reconhecer que seu futuro é multicultural e diversificado e que todos os cidadãos devem ter as mesmas chances na vida.
A Europa ainda está longe deste reconhecimento. Apenas 24 dos 705 membros do Parlamento Europeu são de ascendência afro-asiática, embora representem cerca de 10% da população europeia. Uma delas é a sueca Alice Kuhnke, dos verdes. "Tenho vergonha, porque realmente não representamos as pessoas na Europa. Portanto, temos que garantir que haverá mais parlamentares no futuro com aparência diferente e origens diferentes."
Kuhnke é relatora da diretiva antidiscriminação da UE, que está emperrada desde 2008. O projeto de lei, que determina a igualdade de tratamento de todos os cidadãos em questões sociais, é bloqueado por muitos países membros. Metade dos países do bloco nem sequer tem um plano de ação para lidar com o racismo.
A sueca espera que as manifestações na União Europeia deem algum impulso para a iniciativa. "Estou convencida de que agora podemos usar a emoção e a conscientização de tantos. Mas isso não deve terminar com boas palavras sobre a igualdade, tem que finalmente ser refletido na legislação da UE."
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