Rito do impeachment: entenda o que vai ser julgado pelo STF
Fernando Caulyt16 de março de 2016
Ministros do Supremo analisam recursos da Câmara dos Deputados contra decisão da corte que alterou regras do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá concluir até esta quinta-feira (17/03) o julgamento dos embargos apresentados pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao rito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Entenda o caso e o que vai ser votado pelo STF.
– Cunha autorizou em 3 de dezembro de 2015 o pedido de abertura de um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
– Em 8 de dezembro, uma comissão especial foi eleita na Câmara dos Deputados, quando venceu a chapa avulsa formada por partidos de oposição e por dissidentes da base governista, incluindo deputados do PMDB. O grupo foi eleito por 272 votos contra 199, em votação secreta, numa sessão marcada por tumulto, uma vez que os parlamentares contrários ao processo secreto de votação e ao lançamento de uma chapa alternativa para concorrer à comissão se desentenderam com os defensores do voto secreto e da chapa alternativa.
– No mesmo dia, o PCdoB entrou com ações no STF para questionar a constitucionalidade da Lei 1.079/50, que regulamentou as normas de processo e julgamento do impeachment, mas é anterior à Constituição de 1988. O partido questionou o rito adotado por Cunha, que permitiu a participação da chapa avulsa.
– O ministro do STF Luiz Edson Fachin suspendeu a tramitação do pedido de impeachment até 16 de dezembro, quando o plenário da corte iria julgar o pedido do partido. Em 17 de dezembro, acórdão do STF anulou o rito adotado por Cunha no processo de impeachment.
– Os ministros votaram contra a participação de uma chapa avulsa de deputados, com nomes não indicados por líderes partidários, e contra a escolha por voto secreto dos integrantes da comissão. O plenário do Supremo decidiu também que caberá à Câmara autorizar a abertura do processo, mas o Senado é que decidirá sobre a instauração do impeachment. O poder de os senadores darem a palavra final sobre o afastamento de Dilma agradou ao Palácio do Planalto.
– Se os senadores decidirem não instaurar o processo de impeachment, ele será arquivado. Se a decisão for instaurar, somente a partir desse momento é que a presidente da República será temporariamente afastada do cargo pelo prazo máximo de 180 dias. Os ministros do STF também rejeitaram a necessidade de defesa prévia de Dilma.
– Caso o processo de impeachment seja aberto no Senado, haverá três votações: recebimento da denúncia, pronúncia e condenação. Só a última teria necessidade de quórum de 2/3; as demais exigem apenas a maioria simples de votos.
– Antes mesmo da publicação do acórdão pelo STF, a Câmara dos Deputados havia apresentado recurso, em 1º de fevereiro, contra a decisão do STF.
–O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado nesta terça-feira (08/03) pelo Diário da Justiça. Nele, há o resumo das decisões dos ministros, os votos de cada um deles e os debates sobre o tema ocorridos nas duas sessões.
– Com a publicação do documento, a Câmara dos Deputados reapresentou os seus questionamentos nesta terça-feira e solicitou a revisão da decisão do STF que anulou o rito do processo de impeachment. A Câmara alega que os ministros do Supremo interpretaram de forma equivocada as normas internas da casa parlamentar. A oposição tem a expectativa que o Supremo modifique parte da sua decisão e permita que a comissão especial formada por deputados federais seja eleita em votação secreta e, ainda, com a participação de chapas avulsas.
– Assim que o Supremo finalizar a análise dos recursos, Cunha deverá dar continuidade ao processo de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados, com a instalação, no mesmo dia, da comissão especial que vai analisar se o processo de impeachment vai ser aberto ou não. A formação da comissão deverá observar as regras impostas pelo STF.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.