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Richard Hamilton: pensamento contra a avalanche de imagens

Daniel Wunderlich / av12 de agosto de 2003

Em Colônia, uma mostra gigante celebra o pai da pop-art. Décadas antes de Warhol e Lichtenstein, Richard Hamilton virava a mesa da arte, oferecendo ao popular e cotidiano um lugar nas galerias e museus.

'Swinging London 67', obra Richard HamiltonFoto: Richard Hamilton/VG Bild-Kunst,

A abertura promete: ao som de música ensurdecedora, vinda de uma jukebox, o público entra em salas de estética trash, futuristas, observado dos cantos por extraterrestres saídos de uma história em quadrinhos. Imagens de detonações – tiradas de um filme heróico da década de 60 sobre a Segunda Guerra Mundial – transbordam de uma tela de TV. Elas são contrapostas a cenas de uma romântica produção hollywoodiana sobre o Oriente. Mais um passo, e o piso de linóleo negro se transforma numa superfície ondulante, que desestabiliza e ao mesmo tempo faz os rostos se iluminarem com um sorriso de surpresa.

Richard Hamilton abre sua abrangente Introspectiva com a instalação interativa Fun house, de 1956. A mostra, concebida pelo próprio artista, fica até 9 de novembro no Museu Ludwig, de Colônia.

Pioneiro da pop-art

Hamilton proclamou desde muito cedo seu "entusiasmo por uma relação relaxada com a arte, em oposição à longa, séria tradição cultural da Europa". Ao contrário de seus contemporâneos do Velho Continente, o artista britânico sempre se bateu pelo envolvimento do público no evento artístico. Assim, suas obras apresentam vários pontos de conexão com o cotidiano, remetendo-se à multiplicidade de impressões audiovisuais, tão típica da cultura atual.

Richard Hamilton no Museu Ludwig

Assim, Hamilton – sem dúvida uma figura-chave da arte moderna – fez jus ao título de "pai da pop-art", sem jamais se haver identificado pessoalmente com este estilo. Comparada com as do movimento artístico norte-americano dos anos 60, sua obra é mais sutil e multifacetada. Como na pop-art clássica, Hamilton toma emprestadas imagens do dia-a-dia, para através delas refletir fenômenos sociais. Além – e apesar – disso, ele não perde de vista a questão: onde está a fronteira que separa produto e obra de arte?

Mestre das referências

Após estudar com entusiasmo o design dos artigos da empresa alemã Braun nas décadas de 60 e 70, Hamilton resolveu projetar seu próprio produto, baseado nas formas típicas daquela marca de eletrodomésticos: uma prótese dentária, fixada na ponta de uma escova de dentes elétrica, vibra freneticamente quando se aperta um botão. O crítico ri é o nome desta peça, a que o artista acrescentou mais um toque humorístico, ao assiná-la caligraficamente, imitando o logotipo da Braun.

Tão numerosos quanto as referências, são nas obras de Hamilton os materiais empregados pelo artista de 81 anos, nas suas já cinco décadas de carreira criativa. Polivalente, ele pinta, desenha e fotografa, produz colagens, instalações e designs. O Museu Ludwig – que possui o maior acervo hamiltoniano, em todo o mundo – apresenta cerca de 180 peças, representando cada um dos complexos temáticos abordados por ele.

Da mesma forma que evita se identificar com uma determinada técnica, Richard Hamilton escapa de qualquer categorização estilística unívoca. "Estilo nunca me interessou muito. Sempre achei que meus quadros são livres de estilo, assim como de gosto. O que não é inteiramente verdadeiro, pois agora reconheço que, no decorrer do tempo, uma certa personalidade se tornou visível", declarou em entrevista à televisão alemã.

Patologista do mundo da mídia

"O que a mídia faz conosco?", perguntava-se Richard Hamilton já nas décadas de 40 e 50, logo após a Segunda Guerra. "De que se compõe nosso mundo, que processos o estruturam, como o percebemos e compreendemos?"

Com a precisão de um patologista, ele disseca nosso presente, recompondo-o de forma inesperada, mas sem deixar de acrescentar-lhe pinceladas desmascaradoras, irônicas. Seu Tríptico norte-irlandês, por exemplo, evoca claramente as representações na mídia do conflito religioso-político que já dura décadas. Os partidos envolvidos são comprimidos em três representantes dos católicos, protestantes e do poder estatal, e revelados como "tristes atores numa peça teatral com final fatal".

Perceber e pensar

See, hear, smell, touchFoto: Richard Hamilton/VG Bild-Kunst

Uma foto mal impressa, em preto-e-branco, mostra o retrato de um homem, com setas coladas apontando para seus órgãos sensoriais: "cheire!, ouça!, olhe!, sinta!". A testa fortemente reticulada apresenta as palavras "pense. pense. pense", enquanto da boca sai um balão de diálogo cheio de meros pontos de interrogação. É preciso atenção e discernimento para escapar do mundo de imagens contemporâneo. Perceber e pensar, é isso o mais importante para Hamilton.

A exposição Introspectiva oferece uma impressionante panorâmica de sua abundante criação. Aliada à capacidade de penetrar no universo do pop, a arrebatadora, porém tão contemporânea estética do artista inglês comunica a possibilidade de tomar distância crítica frente a nossa avalanche imagística de cada dia.

Em tempos de hiperexcitação ininterrupta dos sentidos e da cultura do espetáculo do início do século 21, a obra de Richard Hamilton é extremamente atual e, sem sombra de dúvida, uma contribuição central à discussão dos fenômenos de nossa época.

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