Salles sugere que países ricos paguem para proteger Amazônia
7 de outubro de 2019
Ministro do Meio Ambiente defende pagamento para que proprietários mantenham áreas que poderiam ser derrubadas legalmente. Pesquisador aponta que proposta ignora que a maior parte do desmatamento na região é ilegal.
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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que países ricos paguem para que áreas do bioma da Amazônia que poderiam ser legalmente desmatadas continuem intactas. Ao jornal Financial Times, Salles afirmou que um valor de 120 dólares por ano por hectare seria suficiente para remunerar fazendeiros e moradores locais que não explorassem suas terras.
Proprietários de terras na Amazônia têm direito de explorar até 20% de suas áreas, segundo o Código Florestal. O mecanismo sugerido por Salles seria aplicado a essas áreas privadas passíveis de serem exploradas dentro da lei, e não a unidades de conservação ou terras indígenas, nas quais 100% do território deve ser mantido intacto.
"O custo de oportunidade [de preservar a floresta] deve ser pago por alguém, e quando nós dizemos alguém, isso significa aqueles que têm os fundos ou as fontes financeiras necessárias para isso”, afirmou o ministro.
Segundo estimativa feita pelo Financial Times, se a proposta de Salles fosse aplicada a toda a área da Amazônia que pode ser explorada legalmente, o montante a ser transferido seria de 12 bilhões de dólares por ano.
Ao jornal inglês, Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, disse que Salles falhava em reconhecer que 90% do desmatamento na Amazônia é ilegal, e que o esquema proposto por ele só seria eficaz se combinado com um combate mais efetivo a essa prática.
No início de outubro, Salles foi a Berlim e a Londres para conversar com representantes de governos, empresas e jornalistas em um esforço para melhorar a imagem do país após a alta no desmatamento e de queimadas na Amazônia . A França e a Irlanda anunciaram que poderiam bloquear o acordo de livre comércio entre a União Europeia e Mercosul, e empresas e fundos de financiamento ameaçaram com boicotes e redução de investimentos no Brasil.
Na Alemanha, Salles tentou reaver uma verba de 155 milhões de reais para projetos de conservação florestal no Brasil que havia sido congelada em agosto, mas não obteve sucesso. Ao anunciar o bloqueio, a ministra do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha, Svenja Schulze, disse que a política do presidente brasileiro em relação à Amazônia "deixa dúvidas se ainda persegue uma redução consequente das taxas de desmatamento".
À época do anúncio dos alemães, Bolsonaro tratou o congelamento dos repasses com desprezo. "Ela [Alemanha] não vai mais comprar a Amazônia, vai deixar de comprar a prestações a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso", disse o presidente, para em seguida voltar a atacar os alemães: "Eu queria até mandar recado para a senhora querida [chanceler federal] Angela Merkel. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui."
Além da Alemanha, a Noruega também suspendeu em agosto um repasse de 133 milhões de reais ao Fundo Amazônia, destinado à proteção da floresta. Após a divulgação da decisão dos noruegueses, Bolsonaro criticou o país nórdico – e aproveitou para lançar mais um ataque à Alemanha. "A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós. Pega a grana e ajuda a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha", disse.
Em outubro, durante discurso de abertura da 74ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Bolsonaro disse que "é uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade” e, sem mencionar nomes, disse que "um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”.
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.