Um ano após tragédia, vistoria de fiscais em área mais atingida por rejeitos que vazaram da barragem de Fundão conclui que trabalho de recuperação e contenção continua insuficientes. "É preocupante", alerta o texto.
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Às vésperas do primeiro aniversário da tragédia de Mariana, as obras de contenção dos danos e restauração seguem "insatisfatórias", "insuficientes" ou "não foram cumpridas", afirma o relatório da última vistoria feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), divulgado nesta terça-feira (25/10).
Batizada de Operação Áugias, a vistoria se concentrou nas áreas mais impactadas pelo rompimento da barragem de rejeitos Fundão, da mineradora Samarco, localizada entre a antiga barragem e a usina hidrelétrica Risoleta Neves, também chamada de Candonga.
"De forma geral, observou-se que a maior parte das recomendações feitas anteriormente não foram cumpridas pela empresa", conclui o relatório.
O número de locais que precisam de intervenções é considerado elevado em diversos temas tratados na vistoria, como conservação do solo (71%), drenagem (62%) e contenção (53%). "É preocupante", alerta o texto.
Duas fases
Na primeira fase da operação, chamada de Hélios, o Ibama constatou que 78% dos 92 pontos visitados necessitavam de intervenção. A Samarco foi comunicada e recebeu um novo prazo, que venceu em 1º de setembro.
A meta era que os trabalhos fossem finalizados antes de outubro, quando começa o período de chuvas. A segunda fase da operação, batizada de Argos, fez a vistoria em 77 locais e constatou que o trabalho feito pela empresa ainda era insuficiente para garantir uma contenção significativa dos rejeitos depositados nas margens dos rios.
"O baixo percentual de áreas com obras sendo executadas no momento da vistoria (apenas 8%) indica que o esforço empreendido pela empresa está aquém da necessidade diagnosticada", diz o relatório.
Rejeitos não removidos
Em junho, o Ibama registrou que os rejeitos foram retirados em apenas 3% dos pontos fiscalizados. Na última vistoria, esse índice não aumentou. Em vez disso, houve a incorporação do rejeito ao solo natural. O material que vazou de Fundão formou uma grossa camada em vários trechos: em 75% dos locais visitados, a espessura chega a 50 centímetros.
Um dos reflexos preocupantes apontados pelos fiscais é o aumento da erosão, registrada em 92% dos trechos vistoriados. "O período chuvoso que se iniciou agora irá certamente agravar esta situação e, caso mantidas estas condições, resultará em um significativo carreamento de sedimentos e de rejeito para os rios", afirma o relatório.
O impacto da onda de lama que arrasou a região alterou o curso de muitos afluentes do rio Doce. Na avaliação do Ibama, "é inaceitável" que 53% das áreas ainda não tenham recebido obras de reconformação das linhas de drenagem, consideradas medidas de precaução para evitar dano ambiental irreversível.
Outro fator negativo ressaltado pelo instituto é a qualidade do trabalho de plantio em margens de rios de espécies para ajudar a conter os rejeitos. "A avaliação das equipes sobre o desenvolvimento da vegetação estabelecida pela semeadura de
gramíneas e leguminosas foi extremamente negativa (90% da semeadura precisa ser refeita)."
Prazos
Embora a vistoria tenha registrado alguns dados positivos, como o retorno de espécies da vegetação nativa e presença de animais silvestres em alguns pontos, eles são considerados de baixo impacto diante do estrago ambiental.
O documento segue agora para a Diretoria de Proteção Ambiental, que deve aplicar sanções administrativas. A partir da divulgação do relatório, a Samarco tem 48 horas para apresentar soluções para o tratamento e gestão dos rejeitos que seguem na calha e nas margens dos rios afetados.
A empresa deverá ainda esclarecer outros pontos referentes à dragagem dos rios e tributários, uso de solo em áreas afetadas e presença de animais de criação em regiões críticas num prazo de dez dias.
O rastro da lama seis meses depois
No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem Fundão, em Minas Gerais, provocava o maior desastre ambiental do Brasil. Uma enxurrada de lama se estendeu por toda a região e chegou até o oceano.
Foto: DW/Nádia Pontes
Trabalho de limpeza
Seis meses após o rompimento da barragem Fundão, segue a retirada de rejeitos das áreas atingidas. Plantação de gramíneas e leguminosas ajuda a reter a lama e estabilizar margens dos cursos d’água. A mineradora Samarco diz que 800 hectares já foram replantados, mas Ibama destaca atraso nos trabalhos. Na foto, escombros de uma fazenda na área rural de Mariana (MG) mostram até onde a lama chegou.
