Saída de Dilma deve trazer alívio momentâneo à crise
Jean-Philip Struck12 de maio de 2016
Como presidente interino, Temer deve sofrer com os mesmos problemas estruturais que afetaram a antecessora e ter pouco espaço para reformar o sistema. Primeiro desafio será reverter desconfiança popular, dizem analistas.
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Mais de cinco meses após o início do processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff foi afastada temporariamente do cargo nesta quinta-feira (12/05), abrindo espaço para que seu vice, Michel Temer, assuma a presidência interinamente.
Especialistas ouvidos pela DW Brasil afirmam que a chegada do novo presidente deve representar alguma forma de alívio para o mal-estar que se instalou no Brasil. Nos últimos meses, o país viu a crise política e econômica se agravar enquanto o futuro de Dilma permanecia indefinido.
Agora, Temer vai seguir como presidente interino até que Dilma seja julgada pelo Senado. O prazo máximo previsto para que isso ocorra é de 180 dias. Alguns senadores afirmam que esse prazo pode ser encurtado em até três meses.
Se o resultado da votação desta quinta-feira – com 55 senadores a favor da abertura do processo de impeachment da presidente – se repetir no julgamento em Plenário, Dilma será destituída.
Imagens do anúncio da decisão do Senado
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No entanto, a profecia propagandeada pelo círculo do vice de que ele vai representar uma solução não é certa. "A chegada de Temer não me parece o fim. Ela deve apenas gerar um alívio transitório, com tempo limitado. O país ainda vai continuar passando por uma profunda crise econômica, que não vai ser resolvida tão rapidamente", afirma a pesquisadora Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo.
O cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, concorda. "Há uma torcida para que Temer aplique remédios e encontre soluções. Mas não se trata apenas de avaliar a competência. Muitos dos problemas que castigaram Dilma devem continuar sob Temer", afirma.
"Ele também vai sofrer acusações de corrupção entre membros do governo. A ação para anular as eleições de 2014 no Tribunal Superior Eleitoral continua, assim como as projeções ruins na economia. Esse episódio do impeachment também mostra que Temer não é insubstituível", prossegue o especialista.
"País precisa de reformas profundas"
Llanos e Rauschenbach apontam que os problemas estruturais do sistema político brasileiro também não vão simplesmente desaparecer com a saída de Dilma. "As características que favorecem esse tipo de crise devem persistir", diz Llanos. "O país precisa de reformas profundas."
Eles lembram que, desde o início de 2015, o Brasil convive com um dos Congressos mais fragmentados da história. Hoje, 25 diferentes partidos têm deputados na Câmara – em contraste com 12 em 1986. "Desse jeito é extremamente difícil formar coalizões eficientes", afirma Rauschenbach.
Antes mesmo do anúncio oficial, o novo ministério de Temer já parece repetir o mesmo modelo de loteamento fisiológico que marcou os anos Dilma, em vez de ser formada por uma equipe majoritária de notáveis, como inicialmente foi especulado.
Temer disse que pretende reduzir o número de ministérios de 32 para 22, mas ao mesmo tempo tenta atrair diversas siglas para ampliar a base do seu governo. O Ministério da Saúde, por exemplo, deve ficar com o PP. Vários nomes que faziam parte do governo Dilma, como Gilberto Kassab, também foram cogitados.
O passo a passo do impeachment
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"O atual sistema pede esse tipo de divisão para formar uma base, mas a continuidade pode frustrar setores que esperavam alguma mudança real", disse Llanos. "Temer pode conquistar maioria, mas é difícil que tenha força para fazer reformas enquanto tenta se legitimar e acalmar seus parceiros."
Desconfiança popular
A desconfiança da população, porém, já persiste antes mesmo do início do governo interino. Uma pesquisa do Datafolha divulgada em abril mostrou que 61% da população queriam a saída de Dilma, mas os números do vice eram semelhantes: 58% dos entrevistados também defenderam seu impeachment. Já uma pesquisa do Vox Populi mostrou que apenas 11% achavam que a melhor solução era Temer assumir o governo.
O analista político Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Wilson Center, em Washington, afirma que reverter esse quadro deve ser o primeiro desafio de Temer. Ele também concorda que o vice deve representar um alívio imediato, mas é mais otimista sobre as perspectivas do novo governo.
"O governo Dilma teve um desempenho desastroso. Ela perdeu a legitimidade. Apesar de tudo, Temer começa com a chance de conquistar essa legitimidade. Dilma já não tinha mais possibilidade de recuperá-la", afirma.
Sotero destaca, no entanto, que Temer deve ser claro sobre o que pretende. "Ele tem que anunciar isso para a população e dizer a que veio, mostrar o seu ministério à população e aos mercados e mostrar que tem capacidade de estabilizar a situação", afirma.
Ainda assim, o analista afirma que o caminho rumo à estabilidade deve ser difícil. "Temer é uma pessoa mais hábil politicamente, mas os desafios são enormes. Muitos esqueletos da real situação econômica ainda devem aparecer", prevê.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.