Sai em alemão radiografia do futebol brasileiro
9 de janeiro de 2005"Grandes nações sofrem grandes traumas. Os alemães ainda não esqueceram o gol que tomaram em Wembley em 1966; o dia negro do Brasil remonta ao ano de 1950. Naquele 16 de julho, Alcides Ghiggia, um veterano de bigodes do Uruguai, arrancou o título das mãos do país anfitrião".
É com a narração dessa "tragédia" da final de 1950 que a revista Der Spiegel começa, em sua atual edição, a resenha do livro Futebol – O Brasil em campo, de Alex Bellos, que acaba de ser publicado em alemão. "Só três pessoas conseguiram calar o estádio do Maracanã com um só movimento: Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e eu", diria mais tarde Ghiggia.
"Justamente um inglês chamado Alex Bellos reconstruiu, em seus quatro anos de correspondente dos jornais Guardian e Observer na América do Sul, a história do futebol brasileiro, recheando sua fascinação com inúmeras anedotas. Bellos investigou com a ênfase do verdadeiro torcedor crítico e percorreu longos caminhos – mais de 40 mil quilômetros – para escrever seu livro ", continua a Spiegel.
O correspondente inglês visitou, por exemplo, o estádio Zerão, em Macapá, onde se tem a oportunidade única de assistir a um jogo disputado nos dois hemisférios – a linha do meio-campo coincide com a Linha do Equador.
Viagem ao país do futebol
Nem todas as curiosidades e anedotas narradas por Bellos são originais. Muitas delas lembram a série de reportagens O País do Futebol, de Mário Magalhães, publicada pela Folha de São Paulo em 1997, mais tarde transformada no livro Viagem ao País do Futebol.
Não se trata, porém, de plágio. Afinal, o próprio Bellos revela no apêndice de seu livro que "a criteriosa coletânea de crônicas de futebol de Mário Magalhães" foi uma de suas fontes de inspiração. Os dois autores mostram essencialmente que o futebol está presente – mesmo nas situações mais improváveis – na cultura e na sociedade brasileira, não se restringindo aos campos da Primeira Divisão nacional.
A diferença principal entre os dois livros está no estilo: os textos de Magalhães são mais enxutos e jornalísticos; os de Bellos têm um toque literário, ressaltam aspectos exóticos e oferecem informações de contexto para o leitor estrangeiro.
O tradutor Norbert Hoffmann orientou-se na versão inglesa de Futebol – O Brasil em campo, a começar pelo título Futebol – The Brazilian way of life que, em alemão, soa até mais entusiático: Fussball: Die brasilianische Kunst des Lebens (Futebol: A arte brasiliera de viver). A crítica alemã não poupa elogios à obra.
Livro fulminante
Sem restrição alguma, o crítico literário Thomas Klemm, do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, afirma que "o livro mostra o futebol brasileiro em todos os seus aspectos imagináveis. Não só o lado positivo já conhecido, do futebol de rua à cultura do jogo, a magia técnica e a inesgotável reserva de gênios. Revela também o lado sombrio, como 'o pesadelo dos talentos' desperdiçados que vão parar, por exemplo, nas Ilhas Faro. Bellos vê no futebol uma forma de expressão da religiosidade brasileira, o que inclui desde a instrução do médico do clube em magia negra e oferendas para chegar à vitória. É um livro fulminante, cujo enorme trabalho de investigação valeu a pena", afirma Klemm.
"Quem quiser saber o que é futebol, vitória e derrota para um brasileiro, tem que ler o novo llivro de Alex Bellos", escreve o jornal Frankfurter Rundschau. "Em suas viagens pelo Brasil, o autor e jornalista Bellos entrevistou desde cartolas, juízes, historiadores até índios e travestis. O resultado é um livro sob o ponto de vista sul-americano, mas também um livro sobre a vida no Brasil e a arte de sobreviver. Em suma, uma obra maravilhosa, com histórias sobre um esporte prodigioso e um país fascinante", sentencia o jornal.
"O futebol constitui para Bellos o microcosmos do maior país latino-americano. O mundo do futebol brasileiro mostra abertamente todas as contradições sociais, mas é, ao mesmo tempo, o símbolo da hamoniosa relação entre raças e da identidade nacional", conclui o site "Tiro livre indireto" (indirekter-freistoss.de).
Futebol. A arte brasileira de viver é discutido também nos fóruns de revistas esportivas. Na kicker, por exemplo, o usuário GaviaoDF chegou a publicar o capítulo inteiro sobre Garrincha, "o anjo de pernas tortas".
Não só por ter sido lançado às vésperas da Copa de 2006, o livro de Bellos pode conquistar muitos leitores na Alemanha. Como revela o autor, o Brasil tem bem mais jogadores de futebol (cerca de 5 mil) do que diplomatas atuando no exterior. Portanto, é uma leitura no mínimo interessante para as torcidas e os treinadores dos clubes alemães, que já contam com a ginga de dezenas de craques brasileiros.