Foto: DW/Nádia Pontes
Ribeirão do Carmo
Com a retirada dos rejeitos que praticamente soterraram o Ribeirão do Carmo, a água volta a correr pela superfície. O ribeirão deságua no rio Gualaxo do Norte, tributário do Rio Doce. A Samarco diz monitorar 84 pontos do Rio Doce e 118 pontos na costa do Espírito Santo. Análises independentes apontam a presença de metais pesados, como arsênio, na foz Rio do Doce no estado do Espírito Santo.
Foto: DW/Nádia Pontes
Paracatu de Baixo
Acesso ao distrito de Paracatu de Baixo, a 35 quilômetros de Mariana, foi liberado após reconstrução de uma ponte que havia sido levada pela enxurrada de rejeitos. Devido a uma determinação do Ministério Público Estadual, estrutura da única igreja do vilarejo foi cercada para impedir danos maiores. Restos de minério e lama ainda dominam a paisagem no povoado, onde moravam cerca de 200 pessoas.
Foto: DW/Nádia Pontes
Lama e entulho
Todos os moradores atingidos hoje residem na região central de Mariana. A mineradora foi obrigada a arcar com os custos do aluguel e mobília. Cada família recebe um salário mínimo por mês, acrescido de 20% por membro familiar, e uma cesta básica no valor de 400 reais. Lideranças comunitárias debatem com a empresa a reconstrução dos vilarejos mais atingidos, como Bento Rodrigues (foto).
Foto: DW/Nádia Pontes
Exploração paralisada
A mineradora Samarco paralisou a exploração desde o rompimento da barragem Fundão. Apenas a manutenção do maquinário é feita para evitar danos por falta de uso. Fundada em 1977, a empresa emprega 3 mil funcionários e ainda não demitiu trabalhadores desde novembro de 2015. A empresa é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.
Foto: DW/Nádia Pontes
Barragem Santarém
Vista parcial da barragem Santarém numa manhã chuvosa. Estrutura faz parte do complexo da Samarco em Minas Gerais. Com o rompimento da barragem Fundão, rejeitos que vazaram inundaram Santarém, que resistiu ao volume extra. Rejeitos retirados dos locais atingidos estão sendo depositados nesse local.
Foto: DW/Nádia Pontes
Barragem Germano
Vista parcial da barragem Germano, primeira a ser construída no complexo, na década de 1970. Segundo a Samarco, as estruturas das barragens de Germano e Santarém estão estáveis. O dique principal de Germano está com fator de segurança de 1,97 - o que significa que ele está 97% acima do ponto de equilíbrio. Rejeitos são compostos por sílica (85%), óxido de ferro (14,7%) e oxido de manganês (0,03%).
Foto: DW/Nádia Pontes
Sala de monitoramento
Desde o rompimento da barragem Fundão, a Samarco montou uma sala de monitoramento que funciona 24 horas por dia. As barragens são monitoradas por meio de equipamentos como acelerômetro, que verifica se há alguma movimentação de terra, radar, scanner e câmeras. A imagem do canto superior direito mostra o dique S3, construído após o colapso de Fundão.
Foto: DW/Nádia Pontes
Sistema de alerta
Na sala de monitoramento também foi instalado um sistema de alerta. Ele dispara caso algum risco no complexo de barragens seja identificado. O acionamento faz com que sirenes instaladas nos povoados próximos também disparem e que a população local tenha tempo para deixar a zona de risco. O sistema não existia antes porque, segundo a empresa, não era uma exigência da lei.
Foto: DW/Nádia Pontes
Contabilizando os danos
Toda semana, moradores atingidos e representantes da Samarco se reúnem para falar de temas como pagamento de conta de luz, indenizações e escolha de um terreno para reconstruir os vilarejos destruídos. As indenizações e reparos pelos danos são o tópico mais polêmico. Uma consultoria avalia o patrimônio dos atingidos para estipular o valor a ser reparado, mas processos paralelos correm na Justiça.
Foto: DW/Nádia Pontes
Medo do desemprego
Faixas de protesto espalhadas por Mariana pedem a retomada das atividades da mineradora e a garantia de empregos. A maior parte dos trabalhadores da empresa são da cidade, que também depende dos impostos pagos pela Samarco. Desde o desastre, a arrecadação municipal caiu de 30 milhões para 15 milhões de reais, e a prefeitura estima que vá fechar o ano com déficit de 40 milhões.