"Só quero uma coisa da vida: ser escritor"
18 de abril de 2014"Então, o que eu digo para o seu pai", perguntou a mãe, Luisa, ao jovem decidido a largar o curso de Direito. "Diga a ele que eu só quero uma coisa da vida: quero ser escritor. E eu vou ser", respondeu o rapaz, poucos meses antes de completar 23 anos de idade.
Era fevereiro de 1950 quando Gabriel García Márquez decidiu, contra a vontade dos pais, abandonar a futura carreira na advocacia e seguir sua verdadeira paixão – o universo das histórias. Este capítulo importante de sua vida ele mesmo conta na autobiografia lançada em 2002 e intitulada Viver para Contar.
Infância no Caribe
O escritor colombiano nasceu no dia 6 de março de 1927 no pequeno vilarejo de Aracataca, na Colômbia, em meio a plantações de banana que, se no verão sofriam com duras secas, no inverno eram encharcadas pelas fortes chuvas tropicais. A mãe havia se casado no ano anterior com o pai, um telegrafista galanteador que a conquistara com serenatas debaixo de sua janela.
A história dos pais o escritor conta no romance O amor nos tempos do cólera que, assim como muitas de suas obras, é um livro inspirado em fatos reais. Também o famoso Crônica de uma morte anunciada traz como tema algo vivido pelo autor.
García Márquez era o mais velho de 11 irmãos e foi criado pelos avós. O incentivo à leitura veio do avô, que presenteava o menino com livros. Ele devorava autores colombianos e espanhóis. Depois, passou para obras de Hemingway, Faulkner, Kafka.
A avó, confeiteira, contava ao garoto diversas histórias fantásticas e o levava aos quartos onde, segundo ela, estariam morando os parentes mortos. Tudo isso alimentou a fantasia de García Márquez, além de proporcionar-lhe décadas de terríveis pesadelos.
O menino cresceu cercado por mulheres: a avó, as tias, a empregada de origem indígena. "Daí", escreveu García Márquez em suas memórias, "provavelmente veio minha convicção de que são as mulheres que sustentam o mundo, enquanto nós, homens, o desordenamos com nossa brutalidade histórica".
Época de transformações
Em desordem estava, principalmente, seu país. Independente da Espanha desde o início do século 19, a Colômbia foi a primeira democracia da América Latina, em 1886. Mas o país frequentemente enfrentava sangrentas guerras civis. O ano em que García Márquez nasceu, 1927, marcou o fim de um boom econômico, no qual municípios e investidores estrangeiros registraram grandes lucros.
A população, porém, continuava pobre, ainda que trabalhasse duro. A situação social era uma bomba-relógio. Em 1928, houve um massacre: produtores de banana, que protestavam contra a empresa americana United Fuit Company pelo pagamento de salários atrasados, foram mortos por tropas do governo. O lamentável episódio é contado pelo escritor colombiano no best-seller Cem anos de solidão, lançado em 1967.
Gabo, como era chamado pelos amigos, também vivenciou de perto nos tempos em que era estudante em Bogotá outro acontecimento que marcou os colombianos em 1948: o assassinato do político da esquerda liberal Jorge Eliécer Gaitán, candidato a presidente. Até hoje Gaitán influencia as ações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e a violência dos cartéis da droga.
Apoio aos movimentos
Depois de abandonar o curso de Direito, García Márquez entrou de cabeça no jornalismo. Em 1958, ele se casou com seu amor da juventude, Mercedes Barcha, com quem teve dois filhos.
Mas da fome, da pobreza e da violência ele nunca se esqueceu. Durante toda a vida, o escritor defendeu os mais fracos. Ele também apoiou os movimentos latino-americanos de independência da década de 1960. Sua criticada amizade com o líder cubano Fidel Castro vem desta época.
Entre os anos 1990 e 2000, García Márquez lutou contra a criminalidade e o tráfico de drogas, e chegou a mediar negociações entre o governo da Colômbia e a guerrilha.
Fábulas mágicas para adultos
A estreia como escritor aconteceu em 1967 com o célebre Cem anos de solidão. O livro conta o destino de uma família na fictícia vila de Macondo. Realidade e fantasia se misturam em um romance cheio de personagens peculiares e acontecimentos que se referem às histórias da Colômbia e da família do autor. Para muitos, a obra é o épico nacional da América Latina, cuja história é refletida de maneira literária.
Para o escritor, Cem anos de solidão foi uma espécie de terapia. "García Márquez contava que os sonhos que tinha com a casa dos avós eram sempre pesadelos, até escrever Cem anos de Solidão. Depois que ele transformou vida e memória em ficção, os pesadelos foram embora", conta o crítico literário colombiano Carlos Rincón, ao comentar uma entrevista dada pelo autor anos atrás.
Em 1982, Gabriel García Márquez recebeu o aclamado prêmio Nobel de Literatura. "Por seus romances e histórias curtas, nos quais o fantástico e o realístico surgem em um mundo de imaginação cheio de cores, refletindo a vida e os conflitos de um continente", afirmou o comitê.
Juntamente com a autora chilena Isabel Allende, Márquez foi considerado o representante mais importante desse "realismo mágico" da América Latina.
Um dos últimos livros do autor colombiano, Memórias de minhas putas tristes, foi publicado em 2004. Doente, ele faleceu nesta quinta-feira (17/04) em sua casa na Cidade do México, aos 87 anos.