A intenção é nobre: um centro cultural da Alemanha quer que os refugiados muçulmanos se sintam em casa, até ao fazer suas necessidades. Contudo o projeto esbarra em incompreensão e repúdio.
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Para os refugiados, a integração na Alemanha não é nada fácil. Eles têm que aprender uma língua estrangeira, encontrar trabalho, orientar-se dentro de uma estrutura social complexa. Além disso, a atitude em relação a eles mudou, os alemães não são mais tão abertos quanto há dois anos: os atentados terroristas e a vivência de que a integração não transcorre sem atritos arrefeceu o otimismo.
Nesse contexto, o centro cultural Bürgerzentrum Alte Feuerwache, em Colônia, faz manchete: sua diretoria decidiu instalar assim chamados "sanitários culturalmente sensíveis", sobretudo para muçulmanos. Em vez de assento, as toaletes têm apenas um buraco no chão.
A decisão inflama ainda mais a já acalorada discussão sobre a integração no país. Mal o jornal local Kölner Stadt-Anzeiger noticiara a respeito, os leitores se manifestaram com veemência. A maioria ou reagiu com repúdio declarado ou fez piada sobre a iniciativa.
Sensibilidade ridicularizada
O vaso sanitário "squat" em questão não é desconhecido dos europeus, sobretudo na França e na Itália. Ainda assim, "uma toalete assim está mais de acordo com o que é usual nos países islâmicos", assegura Konrad Müller, membro da presidência do centro de cidadania. "E nós queremos, com isso, dar às pessoas desses países a sensação de que aqui elas estão em casa."
Também seguindo os costumes muçulmanos, em vez de papel higiênico os administradores providenciarão uma mangueirinha d'água para a higiene após as necessidades fisiológicas. Além disso, o orifício no chão não será direcionado para o sul. "Fazer cocô virado para Meca, não dá", explica Müller, em linguagem relaxada.
O tema foi também debatido pelos políticos colonianos. "Chega a me faltar o ar", comentou Uli Breite, diretor da bancada municipal do Partido Liberal Democrático (FDP). "Nós, liberais, acreditamos em esclarecimento e progresso. Essa toalete é um passo atrás! Integração consiste em que as pessoas que vêm para nós se integrem, não o contrário."
A chefe de bancada verde local, Kirsten Jahn, mostrou-se igualmente consternada. "Oh, Deus, que bobagem. É uma pretensão da diretoria da Feuerwache querer ditar como as pessoas vão fazer as necessidades delas. É ridículo e não tem nada a ver com fé."
"Imagine se fosse uma grande mesquita"
A direção do centro cultural, por sua vez, defende a decisão: "Não há nada de errado com isso, e não tem nada a ver com querer se bonzinho, pois a nossa associação também se comprometeu com o aprendizado cultural. E aqui a população nativa pode aprender algo sobre outras culturas."
Falando à DW, Ahmed Awaimer, encarregado do diálogo do Conselho Central dos Muçulmanos, se manifestou reticente em relação ao projeto. Segundo ele, centros culturais como a Alte Feuerwache tentam fundamentalmente promover o diálogo entre diferentes culturas e incentivar as pessoas a se respeitarem, apesar das visões de mundo distintas.
Pensar sobre os outros é, em princípio, bom, concordou Awaimer. Só que a questão do sanitário não está entre os problemas mais urgentes da integração. Também por isso é exagerada a celeuma em torno do projeto: há tarefas outras e mais importantes a serem solucionadas em conjunto, como a organização de cursos aperfeiçoamento profissional para centenas de milhares de islâmicos.
Por outro lado, o fato de a construção de um banheiro, por uma quantia bem modesta, desencadear tamanha agitação, indica a presença de tendências islamofóbicas. Pode-se imaginar que confusão desencadearia a construção de uma grande mesquita, frisou o funcionário do Conselho Central dos Muçulmanos.
