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"Só Merkel pode ajudar Putin", diz Wladimir Kaminer

Klaudia Prevezanos (rc)14 de março de 2014

Autor e agitador cultural russo radicado desde 1990 na Alemanha se manifesta contra intervenção de Moscou na Ucrânia e o comportamento belicoso de Putin. Suas opiniões geram polêmica nas redes sociais.

Foto: imago/STAR-MEDIA

Wladimir Kaminer é um dos mais conhecidos autores contemporâneos da Alemanha. Nascido em Moscou em 1967, ele obteve asilo humanitário e se naturalizou na comunista República Democrática Alemã em 1990, meses antes da Reunificação.

Escrevendo exclusivamente no idioma do país, ele incorpora o fenômeno da internacionalização da cultura alemã. Kaminer iniciou a carreira lendo seus contos no evento Reformbühne Heim & Welt(literalmente: Palco Reformador Pátria e Mundo)do Kaffee Burger, tradicional clube de Berlim transformado em centro da cena literária a partir do fim da década de 90.

Lá, ele e Yuriy Gurzhy lançaram a festa Russendisko, que mais tarde daria o nome ao primeiro livro de contos de Kaminer. Publicado em 2000, Balada Russa já vendeu cerca de 1 milhão de cópias e foi transformado em filme.

A partir de março de 2014, o autor começou a comentar no Facebook sobre o procedimento do governo russo na Ucrânia. "Estou envergonhado do meu país", declarou na rede social. Recentemente, dedicou um sábado do Russendisko exclusivamente à música ucraniana.

DW:O senhor postou no Facebook, entre outras coisas, que está envergonhado de sua terra natal, a Rússia, a qual, ao seguir o presidenteVladimir Putin no conflito da Ucrânia, coloca o mundo à beira de uma guerra. O que motivou o seu comentário?

Wladimir Kaminer:Boa pergunta. Na verdade, eu falo muito raramente sobre política. Mas quando tanques russos atravessam as fronteiras do país, qualquer que se sinta responsável pelo que acontece a seu redor tem que de dizer o que pensa. E eu continuo me sentindo responsável pelo que acontece na Rússia.

Como autor, o senhor é conhecido por sua sagacidade e humor. Quando é que o conflito entre Putin e o governo de Kiev deixou de ter graça?

É bem difícil rir a respeito. Sobretudo as opiniões que recebo desde a publicação do meu comentário indicam como é confusa e incompleta a visão da opinião pública sobre o que está acontecendo na Rússia. Para mim, não se trata tanto da situação na Ucrânia. Acredito que os próprios ucranianos vão acabar dando conta nela – têm que dar. A questão para mim é que o Estado russo mantém uma política agressiva e incita à guerra, e procura tirar vantagem de maneira desonesta. A minha questão é salvar a Rússia.

O senhor é bastante rigoroso com os seus compatriotas e amigos russos, diz que eles veem a tirania e corrupção na Rússia, mas não dizem nada; que abrem mão da liberdade, contanto que consigam crédito barato e moradia. Ainda há como se dar um jeito nesses russos e o Putin deles?

Sim, claro. Acredito que justamente com a escalada na Ucrânia, o regime russo abriu mão da última aparência de legitimidade. A partir dos anos 90 – na verdade, antes até – os russos passaram a se lixar para seu próprio Estado. Também entre os intelectuais russos, essa é uma opinião difundida: "Se a gente não consegue influenciar a orientação do Estado, vamos então viver independentes dele e continuar cuidando dos nossos assuntos particulares." Vive-se como se não existisse esse tal de presidente Putin. Mas isso não funciona: o mais tardar, quando tanques russos ficam dando suas voltas fora da Federação Russa.

Que efeito isso tem?

É impressionante como um homem tão pequeno conseguiu dividir milhões de pessoas. No momento, se travam verdadeiras batalhas nos portais de internet. Amigos juram inimizade eterna uns aos outros. Em cada casa, em cada família, são erguidas barricadas. A minha tia, por exemplo, está bem contente com a conquista da Crimeia pela Rússia.

Minha mãe me telefonou esta manhã pedindo para eu não dizer mais nada sobre assuntos políticos. Provavelmente porque ela teme que os tanques cheguem até a nossa casa. Os meus compatriotas me escrevem: "Que absurdo, essa história de que a liberdade de expressão é restrita na Rússia." Ao mesmo tempo dizem que, na minha próxima visita ao país, eu vou com certeza ser preso e enviado para lá dos Montes Urais. Eles não veem que uma coisa contradiz a outra.

"Balada Russa" foi transformada em filme em 2012Foto: Stephan Rabold

Em 8 de março, na já internacionalmente conhecida Russendisko, no Kaffee Burger de Berlim, só se tocou música ucraniana. Qual foi a intenção?

Serve para ilustrar o que escrevi no Facebook: que russos e ucranianos são povos irmãos, próximos entre si, e que um não vai deixar o outro na mão. Eles certamente vão ajudar uns aos outros, mas não com tanques. Meu amigo e colega Yuriy Gurzhy, com quem realizo a Russendisko, é um russo casado com uma ucraniana. Na festa, nós nos empenhamos pelos valores que sempre temos proclamado: pela solidariedade, pela cooperação internacional, pela convivência e por um mundo sem armas.

O senhor acha que outros protagonistas culturais na Alemanha também deveriam se manifestar mais sobre o conflito entre a Rússia e a Ucrânia?

Muitíssimos já estão fazendo isso. Até onde estou informado, há apelos ao governo russo de muita gente que trabalha com cultura.

O Novo Teatro Riga, da Letônia, cancelou suas apresentações na Rússia por causa do conflito na Ucrânia. As companhias de teatro e dança da Alemanha deveriam fazer o mesmo e ir para a Ucrânia, em vez da Rússia? Ou seria exigir demais?

Acho que um bloqueio cultural assim seria uma decisão equivocada, que iria atingir justamente quem não merece. Não acho que os que estão levando a Rússia para o abismo vão ao teatro. Pelo contrário: deve-se tentar falar com as pessoas em todos os níveis e forçá-las a olhar no espelho. Para que elas vejam como são percebidas pela comunidade mundial.

Mesmo não sendo especialista em Rússia-Ucrânia: como acha que esse conflito prosseguirá?

Eu acho que Putin leu os meus comentários e está agora pensando na forma mais rápida de levar os seus tanques de volta à caserna. Só que ele está numa posição complicada: não pode avançar, por que isso o mundo não compreende, nem quer aceitar. Mas ele também não pode retroceder, pois alardeou essa incitação à guerra no próprio país, em 24 canais de televisão. Seus seguidores vão dizer: "Você não é homem de verdade. Não se faz guerra pela metade."

Acho que só a Angela Merkel pode ajudá-lo a sair dessa situação sem se desmoralizar completamente. Não sei como ela vai fazer isso, mas ela é uma tomadora de decisões sensata, que pode dar bons conselhos a ele.

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