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Roma expõe réplicas de patrimônio destruído pelo EI

Laura Döing
10 de outubro de 2016

"Renascendo da destruição" é o título da mostra no Coliseu, que traz de volta, remontados por impressoras 3D, tesouros culturais devastados pelos jihadistas. Meta é aguçar consciência para perda do patrimônio cultural.

Réplica do touro alado do salão do trono de Assurnasirpal 2º, em Nimrud, na exposição do Coliseu
Réplica do touro alado do salão do trono de Assurnasirpal 2º, em Nimrud, na exposição do ColiseuFoto: picture alliance/dpa/K. Blume

O que pensariam os adeptos fanáticos do assim chamado "Estado Islâmico" (EI) se vissem, em plena Roma, o touro alado de cabeça humana que guardava o salão do trono do rei Assurnasirpal 2º, em Nimrud, no Iraque? Ressuscitado do nada, a partir de fotografias, filmes e desenhos em escala original, e montado por impressoras 3D, com a superfície revestida de pó de mármore, para dar a textura antiga – como se os jihadistas jamais o tivessem pulverizado.

A mítica estátua se encontra na exposição "Renascendo das destruições – Ebla, Nimrud, Palmira", até 11 de dezembro de 2016 no Coliseu, ao lado de outros tesouros culturais explodidos pelo EI ou danificados nos combates. Entre eles, as placas de pedra inscritas e os alicerces do arquivo de Ebla, no norte da Síria, ou um elaborado relevo de teto do tempo de Baal, em Palmira.

Reprodução do teto do Templo de Baal de PalmiraFoto: picture alliance/dpa/K. Blume

Cópias e originais

Mas para que servem tais reconstruções, meticulosamente produzidas por três firmas de Roma, Florença e Ferrara? A coisa faz pensar numa atração para turistas: uma caótica justaposição de réplicas de patrimônios mundiais exposta no Coliseu, a mais famosa arena de espetáculos da Roma antiga, e também patrimônio cultural.

"Queremos mostrar que tudo o que foi destruído pode ser reconstituído", explica Francesco Rutelli, iniciador do projeto que conta com o patrocínio da Unesco. E a organização não tem qualquer interesse em criar cenários de plástico para um parque de diversão, assegura Mechthild Rössler, diretora da seção Patrimônio Cultural e do Centro do Patrimônio Cultural, na sede da Unesco em Paris.

A meta é aguçar a consciência pública em relação ao patrimônio destruído. As reproduções visam lembrar o que se pode perder – ou o que já foi perdido. Em abril, Rössler esteve pessoalmente em Palmira, a fim de formar uma ideia do estado do sítio arqueológico e do museu locais. O EI ocupou a cidade em maio de 2015, e foi expulso de lá pelo Exército sírio, com apoio russo, em março último.

As minas do EI em Palmira

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O iniciador Rutelli enfatiza que os 160 mil euros que custaram as réplicas provêm exclusivamente de fontes privadas. A mostra igualmente inclui originais: dois bustos dos séculos 2º e 3º, quando Palmira ainda pertencia ao Império Romano, cujos rostos foram destruídos pelos milicianos do EI.

Depois que os fundamentalistas islâmicos foram expulsos, os objetos foram legalmente levados para Itália, em cooperação com as autoridades sírias e libanesas. Após serem reconstruídos, deverão ser devolvidos a Palmira. As réplicas, porém, ficarão na Europa, pois a Carta de Veneza de 1964 veta reconstruções em sítios arqueológicos, só se podendo recompor os fragmentos existentes.

Sequência de prioridades

Todos os seis locais da Síria que são Patrimônio Mundial estão atualmente ameaçados, constando da lista vermelha da Unesco. Em Palmira ainda há perigo de vida: o Exército russo já retirou lá mais de 3 mil minas, mas o trabalho de desativação ainda não está concluído.

A Cruz Vermelha Alemã registra que no momento 12,2 milhões de pessoas estão dependendo de ajuda humanitária na Síria. Nesse quadro, Rössler duvida que Palmira venha a ser uma prioridade.

"E quanto a Aleppo? É uma cidade da lista do Patrimônio Mundial em que as pessoas querem viver. E lá as necessidades de ação são muito mais prementes do que em Palmira – a qual é um símbolo, mundial, claro, porque tantos turistas a visitaram", comenta a diretora do Centro do Patrimônio Cultural da Unesco.

Tal popularidade também transforma a cidade em peça do jogo político. Mesmo antes de a Orquestra do Teatro Mariinsky de São Petersburgo dar um concerto nas ruínas locais sob a regência do maestro Valery Gergiev, estava claro: Palmira é um símbolo político.

Templo de Baal, antes (esq.) e após a devastação pelo EIFoto: picture-alliance/dpa/Unosat

Justiça ainda longe

O plano, anunciado pelo governo sírio, de reconstruir o local dentro de cinco anos após sua retomada do EI, seria igualmente uma demonstração da aparente força do regime de Bashar al-Assad e de seus aliados russos. Porém, Mechthild Rössler considera a previsão excessivamente otimista.

"Obviamente esse é um prazo bem breve, considerando-se as condições presentes. Se houvesse paz, seria possível em cinco anos. Já se poderia reerguer amanhã o Arco do Triunfo. Mas seria preciso ter equipamento, e no momento, ao que tudo indica, não dá para transportar nem mesmo armamentos pela estrada até Palmira."

Destruir Patrimônio Cultural Mundial é crime de guerra, como proclamou o Tribunal Penal Internacional (TPI) em 27 de setembro de 2016, em Haia, numa sentença histórica. Nove anos de prisão aguardam Ahmad al-Faqi al-Mahdi, por ter devastado mausoléus históricos e uma mesquita na cidade de Timbuktu, no Mali, juntamente com outros jihadistas.

Os mausoléus estão novamente de pé, reconstruídos pela Unesco, com verbas também da União Europeia. No entanto, no momento nada leva a crer que os terroristas que simplesmente detonaram 2 mil anos de história da humanidade em pedra um dia também venham a responder diante do Tribunal de Haia.

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