A história de uma empregada doméstica de raízes indígenas numa família branca de classe média e o sucesso da atriz principal, Yalitza Aparicio, reacendem debate sobre classismo, diversidade e intolerância no México.
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Classismo e racismo são os principais temas abordados em Roma, filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón. O sucesso da obra deu a volta ao mundo e bateu recordes em premiações internacionais. Concorre em dez categorias no Oscar deste ano, incluindo a de melhor filme, nomeação raramente concedida a produções estrangeiras. Sua protagonista, Yalitza Aparicio, também tem sido ovacionada pelo público, ao mesmo tempo em que recebe fortes críticas por sua ascendência indígena.
A atriz de 25 anos tem mãe da etnia triqui e pai mixteca, ambos originários de povos indígenas do estado de Oaxaca, no México. Em Roma, ela interpreta Cleo, empregada doméstica de uma família de classe média na Cidade do México. A personagem é inspirada em Liboria Rodríguez, babá de Cuarón durante a infância.
Cleo expõe as desigualdades raciais e sociais dos povos indígenas no México. Tanto a personagem quanto a própria atriz têm sido tema de controvérsias. Por um lado, a sociedade se orgulha de mostrar o verdadeiro México; enquanto, para outros, Aparicio e Cleo têm histórias de vida que não merecem ser contadas.
"Índia maldita" foram as palavras usadas por um ator mexicano para se referir a Aparicio e à sua indicação ao Oscar de melhor atriz. Essa é apenas uma das tantas ofensas que tem recebido. "Ela não sabe atuar, não deveria ter sido indicada" e "ela não atuou, ela é assim" estão entre outros comentários comuns nas redes sociais.
Contudo, Aparicio conveceu a crítica internacional e foi reconhecida mundo afora por sua atuação. Além de uma série de indicações em premiações de cinema, ela levou o prêmio de atriz revelação no Hollywood Film Awards em 2018.
Segundo algumas atrizes mexicanas, lhes chama a atenção que alguém cuja aparência não atende aos padrões de beleza socialmente estabelecidos possa ter sucesso nos Estados Unidos e ser capa de revistas de moda. Comentaristas de veículos de comunicação têm inclusive pedido publicamente que a atriz se vista como indígena nas cerimônias de premiação.
"Isso é um reflexo das posições de privilégio e do racismo tradicionais no México. As reações mais depreciativas vêm de pessoas que não têm a menor chance de ganhar um prêmio na vida. São manifestações de inveja do talento e do sucesso dos outros", comentou, em entrevista à DW, Federico Navarrete, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).
"A elite mexicana acredita que os espaços de poder pertencem a ela. As pessoas brancas, com seu privilégio racial, ocupam lugares de destaque na sociedade e agora se sentem ameaçados e com coragem", acrescentou Navarrete, autor do livro México racista: uma denúncia.
Aparicio, o verdadeiro rosto do México
Preto, moreno ou negro são adjetivos pejorativos na sociedade mexicana – o que é surpreendente, já que mais de 80% da população tem a pele escura, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi). Os números permitem concluir que a imagem de Aparicio é o verdadeiro rosto do México, apesar das críticas que recebe.
O fato de uma mulher indígena alcançar o sucesso significa muito para a sociedade mexicana, já que esse grupo social é o mais marginalizado em termos econômicos, quanto ao acesso à educação, à saúde e aos direitos reprodutivos.
Apenas ter a pele escura já é motivo de discriminação no México. De acordo com estudos do Inegi, a cor da pele exerce influência no nível de educação e nas oportunidades de emprego que chegam às pessoas. Nesses levantamentos, 72,2% dos entrevistados disseram considerar que existe racismo no país, e 47% acreditam que os indígenas não têm as mesmas oportunidades de emprego, muito menos em cargos de chefia.
Roma, uma mensagem poderosa
O classismo exposto no filme revela um dos traços mais vergonhosos dos mexicanos: a veneração à pele branca, apontam especialistas. Além de convidar os espectadores à nostalgia ao retratar um México nos anos 1970, Roma faz uma reflexão sobre a pouca mudança das estruturas sociais nas últimas décadas.
A realidade atual não está longe da vista no filme. Um exemplo é o tratamento que a atriz Marina de Tavira, coadjuvante no longa, tem recebido. Ao contrário do que acontece com Aparicio, Tavira não foi alvo de comentários ou ofensas racistas por seu desempenho, porque sua imagem, branca e de cabelos claros, não mexe com as estruturas.
"No México, a ascensão social implica branqueamento, de forma literal. No país existem inclusive cremes para clarear a pele. Ser branco é uma aspiração. É associado à posição econômica, a sofisticação e a ser cosmopolita", diz Navarrete.
Agora, Aparicio se destaca num mundo destinado, em grande parte, a pessoas de traços caucasianos. Assim como Roma, ela reacendeu o debate sobre as desigualdades. Ganhando ou não a estatueta do Oscar, a atriz já é inspiração para todas as mulheres negras e indígenas, pois sua história rompe todos os paradigmas.
Em seu mandato, o ex-presidente americano Donald Trump prometeu construir um muro entre EUA e México. Mas, muito antes disso, esta fronteira já havia sido foco de filmes espetaculares. Veja a lista.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
John Wayne em guerra
Em meados do século 19, EUA e México entraram em guerra sobre o estado do Texas, que pertencia aos mexicanos, mas foi anexado pelos americanos. A longa disputa foi muitas vezes retratada por Hollywood nos faroestes que detalhavam os violentos conflitos entre colonos americanos e o Exército mexicano. Entre os mais espetaculares está "Álamo" (1960), estrelado por John Wayne e Richard Widmark.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
Dietrich e a fronteira
Em 1958, Marlene Dietrich fez uma breve aparição no brilhante suspense "A marca da maldade". O diretor Orson Welles, que teve o papel principal no filme, fez da região fronteiriça entre México e EUA o cenário para falar sobre corrupção, tráfico de drogas e outros crimes.
