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Salman Rushdie apresenta autobiografia em Berlim

3 de outubro de 2012

Após um decreto religioso ter pedido sua morte no Irã, o escritor teve de passar vários anos na clandestinidade e viver sob a proteção de guarda-costas. Mesmo assim, ele conseguiu escrever sem amargura sobre a sua vida.

Foto: DW/H. Kiesel

Ao apresentar sua autobiografia nesta segunda-feira (1°/10) em Berlim, Salman Rushdie fez piadas sobre o perigo que corre: a ameaça de morte contra um autor que atraiu a ira de fanáticos muçulmanos contra si.

Ele não demonstra nenhuma emoção ao se lembrar do 14 de fevereiro de 1989, dia em que o líder religioso máximo do Irã, aiatolá Khomeini, emitiu um fatwa (decreto religioso) em que aprovava o assassinato do autor, porque seu livro Versos Satânicos, segundo ele, insultava o Islã.

Há pouco tempo, a recompensa por sua cabeça no Irã foi elevada para 3,3 milhões de dólares, "mas isso pode ser motivo de decepção para o assassino, porque eles provavelmente não têm esse dinheiro", ironizou Rushdie.

Ícone? Não, obrigado

O autor anglo-indiano veio a Berlim para apresentar sua autobiografia Joseph Anton. O título provém dos primeiros nomes dos escritores prediletos de Rushdie: Joseph Conrad e Anton Tchekhov. Esse também foi o codinome que adotou quando passou a viver escondido e sob proteção.

Aiatolá Khomeini defendeu morte de Rushdie em 1989Foto: AP

Em sua autobiografia, Rushdie escreve sobre um "eu" com um nome diferente e na terceira pessoa. A princípio, isso é irritante, mas logo se revela um artifício inteligente para transmitir os acontecimentos de forma distanciada e reflexiva.

"É uma história de vida, então deve-se dizer a verdade", disse Rushdie, explicando que "se trata de um ser humano real, não de um herói hollywoodiano". No passado, ele foi frequentemente estilizado como ícone da liberdade de expressão, mas ele não se sente nem um pouco assim, diz.

Ainda hoje, Rushdie é visto por muitos como um homem que sofre sério risco de vida. Em Berlim, no entanto, ele se apresentou na Editora Bertelsmann sem proteção pessoal aparente. "Já há dez anos que não sinto nenhuma ameaça real", constatou Rushdie.

Uma vida em perigo

Apesar disso, como autor, ele continua sendo um herói, mesmo sem a amedrontadora ameaça de morte: a partir do fio narrativo dos anos de perseguição, ele conseguiu tecer sua história sobre relacionamentos fracassados, a luta por seus livros e sua relação com o pai alcoólatra.

É notável como ele consegue manter o controle da narrativa, evitando a amargura e o desejo de vingança. "Eu não cai nessa armadilha", diz. Mas teria sido compreensível, afirma o autor, já que o tradutor para o japonês de Versos Satânicos foi assassinado, o tradutor para o italiano, ferido e o editor norueguês, baleado.

Capa de 'Joseph Anton', autobiografia de Rushdie

Rushdie retrata uma vida fora do padrão que ele conheceu como normal. Essa condição já perdura há 13 anos. Ele vivenciou uma perda radical de liberdade quando passou a viver escondido com pessoal de segurança. Ele tentou manter estável a relação com seus filhos. "Pai, disse Zafar ao telefone, temos de novo uma casa onde podemos ficar?", citou Rushdie. Quando ele fala em público sobre sua família nos anos de perigo, sua voz se torna áspera e mais baixa.

O escárnio e a ironia retornam quando Rushdie trata dos aspectos políticos de sua perseguição. Para ele, o período após ordem de assassinato em Teerã foi um curso intensivo em matéria de política, disse.

"Eu me lembro muito bem de uma conversa na Alemanha com [o ex-ministro do Exterior] Klaus Kinkel, que explicou que a Alemanha não iria mudar sua política para o Irã por causa de um só homem – naturalmente, já que a Alemanha era o maior parceiro comercial do Irã." Mesmo para os dinamarqueses, a exportação de queijo feta era mais importante que a liberdade de expressão, criticou.

Qualquer um pode ser criticado

Mas Rushdie se lembra ainda de ter recebido muita solidariedade na época da ameaça, como, por exemplo, de seu colega alemão Günther Grass. Rushdie interpreta seu novo livro "também como uma história sobre solidariedade e amizade."

O autor vê Joseph Anton principalmente como um panfleto em prol da liberdade de expressão e desenvolve esse princípio de forma radical. "Se você se sente ofendido por uma ideia, o problema é seu." É por isso que ele se recusa a ser instrumentalizado pelas campanhas de proibição, como contra o polêmico filme sobre Maomé, Inocência dos Muçulmanos.

O autor disse ser contra muitos dos movimentos direcionados contra a comunidade muçulmana, mas isso não deve excluir a religião da crítica. É possível se defender – mas com palavras. "É absurda a ideia de se viver num mundo onde ninguém possa ofender nada!", concluiu Rushdie.

Autor: Heiner Kiesel (ca)
Revisão: Francis França

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