Social-democrata, comunista e revolucionária: há um século, a política Rosa Luxemburgo foi assassinada. Ela permanece tão controversa quanto admirada – assim como seu contemporâneo Karl Liebknecht.
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Alemanha, cem anos atrás. A Primeira Guerra Mundial acabava de terminar, e o imperador estava foragido, mas o país ainda não estava em paz. No dia 9 de novembro de 1918, o deputado social-democrata Philipp Scheidemann proclamava a República Alemã. Mas a revolução, iniciada por soldados e apoiada por trabalhadores, ainda estava acontecendo – e a população continuava morrendo, porque alemães matavam alemães, cada um lutando pela forma de governo que ele ou ela acreditava ser a correta.
Em janeiro de 1919, a situação piorou. Manifestações em massa estavam na ordem do dia. O governo provisório da Alemanha – com o líder do Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão), Friedrich Ebert, à frente – era uma coalizão do SPD e do USPD, o Partido Social-Democrata Independente, mais radical. O SPD ficou sob tremenda pressão das ruas, aumentada pela criação, na virada do ano, do Partido Comunista Alemão (Deutsche Kommunistische Partei, ou KPD). Seus protagonistas eram dois ex-membros do SPD: Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo.
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Devido à sua postura antiguerra inflexível, os dois ficaram isolados na antiga legenda desde o início, depois que o SPD votou a favor de um empréstimo para o conflito em 1914 para financiar a Primeira Guerra Mundial. Luxemburgo e Liebknecht deixaram a agremiação e se filiaram ao USPD. No inverno revolucionário de 1918-19, por um breve período seu sonho de uma República Soviética socialista parecia estar se tornando verdade.
O modelo era a Rússia, onde a revolução de 1917 já havia sido bem-sucedida – mas onde ela desembocou rapidamente numa ditadura. Rosa Luxemburgo rejeitou essa evolução. Historiador em Hamburgo, Marcel Bois afirma em entrevista à DW que Luxemburgo sempre considerou democracia e socialismo "indissociáveis".
Bois explica que ela acreditava que, além da paisagem política, a economia alemã também deveria ser estruturada de forma democrática. Por isso elo apoiou o movimento soviético, mas foi contrária a um golpe de Estado. Esta também havia sido a posição inicial do KPD: seu manifesto declarou que o poder governamental jamais deveria ser assumido, exceto "por vontade clara e inequívoca da grande maioria das massas proletárias na Alemanha".
'Karl, esse ainda é o nosso programa?'
Historiadores da atualidade ainda discordam sobre o papel desempenhado pelos dois comunistas mais conhecidos da Alemanha no Levante Espartaquista, em janeiro de 1919. Marcel Bois acredita que o ímpeto primário veio de forças revolucionárias no setor industrial, e que Liebknecht "se permitiu ser levado pelo clima geral". Liebknecht tinha a intenção de derrubar o governo, enquanto Luxemburgo teria dito ao seu camarada: "Karl, esse ainda é o nosso programa?"
Esse episódio, segundo os relatos, indica como Luxemburgo e Liebknecht lutaram para decidir qual seria o curso "certo" a seguir. Com suas mortes violentas na época, a divisão da esquerda como um todo entrou numa nova fase, de turbilhões ainda maiores.
No dia 15 de janeiro de 1919, os dois revolucionários foram mortos brutalmente. Liebknecht foi assassinado a tiros por soldados do Freikorps, formado por extremistas de direita, mas que agiram pelas ordens do SPD, no poder. A versão oficial diz que ele foi morto "enquanto tentava fugir". Luxemburgo também foi morta a tiros, e seu corpo foi atirado no canal Landwehr, em Berlim.
'A liberdade é sempre a liberdade dos dissidentes'
Socialistas e comunistas ainda realizam um protesto silencioso anual em memória de Rosa Luxemburgo. Milhares de pessoas fazem uma peregrinação ao memorial socialista no bairro Friedrichsfelde de Berlim – normalmente no segundo domingo de janeiro.
