Roupa barata é produzida à custa da exploração de operários
10 de março de 2013Raramente acidentes de trabalho se transformam em manchetes de jornal. Em novembro de 2012, porém, a morte de 112 pessoas no incêndio de uma fábrica de tecidos em Bangladesh foi noticiada em todo o mundo, causando indignação internacional com as condições de trabalho nas fábricas do país. Os operários do setor protestaram nas ruas da capital, Dhaka. Poucos meses antes, 250 haviam morrido em consequência do fogo em uma fábrica de tecidos no Paquistão.
Nas duas fábricas eram produzidas mercadorias fornecidas para empresas de todo o mundo, inclusive alemãs. Em Bangladesh, a cadeia de moda C&A mandava produzir camisetas para vender no mercado brasileiro; e uma das empresas compradoras das mercadorias da fábrica incendiada no Paquistão era a cadeia de roupas baratas KIK, com 3.200 filiais em toda a Europa. Depois dos incêndios, tanto a C&A quanto a KIK afirmaram que contribuiriam para fundos de ajuda às vítimas e seus familiares.
Mínimo de justiça nas relações
Para a rede internacional Clean Clothes Campaign, esse gesto das empresas pode ser simpático, mas não é suficiente. A "Campanha das Roupas Limpas" empenha-se em prol de melhores condições de trabalho na indústria têxtil.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) formulou exigências mínimas no tocante a padrões sociais, resumidas em oito pontos: "não" ao trabalho forçado, à discriminação, ao trabalho infantil, além da liberdade de união dos trabalhadores em associações, salários justos, jornadas controladas, condições dignas de trabalho e relações trabalhistas regulamentadas.
Mesmo na Europa, essas exigências não são todas cumpridas, acentua Bettina Musiolek, da rede Clean Clothes Campaign, em entrevista à DW. Ela se especializou no Leste Europeu e na Turquia, onde condições de produção injustas são muito difundidas.
"Os maiores problemas no Leste Europeu são os salários, as jornadas e a proteção do trabalho e da saúde. Na Turquia, ainda há o agravante da falta de liberdade de organização", diz Musiolek. Ela salienta que nem mesmo dentro da União Europeia (UE) ou da Alemanha um salário mínimo justo é sempre coisa garantida.
Produção em países pobres
Christoph Schäfer, diretor do Departamento de Direito e Tributação da Confederação Alemã da Indústria Têxtil e da Moda, admite que, também na Alemanha, uma operária do setor não consegue necessariamente viver de seu salário. No entanto, tanto no país como em vários outros da União Europeia, as trabalhadoras são amparadas pelo Estado social. "Em último caso, o Estado é obrigado a contribuir. No caso da Alemanha, isso se dá através de adicionais ou de benefícios sociais", diz Schäfer.
A pressão por preços mais baixos e a concorrência são enormes, disse à DW: "A indústria têxtil é frequentemente acusada de optar pelos países onde a produção é mais barata. É verdade, pois a pressão para reduzir os custos é enorme. Mas quando a caravana da indústria têxtil passa, ela não deixa terra queimada para trás. Normalmente, é através dela que o bem-estar e outras indústrias chegam a um país", diz o representante da indústria têxtil.
Inegável é que a produção de produtos baratos se dá nos países mais pobres do mundo. Quem fabrica ofertas especiais para as liquidações dos países industrializados, não precisa de trabalhadores qualificados nem de máquinas caras. Porém as consequências da "caça às pechinchas" dos países ocidentais vão mais longe: entre as vítimas, estão as condições dignas de produção nas fábricas. Não se poupa somente nos salários, mas também na prevenção de incêndios e condições de saúde, assim como nos contratos de trabalho pouco justos.
Barato graças à exploração
Uma camiseta produzida de maneira justa não pode chegar ao consumidor por meros 3 euros, acentua Rolf Heimann, da empresa alemã de moda Hess Natur. "Da plantação do algodão no campo, passando pela tecelagem, costura, tintura, confecção, até a chegada ao comerciante, e em cima disso ainda os 19% de imposto sobre o produto, isso jamais seria possível", declara Heimann, responsável dentro da Hess Natur pelo setor de Responsabilidade Empresarial.
A fabricante alemã produz desde 1976 roupas ecologicamente corretas e há mais de dez anos empenha-se pela maior sustentabilidade social na cadeia de fornecimento. A partir de 2005, como primeiro membro alemão, a empresa passou a fazer parte da Fair Wear Foundation, uma rede internacional de fabricantes têxteis e sindicatos. A organização é financiada pelas contribuições de seus membros e se entende sobretudo como consultora no processo de implementação de padrões sociais justos.
Imagem fair
"A indústria têxtil tem cadeias de fornecimento muito complicadas. Há um grande número de fornecedores e empresas terceirizadas, e se torna muito, muito difícil controlar todos esses caminhos da fabricação", diz Martin Curley, da Fair Wear Foundation, cuja sede fica em Amsterdã. Por isso, a rede não concede nenhum selo garantindo ao consumidor que a mercadoria foi totalmente produzida sob condições justas.
Curley acentua que "simplesmente não é possível certificar que todo estabelecimento fornecedor seja 100% justo". Segundo ele, é comum que as grifes da moda tenham centenas de fornecedores. Em muitos casos, as grandes do setor nem conhecem as empresas que trabalham para seus fornecedores.
Por isso a Fair Wear Foundation vê como sua principal tarefa o acompanhamento contínuo das empresas no processo de melhoria das condições de trabalho. "É mais honesto dizer que as empresas que formam a rede se empenham pela melhoria dos padrões. Publicamos todo ano um relatório social sobre elas, que os consumidores podem ver no nosso site. Um selo, não podemos garantir", completa Curley.
A rede é formada por 80 empresas, que vendem mais de 120 marcas em 80 países. A fundação controla ativamente as condições de trabalho em 15 países na Ásia, Europa e África. Nenhuma das empresas pertencentes à Fair Wear Foundation mandava confeccionar suas mercadorias nas fábricas incendiadas no Paquistão e em Bangladesh.
Autoria: Helle Jeppesen (sv)
Revisão: Augusto Valente