Foto: picture-alliance/United Archives/IFTN
"Rio Bravo"
Quando John Wayne apareceu em "Álamo", a grande era do faroeste americano estava quase no fim. Mas, quando o gênero cresceu na década de 1950, muitos faroestes se passaram na fronteira entre Texas, Novo México e Arizona de um lado, e o México, do outro. Um marco simbólico era o rio Grande que, localizado nesta fronteira, rendeu o título do legendário filme do diretor John Ford, de 1950.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
A fronteira em faroestes posteriores
No entanto, a fronteira entre os dois países conseguiu manter sua importância em numerosos faroestes lançados posteriormente. A região desempenhou um papel de destaque em "Meu ódio será tua herança" (1969), do diretor Sam Peckinpah, um épico do faroeste selvagem com muito sangue e que enfoca a ilegalidade em uma terra esquecida.
Foto: Imago/Entertainment Pictures
Variações modernas
O diretor americano Robert Anthony Rodriguez tem uma paixão pela região de fronteira, o que talvez se deva às suas raízes mexicanas. Muitos de seus filmes reproduzem o choque de culturas nesta região fronteiriça. Seu filme "Um drink no inferno", de 1996, viu Quentin Tarantino e George Clooney encenando irmãos que roubam bancos e que tentam fugir para o México.
Foto: picture-alliance/United Archives
Não há lugar para envelhecer
Ganhador de vários Oscars em 2008, entre eles o de melhor filme e direção, "Onde os fracos não têm vez" foi dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen. A produção aborda as drogas, máfia, assassinatos e fraudes. O filme se passa na fronteira entre EUA e México – um lugar perigoso, onde a morte é comum e poucos envelhecem.
Foto: picture-alliance/dpa/Paramount Pictures
Ao sul de Albuquerque
Albuquerque, no Novo México, é o cenário da extremamente popular série de televisão "Breaking Bad", que foi produzida entre 2008 e 2013. Ela enfoca histórias na região envolvendo drogas. Ao sul de Albuquerque, fica a lendária fronteira entre Estados Unidos e México.
Foto: Frank Ockenfels 3/Sony Pitures
O lado obscuro do comércio
No filme "Desaparecidos" (2007), o diretor alemão Marco Kreuzpaintner escolheu contar a história de crianças mexicanas que atravessam a fronteira para os Estados Unidos como parte do tráfico de escravos sexuais. A estrela de Hollywood Kevin Kline desempenhou o papel principal.
Foto: picture-alliance/kpa
Guerra de drogas na fronteira
"Sicario: terra de ninguém" examina o impacto das guerras do narcotráfico na área de fronteira entre Arizona e México. O cineasta canadense Denis Villeneuve fez o agitado suspense em 2015, tendo Benicio del Toro no papel principal. A obra foi filmada no sul do Arizona.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Lionsgate/Richard Foreman Jr.
Filmes sobre drogas
A questão do narcotráfico parece atrair diretores de forma mágica. Em 2013, o cineasta britânico Ridley Scott filmou um suspense também nesta região fronteiriça. "O conselheiro do crime", estrelado por Brad Pitt e Michael Fassbender, foi filmado em El Paso, no Texas, e na Espanha.
Foto: picture-alliance/dpa
Crime e política
Há 17 anos, o diretor Steven Soderbergh lançou o renascimento dos filmes sobre a guerra das drogas. Em "Traffic", ele retrata a complexa relação entre polícia, traficantes e políticos – cujos laços uns com os outros estão indissociavelmente interligados para além das fronteiras geográficas.
Foto: picture-alliance/United Archives
Histórias de detetive
Além de faroestes e suspenses sobre drogas, inúmeras histórias de detetives e assassinatos misteriosos decorrem na fronteira entre EUA e México. Um clássico do gênero é o filme "O perigoso adeus" (1973), de Robert Altman, baseado em um romance de Raymond Chandler. O filme foi gravado na Califórnia, mas também em Tepoztlán, no México.
Foto: picture-alliance/United Archives/Impress
A fronteira em tempos de globalização
Em 2006, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu filmou o drama narrativo múltiplo "Babel". A obra traça os destinos entrelaçados de várias pessoas de diferentes regiões do mundo, e é uma parábola cinematográfica sobre a questão do significado da fronteira para as pessoas em tempos de globalização.
Foto: picture alliance/kpa
Comédia de fronteira
Não há muito o que rir quando se trata de uma fronteira. A maior parte dos filmes que lida com os laços entre EUA e México tendem à seriedade. Mas, em 2004, James L. Brooks fez a comédia "Espanglês" sobre um encontro com muito clichê entre um americano rico (Adam Sandler) e uma faxineira mexicana (Paz Vega).
Foto: picture-alliance/United Archives
Drama sobre imigração
Nos últimos anos, mais e mais filmes foram produzidos sobre imigração e pobreza na região. No ano passado, a coprodução Alemanha-França-México "Soy Nero" estreou na Berlinale. O diretor Rafi Pitts, com raízes iranianas, conta a história de um jovem mexicano que atravessa a fronteira para os EUA em busca de uma vida melhor.
Foto: picture-alliance/dpa/Neue Visionen
Um clássico moderno
Talvez o filme mais impressionante sobre a imigração do Sul para o Norte tenha sido feito por Cary Fukunaga, em 2009. "Sem identidade" retrata o destino de vários jovens do México que estão tentando chegar aos EUA. Enquanto alguns estão tentando escapar de bandos criminosos de suas cidades, outros procuram o paraíso na Terra.