Durante os anos em que a Alemanha ficou dividida, o regime comunista do leste insistia em manter o ritual – uma contradição em si, já que lembrava uma mulher e um homem que rejeitaram uma ditadura de um partido único. Desde o primeiro dia, a ex-República Democrática da Alemanha (RDA), ou Alemanha Oriental, com seu todo-poderoso partido único SED (Partido Socialista Unitário), foi precisamente isso.
O historiador Marcel Bois, especialista em comunismo, lembra que próximo ao fim da antiga RDA, dissidentes decidiram invocar a memória de Liebknecht e Luxemburgo. No ano que antecedeu a queda do Muro de Berlim em 1989, eles usaram a cerimônia tradicional para desafiar o governo estatal, carregando banners que exigiam mudanças sociais radicais e que ostentavam citações da própria Rosa Luxemburgo. Um dos slogans foi seu famoso comentário feito em crítica à Revolução russa: "A liberdade é sempre a liberdade dos dissidentes".
Fundação Rosa Luxemburgo, uma 'pequena forma de reparação'
Hoje em dia, o legado espiritual de Rosa Luxemburgo é mantido pela fundação que leva seu nome. A diretora da organização, Dagmar Enkelmann, acredita que batizar a instituição, politicamente próxima do partido A Esquerda, com o nome da revolucionária assassinada foi "uma pequena forma de reparação".
Em entrevista à DW, Enkelmann disse que é lamentável que a Alemanha Oriental tenha colocado Luxemburgo "num pedestal". Como resultado, afirma, as pessoas na época prestaram muito pouca atenção a suas ideias teóricas, que podem ser consultadas em seus artigos de jornal e nas cartas que escreveu.
Olhando para as próximas eleições legislativas europeias, marcadas para maio deste ano, Enkelmann diz lembrar com desconforto da desunião que sempre parece assombrar a esquerda. Atualmente, não está claro se a esquerda será capaz de se unir para formar uma bancada parlamentar conjunta.
Para Enkelmann, que é ex-deputada pela legenda A Esquerda, partidos de direita rapidamente conseguem chegar a um acordo. Ao mesmo tempo, 200 anos de experiência mostram que "a esquerda política sempre é muito rápida em construir barricadas em seu próprio interior" e trabalha muito pouco "no que realmente nos une". Rosa Luxemburgo também passou por essa experiência – e pagou por ela com sua vida.
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A 13 de agosto de 1961, guardas da Alemanha Oriental começaram a fechar com arame farpado e concreto a fronteira que separava as partes oriental e ocidental de Berlim, bem como Berlim Ocidental da Alemanha Oriental.
Foto: AP
RDA é hoje pura nostalgia
Diante do Museu de Checkpoint Charlie e fantasiado de guarda de fronteira da RDA, o berlinense Wolfgang Kolditz carimba – com um carimbo postal original da Alemanha comunista – os cartões e lembranças comprados pelos turistas, dez anos após a queda do Muro. Naquele local esteve o mais famoso posto de controle, conhecido em todo o mundo através de inúmeros filmes sobre espionagem e a Guerra Fria.
Foto: AP
Onde foi?
Hoje, pouco resta da histórica muralha que separou dois Estados alemães por tanto tempo.
Foto: DW
Os 'pica-paus' do Muro
Depois do dia 9 de novembro de 1989 foi apenas uma questão de meses até que o Muro desaparecesse inteiramente da paisagem de Berlim. Ficaram famosos na época os chamados 'pica-paus' do Muro: berlinenses e turistas que, armados de martelo e cunha, arrancaram pedaços da muralha para guardar de lembrança. Por muito tempo, lojas de suvenires em Berlim ofereceram lascas de concreto com um duvidoso 'certificado de autenticidade'.
