Sérgio Cabral deixa cadeia e vai para prisão domiciliar
20 de dezembro de 2022
Réu em 35 ações na Justiça, ex-governador do Rio de Janeiro era o último preso da Lava Jato ainda em regime fechado. STF julgou que prisão preventiva se estendeu por tempo demais, sem decisão em última instância.
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Após seis anos na cadeia, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral deixou a prisão na noite desta segunda-feira (19/12) para cumprir prisão domiciliar em um apartamento no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, em um imóvel da família.
Réu em 35 ações na Justiça, o ex-governador era o último preso da operação Lava Jato ainda em regime fechado. Ele deixou a Unidade Prisional da PM em Niterói usando uma tornozeleira eletrônica.
Ele foi preso em 2016 sob suspeita de comandar uma organização criminosa que fraudava licitações e cobrava propina de empreiteiras. O ex-governador estava em prisão preventiva em razão de um processo da Lava Jato em Curitiba.
Cabral já foi condenado em 23 ações penais na Justiça Federal, com penas que variam entre 425 anos e 20 dias de prisão, mas ainda é possível para a defesa entrar com recursos nesses processos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela soltura de Cabral por considerar excessivo o tempo de prisão preventiva em uma das ações das quais que ele é alvo.
A Segunda Turma do STF concluiu que a prisão preventiva, que deveria ser temporária, já se prolongava sem que houvesse uma decisão em última instância.
Após o STF informar o resultado do julgamento, a Justiça Federal do Paraná, responsável pela ordem de prisão preventiva, pôde expedir o alvará de soltura.
Os juízes derrubaram o mandado de prisão expedido pelo ex-juiz Sergio Moro em novembro de 2016, quando o ex-governador foi preso na Operação Calicute.
O caso se refere ao suposto pagamento de 2,7 milhões de reais em propina por executivos da empreiteira Andrade Gutierrez ao governador por contratos das obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), caso pelo qual Cabral foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão.
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Medidas cautelares
Entre as medidas cautelares que deverão ser cumpridas pelo ex-governador durante a prisão domiciliar estão a vigilância eletrônica em tempo integral através da tornozeleira e a proibição de se ausentar de sua residência, exceto mediante autorização do Juízo.
Ele apenas poderá receber visitas de seus advogados, profissionais de saúde e parentes até de 3º grau. Não poderá promover festas ou quaisquer outros eventos sociais em sua residência.
Se a prisão domiciliar for revogada, ele deverá se apresentar por conta própria às autoridades policiais federais locais.
"A soltura determinada agora não é uma declaração de impunidade nem de inocência. O que se decidiu foi que não tinha mais cabimento se manter uma prisão preventiva de seis anos", disse o advogado de Cabral, Daniel Bialski.
rc (ots)
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.