Na nova série de TV alemã, um vírus fatal toma conta de uma ilha do Mar do Norte. Mas por que a temática atrai tantos espectadores, justamente em meio a uma pandemia real?
Anúncio
A catástrofe chega sorrateira: um veleiro à deriva aporta numa ilha do Mar do Norte cujos moradores ainda estão ocupados com os problemas do dia a dia. Aparecem os primeiros sintomas de resfriado, de cuja causa ninguém suspeita. Casualmente, no noticiário já se fala sobre um vírus na Ásia, uma gripe de pombos fictícia. Um cenário que há alguns meses se tornou familiar.
A série Sløborn, encomendada pelo canal alemão ZDFneo, narra em oito episódios como um vírus se alastra – em âmbito mundial, e de repente também dentro da própria casa. Projetada pelo diretor Christian Alvart, ela foi escrita e filmada antes da eclosão do coronavírus e agora se beneficia de maneira macabra da verdadeira pandemia, com altos índices de audiência.
Nisso, a coprodução alemã, dinamarquesa e polonesa não está sozinha: diversos filmes-catástrofe abordam a disseminação de vírus mortais, integrando um gênero que subitamente voltou a ser popular, desde o início da pandemia, com títulos como Epidemia (1995) e Contágio (2011) subindo nas buscas de serviços de streaming em março.
O drama de Steven Soderbergh Contágio, estrelado por Matt Damon, Kate Winslet e Gwyneth Paltrow, se situou entre os dez principais títulos no iTunes, ficou entre os mais comentados no Amazon Prime e foi o longa mais assistido dos estúdios da Warner Bros, atrás somente da saga de Harry Potter.
Entretenimento em vez de doutrinação
Entre os espectadores recentemente atraídos pela pandemia, está o cineasta americano e ganhador do Oscar Barry Jenkins: "Paguei 12,99 dólares para assistir a um filme de dez anos. Nunca fiz isso antes", contou ao jornal New York Times. Mas por que esse assunto interessa tanto, justamente quando o mundo se encontra numa situação análoga?
"Fiquei impressionado com a clarividência do filme", disse Eckhard Pabst, teórico do cinema da Universidade Christian Albrecht, em Kiel, em conversa com a DW sobre Contágio. "Muitos detalhes me lembraram a realidade que eu estava vivendo." Para ele, os paralelos entre filme e realidade revelam um certo padrão: "Os espectadores veem: o processo não é caótico, as medidas seguem um plano."
Isso poderia ajudar a enfrentar mentalmente a situação real, e "apesar de todo o horror, dessa temática também pode emanar alguma calma". Traçar tais paralelos também era o objetivo de Barry Jenkins, que queria ver quão realista é o roteiro do filme, quando referência é a própria realidade.
Em inúmeros filmes-catástrofe, a má conduta humana contribui para a disseminação da doença. Na opinião de Pabst, porém, isso não resulta em nenhum efeito educacional: "Os filmes podem fortalecer um discurso, por exemplo, sobre o uso de máscaras. O comportamento do público, porém, não muda de forma duradoura por causa disso." Mesmo em temáticas realistas, a maioria dos espectadores está interessada em entretenimento.
Após a transmissão dos quatro primeiros episódios, a reação do público a Sløborn é comedida - provavelmente também porque se sabe, através do noticiário, que nenhum virologista está autorizado a emitir instruções a um prefeito, como acontece na série. O alemão Christian Alvart, que também dirigiu a série da Netflix Dogs of Berlin, permite em Sløborn que as Forças Armadas da Alemanha intervenham – de maneira rápida e em parte violenta. Aqui também se vê uma discrepância em relação à realidade da pandemia do coronavírus. Felizmente.
As oito partes da série Sløborn estão disponíveis na biblioteca virtual da emissora ZDF.
O mercado alemão de séries floresce, e não só com produções de emissoras locais. Gigantes como Sky, Amazon e Netflix apostam na estratégia de oferecer obras alemãs a um público internacional.
Foto: Netflix
"Dark", a primeira série alemã da Netflix
Em dezembro de 2017 estreou a primeira série alemã da Netflix para o mercado mundial. A temporada, de dez episódios, trata dos destinos de quatro famílias no interior da Alemanha: o sumiço de duas crianças desencadeia investigações que remontam até a década de 1950. A segunda temporada estreou em junho de 2019, e a terceira foi confirmada para 2020. Foi dublada e legendada em português brasileiro.
Foto: Netflix
Êxito artístico com "Im Angesicht des Verbrechens"
Muitos consideram "Im Angesicht des Verbrechens" (Diante do crime) a melhor série alemã da década: o épico de dois policiais investigando os círculos da máfia russa em Berlim. Contudo as vertiginosas sequências de cenas, enquadramentos sombrios e experimentos formais do diretor Dominik Graf foram ousados demais para parte do público, e a produção teve baixa audiência em 2010.