Foto: AP
A dança sobre o Muro
No dia 10 de novembro de 1989, berlinenses orientais e ocidentais confraternizaram-se com uma verdadeira dança sobre o Muro, que deixara de ser uma barreira desde a noite anterior. Ao fundo, o Portão de Brandemburgo – o símbolo de Berlim. Com as fronteiras abertas, milhares de cidadãos alemães orientais viajaram imediatamente à parte ocidental da Alemanha, para fazer compras, visitar parentes e amigos ou simplesmente para satisfazer a curiosidade pessoal.
Foto: AP
A confusão histórica
Durante uma entrevista coletiva no dia 9 de novembro de 1989, o jornalista e membro do politburo do SED – Partido Socialista Unificado – Günter Schabowski, interpretou erroneamente um comunicado oficial do governo da Alemanha Oriental, anunciando a abertura das fronteiras entre as duas partes da Alemanha. Poucas horas depois, a pressão popular fez com que a guarda de fronteiras da RDA abrisse o Muro de Berlim.
Foto: dpa
O fim de uma carreira
Poucas semanas após as festividades comemorativas do 40º aniversário da República Democrática Alemã, o chefe de Estado e de partido Erich Honecker foi destituído de todas as suas funções. A pressão dos protestos populares e as fugas em massa da RDA fizeram com que os comunistas mais jovens ainda tentassem salvar o regime, depondo a liderança conservadora. A rebelião palaciana não trouxe o efeito desejado: os protestos continuaram, culminando com a queda do Muro de Berlim.
Foto: dpa
A festa final
Com a presença do convidado especial – o chefe de Estado e de partido da União Soviética, Mikhail Gorbachev – foi comemorado no dia 7 de outubro de 1989 o 40º aniversário da República Democrática Alemã. Para irritação da liderança comunista da RDA, Gorbachev advertiu para a urgência de reformas no país.
Foto: dpa
Plataforma para pichações
Em toda a sua extensão, o Muro de Berlim tornou-se uma plataforma de pichações no lado ocidental. Com lemas políticos ou meros desenhos, milhares de berlinenses e de turistas lançaram mão dos aerossóis para deixar uma mensagem colorida sobre o concreto. Como a profecia que se vê na foto: 'Berlim ficará livre do Muro'.
Foto: AP
Propaganda dos dois lados
Em outubro de 1964, foi posto um cartaz (à esq.) no lado oriental de Berlim com os dizeres: 'Acordos sobre salvo-condutos são melhores que provocações'. Poucos dias depois, foi afixada nas proximidades a resposta ocidental: 'O Muro continuará sendo uma provocação, mesmo com salvo-condutos!'.
Foto: AP
A fuga com um balão
Na noite de 16 para 17 de setembro de 1979, duas famílias da Alemanha Oriental lograram uma fuga sensacional. Os casais Strelzik e Wetzel, com seus quatro filhos em idade entre dois e 15 anos, conseguiram cruzar a fronteira em direção à Alemanha Federal a bordo de um balão de ar quente, que eles próprios construíram às escondidas, durante meses de trabalho. O balão pousou de madrugada em Naila, na Baviera, sem chamar a atenção dos guardas de fronteira.
Foto: dpa
Um túnel por baixo do Muro
No final de 1963, um grupo reunido pelo ator Wolfgang Fuchs, do qual fazia parte o estudante Klaus-Michael von Keussler (foto), iniciou a construção de um túnel sob o Muro de Berlim. Durante dez meses foi escavado um subterrâneo de 145 metros de extensão, 80 centímetros de altura e numa profundidade de até 12 metros. Nos dias 3 e 4 de outubro de 1964, um total de 57 pessoas conseguiu fugir da RDA, antes que a polícia descobrisse e fechasse o túnel, no dia seguinte.
