Saída do PMDB abre portas para partidos ligados a escândalos
Jean-Philip Struck31 de março de 2016
Governo quer ampliar espaços do PP, sigla com maior número de investigados no escândalo da Petrobras, e do PR, alvo da "faxina" anticorrupção de Dilma em 2011. Objetivo é conseguir os 172 votos para frear o impeachment.
Anúncio
A decisão do diretório nacional do PMDB de se retirar da base aliada levou o governo a abrir uma temporada de ofertas de cargos na administração federal para ampliar o espaço de outros partidos. Entre eles estão alguns dos mais enrolados nos escândalos de corrupção que estouraram nos últimos anos, como o PP e PR.
Com a oferta, o governo da presidente Dilma Rousseff tenta convencer os partidos a se posicionarem contra o impeachment e assim conseguir os 172 votos necessários para barrar a queda da presidente na Câmara.
Em troca dos votos, membros desses partidos podem vir a ocupar espaços hoje do PMDB, o que inclui ministérios com orçamentos vultosos, como a Saúde e Minas e Energia, e postos em bancos públicos e empresas estatais. Ao todo, o PMDB tem sob seu controle quase 600 desses cargos.
O ministro-chefe do gabinete pessoal de Dilma, Jaques Wagner, classificou as negociações como uma "ótima oportunidade de repactuar o governo". Um assessor da Presidência, de maneira mais cínica, disse à emissora Globo News que "o desembarque do PMDB abriu a Disneylândia para o baixo clero".
PP é alvo principal
O principal partido cortejado pelo governo é o PP, o sucessor da antiga Arena (o partido de sustentação do regime militar que vigorou até 1985), que já ocupa o Ministério da Integração Nacional e agora pode ter seu espaço ampliado.
Recentemente, o PP se tornou o partido com o maior número de investigados por envolvimento no escândalo da Petrobras. Dos 51 políticos suspeitos de corrupção no caso que tiveram seus nomes divulgados, 32 são do PP. O partido também abriga figuras controversas, como o deputado Paulo Maluf (SP), que já foi condenado diversas vezes por fraude e lavagem de dinheiro.
Segundo a imprensa brasileira, o governo está negociando entregar o Ministério da Saúde, que tem orçamento de 109 bilhões de reais, em troca de uma garantia de que uma boa parte dos 49 votos do PP na Câmara sejam incluídos no cálculo contra o impeachment.
Entre os nomes especulados para ocupar a pasta está o do deputado paranaense Ricardo Barros – que responde a um processo por direcionamento de licitações à época em que era prefeito de Maringá – e do o deputado Cacá Leão, cujo pai, o vice-governador da Bahia, João Leão, aparece na lista de suspeitos de participação na fraude da Petrobras.
Na última quarta-feira, sete dos 32 políticos do PP foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República por corrupção no caso Petrobras. Entre eles estão cinco deputados que podem participar da votação do processo de impeachment. Atualmente, um ex-presidente da sigla, Pedro Correa, está preso tanto por envolvimento no chamado petrolão como por uma condenação no caso do mensalão.
PR: de varrido a necessário
Já o PR, partido que sucedeu o antigo PL – uma das siglas envolvidas no caso do mensalão – conta com 40 votos na Câmara. O atual presidente da sigla é o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, que em 2011 foi demitido por Dilma por suspeita de corrupção na efêmera "faxina" que marcou o início do seu primeiro mandato. Aos poucos a sigla voltou a ocupar cargos mais altos no governo e reconquistou o antigo ministério.
Outros nomes do partido incluem o ex-governador Anthony Garotinho, que já foi condenado por formação de quadrilha e corrupção, e o ex-deputado Inocêncio Oliveira, condenado por trabalhadores em regime de escravidão. Especula-se que o PR possa também ocupar o Ministério de Minas e Energia e a pasta do Turismo em troca de apoio.
Além do PP e do PR, o governo quer fortalecer a relação com o PSD, do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que conta com 31 votos na Câmara e já comanda o Ministério das Cidades. Também estão sendo travadas negociações com siglas nanicas, com o PTN, PHS, PSL, PEN e PTdoB.
O PTN, por exemplo, já está perto de coletar a chefia da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em troca do apoio dos seus 13 deputados.
Efeitos
A ofensiva do governo já mostrou alguns resultados. Logo após o anúncio da saída do PMDB, temia-se uma debandada de outros partidos da base aliada, o que não aconteceu.
Ainda assim, a estratégia do governo ainda esbarra nos rebeldes dentro desses partidos, que já anunciaram que não desejam mais continuar no governo. Os próprios líderes do PP, por exemplo, admitem que a bancada está dividida. Uma situação similar também ocorre no PR.
Ou seja, o governo pode ofertar quantos cargos quiser, mas não é certo que os dirigentes dessas siglas vão entregar todos os votos necessários. No PSD, a maioria dos 31 deputados já se manifestou em outras ocasiões a favor da destituição de Dilma.
Mesmo a oferta de cargos ainda esbarra numa situação paradoxal envolvendo uma parte do PMDB. Oficialmente, o partido saiu do governo, mas vários dos seus membros resistem a entregar os cargos. Alguns deles, que têm influência nos votos de deputados do partido, já anunciaram publicamente que querem ficar ao lado do governo.
Dois dias depois do anúncio, seis dos sete filiados do partido que ocupavam ministérios ainda seguem no comando das pastas. Entre eles está Marcelo Castro, da Saúde (pasta que está sendo negociada com o PP). O deputado Leonardo Picciani, que indicou Castro, afirma que a manutenção do ministro garantiria 25 votos a favor do governo dentro do PMDB. Dessa forma, Dilma corre o risco de perder votos de dissidentes do PMDB ligados aos seus ministros na tentativa de conseguir votos de outro partido.
No momento, Dilma só pode ter certeza de contar com 76 dos 172 votos necessários para barrar o impeachment. Nessa conta estão os votos dos 58 deputados do seu próprio partido, o PT, e de membros do PCdoB e do PSOL, partidos que já se posicionaram contra o impeachment e tem um histórico mais regular de votação em bloco.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.