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Criminalidade

Rio de Janeiro: violência fora de controle

13 de setembro de 2018

Nem policiais nem militares têm o domínio da situação na cidade. Membros das classes média e alta adaptam seu dia a dia à violência, enquanto os moradores das favelas se veem aprisionados.

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Moradores da Rocinha protestam contra a violência na favelaFoto: imago/Agencia EFE/A. Lacerda

Os aplicativos de smartphones que alertam os moradores do Rio de Janeiro sobre tiroteios registraram 700 incidentes em agosto, 80% a mais do que no mesmo mês de 2017. Assim informados, os cariocas tentam evitar possíveis perigos nas vias expressas Linha Vermelha e Linha Amarela. Quem tem dinheiro, dirige em carro blindado. Outros revestem as janelas do carro com película escura.

No bairro de classe média da Tijuca, famílias preocupadas discutem se devem se mudar. Os bares tijucanos se queixam de queda no movimento de clientes, assim como casas de samba no bairro boêmio da Lapa. Enquanto isso, Ipanema e Leblon contam com cada vez mais serviços de segurança privada. Ainda assim, nas proximidades de parques mal iluminados, como o Jardim de Alá, que separa os dois bairros nobres, o melhor mesmo é desviar à noite.

Por mais desconfortável que isso seja para as pessoas do "asfalto", ou seja, para aqueles que vivem nos bairros residenciais comuns, é nas favelas que os moradores mais sofrem. No Rio, o risco de ser morto é determinado pela cor da pele e pelo código postal, afirma a cientista política Ilona Szabó. Exemplo: a Vila Cruzeiro.

"Por mim, eu baixaria essa lei aqui: sempre se manter dentro de casa. Sair só para ir para escola, para trabalhar ou para fazer compras. Pois nunca se sabe o que pode acontecer", diz a moradora Claudia Sacramento.

Todos os dias, ela envia alertas para outros moradores via Whatsapp, Facebook, Twitter e Instagram. Onde está o tiroteio, por onde se deslocam policiais e militares, que ruas devem ser evitadas? No final de 2010, as forças de segurança expulsaram daqui as gangues de traficantes e, em meados de 2012, entrou em funcionamento a unidade de pacificação da UPP.

Mas a polícia há muito se retirou. Uma cabine policial vazia cravejada por tiros abaixo da janela de Claudia é um símbolo de tal fracasso. Claudia avalia que a UPP nunca funcionou, pois, em vez de programas sociais, o Estado só ofereceu violência. Há sete anos que ela envia os alertas. "E enquanto eu estiver respirando, vou fazer isso".

A última semana de agosto, conta ela, foi terrível: escolas e creches ficaram fechadas. Os militares, que em fevereiro assumiram o controle da segurança do Rio de Janeiro das mãos de uma polícia impotente, realizaram uma operação no morro.

"Houve invasões de casa pelos militares, casas reviradas. E teve gente presa que não tinha nada a ver com isso", afirma. "Os moradores querem que volte como estava antes, que os militares vão embora. Porque não estão se sentindo seguras."

A turma das drogas, diz ela, é conhecida desde pequena, a convivência é tranquila. "O problema é quando entra o Estado, aí é bala para todos os lados. Uma amiga minha quase foi atingida na cozinha dela. Mas, quando a gente reclama da violência, dizem que somos coniventes com o tráfico'.

Também no morro Dona Marta, em Botafogo, o primeiro a receber uma UPP, em 2008, agora há tiroteios diários. Foi aqui que Michael Jackson gravou em 1996 o videoclipe da música They don't care about us (eles não ligam para nós).

No ano passado, uma estátua do cantor pop erguida no local ganhou uma metralhadora por cima do ombro. Agora se ouvem os tiros até na Urca, considerada o bairro mais seguro do Rio – cercado por edifícios militares.

No início de junho, o idílio teve um fim. Antes de uma ação policial nas favelas Chapéu Mangueira e Babilônia, os traficantes fugiram pelo morro para a Urca. Isso fez com que, pela primeira vez em seus 100 anos de história, o bondinho do Pão de Açúcar ficasse parado por conta de violência. Dias depois, moradores da favela descobriram no meio do mato os corpos de jovens executados. Não houve consequências para os policiais suspeitos.

"Aqui é favela, aqui se pode fazer estas coisas", diz André Constantino, há anos presidente da Associação de Moradores da Babilônia.  "Não foi porque morreram sete, oito ou nove pessoas. A preocupação maior da mídia foi porque o confronto se estendeu até a Urca e, pela primeira vez, teve que se fechar o Bondinho do Pão de Açúcar. Não há preocupação com as vidas que existem aqui nem com as vidas que se perde aqui."

Um cotidiano regrado é impossível nas favelas. "A guerra às drogas tem um custo em vidas, um custo para a saúde das pessoas e um custo para a performance escolar", diz a socióloga Julita Tannuri Lemgruber. Segundo estudos, crianças de áreas de conflito têm pior desempenho escolar – e cerca de uma em cada quatro escolas públicas do Rio está em zonas de conflito.

A polícia começa suas operações precisamente quando os estudantes estão a caminho da escola, afirma Constantino. "Eles nos colocam como escudo. As vidas não valem nada." As forças de segurança, prossegue, só se interessam por confrontos violentos. Ele preferiria se mudar para "algum lugar no asfalto". Lá, a polícia não permite tiroteios.

"Isso aqui é um campo de extermínio do povo negro. Como eu vou dizer que tenho prazer de morar num lugar que tem dois cemitérios clandestinos cheios de corpos enterrados?", diz Constantino. "Só que o Estado brasileiro não quer salvá-los. Quer matá-los. Michael Jackson tinha razão: eles não ligam para nós".

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