Foto: dpa
A última oportunidade
No dia em que foi iniciada a divisão de Berlim, o domingo 13 de agosto de 1961, e nos dias subsequentes registraram-se cenas dramáticas como a da foto. Uma mulher tenta saltar da janela de uma casa do lado oriental para fugir para a parte ocidental de Berlim. Um policial tenta puxá-la de volta, enquanto berlinenses ocidentais procuram apoiá-la na fuga, que acaba obtendo êxito. Nas semanas seguintes, esta casa – como outras na linha fronteiriça – foi demolida, abrindo espaço para a construção do Muro.
Foto: dpa
A morte junto ao Muro
Cenas espetaculares de fuga acompanharam o Muro de Berlim em toda a sua história. Algumas com final feliz, outras com um desfecho trágico. A primeira vítima fatal foi o jovem Peter Fechter, em 17 de agosto de 1962. Atingido pelos disparos da guarda de fronteiras da RDA, Fechter agonizou durante 50 minutos na chamada 'terra de ninguém', falecendo pouco depois de ser recolhido pela polícia alemã oriental.
Foto: AP
Hora da opção
No dia 15 de agosto de 1961, o soldado alemão-oriental Conrad Schumann foi destacado para controlar a linha divisória na rua Bernauer, marcada por arames farpados, pois o Muro ainda não estava pronto. Schumann jogou fora o fuzil e pulou sobre o arame farpado, passando para o lado ocidental. A cena foi fotografada por jornalistas que acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos em Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa/R.Jensen
Pedra sobre pedra
Depois do fechamento das ruas de Berlim, selando a divisão da cidade a partir de 13 de agosto de 1961, o governo comunista da Alemanha Oriental ordenou a construção do Muro. Vigiados de perto pelos soldados do chamado Exército Popular Nacional (NVA), os operários demoliram os prédios localizados na linha divisória, construindo uma muralha e um campo minado em seu lugar.
Foto: AP
O símbolo isolado
O símbolo arquitetônico de Berlim, o Portão de Brandemburgo, ficou inteiramente isolado com a construção do Muro. O acesso a ele só era possível a partir do lado oriental da cidade, ficando reservado às autoridades policiais, militares e aos próceres do regime comunista. Hoje, a área circunvizinha do Portão de Brandemburgo é novamente uma das mais movimentadas e freqüentadas da capital alemã.
Foto: AP
Kennedy visita o Muro
Em junho de 1963, quase dois anos depois da construção do Muro, o presidente norte-americano John F. Kennedy visitou Berlim para informar-se sobre a divisão da cidade. Acompanhado pelo então prefeito Willy Brandt (ao centro) e pelo chanceler federal alemão Konrad Adenauer (à direita), Kennedy foi aclamado pela população de Berlim Ocidental.
Foto: AP
Uma fortaleza
Partes do Muro de Berlim tinham o aspecto de uma verdadeira fortaleza: com pista para o transporte de soldados e guarita para controlar as ocorrências nos dois lados da linha divisória. Além da muralha, uma 'terra de ninguém' com campo minado e cerca de arame farpado impedia o acesso ao Muro, no lado oriental.
Foto: AP
Tanques cara a cara
Nas semanas que se seguiram à construção do Muro de Berlim, a Guerra Fria atingiu um dos seus momentos mais dramáticos. A tensão entre os EUA e a União Soviética podia ser vista claramente no posto de controle da rua Friedrich, o chamado Checkpoint Charlie, no centro de Berlim: tanques americanos e soviéticos permaneceram durante dias, frente a frente, à espera de um comando de ação militar.
Foto: AP
O idealizador do Muro
Ninguém desejava uma muralha de pedra e concreto armado mais do que Walter Ulbricht, o chefe de Estado da República Democrática Alemã (RDA). Ele precisava dela para impedir o êxodo de milhares de pessoas para o outro Estado alemão, a República Federal da Alemanha. A União Soviética não apoiou com muita convicção a 'muralha antifascista' de Ulbricht. Não obstante, a fronteira de 155 quilômetros cercando Berlim Ocidental sedimentou a divisão alemã durante 28 anos.