Foto: ARD/Julia von Vietinghoff
"Parfum", uma série criminal brutal e surpreendente
Em 2018, o canal alemão ZDFneo exibiu a série criminal Parfum (O Perfume), de seis episódios. Na trama, a brutal morte de uma antiga amiga leva um grupo a se reunir. Características específicas no cadáver fazem os amigos pensarem que somente um deles poderia ter cometido o crime. Fora da Alemanha, a produção foi disponibilizada pela Netflix, incluindo no Brasil, legendada e dublada em português.
Foto: Filmfest München 2018
How to Sell Drugs Online (Fast), tom de comédia para assunto sério
Em “How to Sell Drugs Online (Fast)”, que estreou em junho na Netflix, um estudante de uma pequena cidade da Alemanha, filho de um policial, decide vender drogas pela internet para se reaproximar da ex-namorada e arrasta o melhor amigo para o negócio. A série, em tom de comédia, foi dublada e legendada em português brasileiro e o título traduzido para "Como Vender Drogas Online (Rápido)".
Foto: picture-alliance/dpa/Netflix
"Weissensee": Berlim Oriental dos anos 80
Lançada em 2010, "Weissensee" é uma vitória da televisão alemã ao abordar temas da história recente. Tratando de duas famílias de Berlim Oriental na década de 1980, a produção da TV ARD teve boa audiência, já está caminhando para a quarta temporada e foi vendida para a Itália e a Rússia, entre outros mercados.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
"Deutschland 83" e mais
"Deutschland 83" foi exibida em 2015 na Alemanha pelo canal privado RTL. Apesar de premiada no exterior, ela teve baixa audiência na TV comercial e, a sequência, “Deutschland 86”, foi disponibilizada apenas na Amazon Prime, em 2018. No Brasil, a série foi transmitida pelo +Globosat, com o título “Deutschland - Espião Novato” e segue disponível no Globoplay. Os autores já prometem “Deutschland 89”.
Foto: picture alliance/dpa/R. Hirschberger
"Cães de Berlim" e o submundo da capital alemã
Produzida pela Netflix, "Dogs of Berlin" (Cães de Berlim) estreou em dezembro de 2018. A trama mergulha na face sombria da capital alemã e tem como protagonistas dois policiais não convencionais: Kurt Grimmer, um ex-neonazista, e Erol Birkan, homossexual e de ascendência turca. A dupla investiga o assassinato do jogador de futebol turco-alemão Orkan Erdem. É dublada e legendada em português.
Foto: Netflix
"You are wanted" na Amazon
Antecipando-se por alguns meses à rival Netflix, a gigante americana do streaming Amazon Prime lançou em março de 2017 sua primeira série alemça, "You are wanted" (Você é procurado), protagonizada por Matthias Schweighöfer. Focando vigilância digital e teorias da conspiração, a série não encontrou aprovação unânime do público e crítica. Ainda assim, sua segunda temporada já está em preparação.
Foto: picture alliance / Stephan Rabold/Amazon/dpa
Clãs de Berlim em "4 Blocks"
A produção do diretor Marvin Kren pode ser considerada um sucesso entre as séries alemãs e entrará em sua segunda temporada. Tratando dos conflitos entre os clãs familiares rivais do bairro berlinense de Neukölln, ela foi lançada em maio de 2017, em seis episódios, pelo canal de TV a cabo TNT Serie. "4 Blocks" recebeu críticas entusiásticas, chegando a ser comparada à americana "Os Sopranos".
Foto: picture-alliance/dpa/Handout/2017 Turner Broadcasting System Europe Limited & Wiedemann & Berg Television GmbH & Co.
Opulência dos anos 20 em "Babylon Berlin"
Série mais cara da TV alemã, "Babylon Berlin", de 2017, exibida pela Sky, é a prova de que os roteiristas e cineastas alemães são especialmente bons ao abordar temas históricos. Com grande minúcia e em imagens opulentas, três cineastas, entre os quais Tom Tykwer, evocaram a Berlim dos anos 1920. A série já foi vendida para diversos países.
Foto: 2017 X Filme/Frédéric Batier
"Das Verschwinden": drama psicológico
As emissoras de direito público da Alemanha também têm se lançado com sucesso no universo das séries. Em outubro de 2017, a ARD apresentou "Das Verschwinden" (O desaparecimento), uma sinistra história passada na Alemanha, dirigida por Hans-Christian Schmid. Como em "Dark", o tema aqui é o sumiço de uma jovem, e o drama psicológico resultante.
Na trilha das rivais Amazon e Sky, a Netflix conseguiu ampliar com "Dark" a sua parcela no mercado alemão: ao lado de seu enorme sucesso global, a plataforma de streaming persegue a estratégia de aproximar-se ainda mais das plateias nacionais encomendando especialmente séries para os mercados específicos.
Foto: Netflix
Mundos obscuros
O suíço Baran bo Odar dirigiu a série "Dark", escrita a quatro mãos com sua esposa, Jantje Friese. Em 2010, ele levara às telas uma história semelhante: também "Das letzte Schweigen" (O silêncio) é um drama familiar em torno de um desaparecimento, que conecta duas diferentes gerações. "Dark", porém, é bem mais sombrio, numa encenação quase sufocante.