Muçulmanos comentam
Também no mundo islâmico o caso despertou controvérsia. "Muçulmanos dos Estados do Golfo Pérsico usavam até vasos sanitários ornamentados com ouro", lembrou o leitor Bilal Arbouch na página do Facebook da DW. "A Alemanha também tem que levar isso em consideração", sugeri, com ironia.
Osama Saadallah não compreende o alvoroço. "Por que todos estão tão furiosos com essa toalete?", afinal, ela também existe em outros países da Europa. Não vale a pena travar uma "Guerra Santa" por causa do vaso sanitário: "A pessoa faz suas necessidades como quer. O importante é que seja confortável."
Tarekh Jishi questiona até que ponto a "sensibilidade cultural" dos colonianos é pertinente: "Essas toaletes não têm nada a ver com o islã", escreve, e há muito esse modelo está obsoleto. "Mesmo que uns ou outros ainda as utilizem, isso não quer dizer que elas tenham qualquer relação com a religião."
Magdi Attaw aproveita para comentar que a Alemanha mudou muito desde a chegada dos refugiados: agora, "até banheiros são causa de debates".
As imagens que marcaram a crise migratória
Fotos impressionantes do enorme fluxo de migrantes para a Europa em 2015 e 2016 circularam pelo mundo. No Dia Mundial do Refugiado, vale lembrar a perseverança dos que foram forçadas a deixar seus países.
Foto: Getty Images/AFP/A. Messinis
A meta: sobreviver
Uma jornada combinada com sofrimento e perigo para corpo e alma: para fugir da guerra e da miséria, centenas de milhares de pessoas, principalmente da Síria, viajaram pela Turquia para a Grécia em 2015 e 2016. Ainda há cerca de 10 mil pessoas nas ilhas de Lesbos, Chios e Samos. De janeiro a maio deste ano, chegaram mais de 6 mil novos refugiados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Messinis
A pé até a Europa
Em 2015 e 2016, milhões de pessoas tentaram, a pé, chegar à Europa Ocidental através da Turquia ou da Grécia até a Macedônia, Sérvia e Hungria. Este fluxo não parou mesmo depois de a chamada rota dos Bálcãs ter sido fechada e muitos países terem bloqueado suas fronteiras. Hoje, a maioria dos refugiados vai para a Europa usando a perigosa rota pelo Mediterrâneo através da Líbia.
Foto: Getty Images/J. Mitchell
Consternação mundial
Esta foto chocou o mundo em setembro de 2015: numa praia da Turquia foi encontrado o corpo do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos. A imagem se espalhou rapidamente pelas redes sociais e se tornou um símbolo da crise dos refugiados. Depois dela, a Europa não podia mais se omitir.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DHA
Caos e desespero
Sabendo que a rota de fuga para a Europa seria fechada, milhares de refugiados tentaram desesperadamente entrar em trens e ônibus na Croácia. Alguns dias depois, em outubro de 2015, a Hungria fechou a fronteira e criou campos com contêineres, onde os refugiados seriam mantidos durante a análise de seu pedido de asilo político.
Foto: Getty Images/J. J. Mitchell
Hostilidades
A indignação foi grande quando uma repórter cinematográfica húngara deu uma rasteira num refugiado sírio que corria com um menino no colo. Ele tentava passar por uma barreira policial na fronteira húngara em setembro de 2015. No auge da crise de refugiados aumentavam as hostilidades contra imigrantes, com ataques xenófobos a abrigos de refugiados também na Alemanha.
Foto: Reuters/M. Djurica
Fronteiras fechadas
O fechamento oficial da rota dos Bálcãs, em março de 2016, gerou tumultos nos postos de fronteira, onde milhares de migrantes não puderam mais avançar e houve relatos de violência policial. Muitos, como estes refugiados, tentaram contornar os postos de fronteira entre a Grécia e a Macedônia.
Uma criança ensanguentada coberta de poeira: a fotografia de Omran, de 5 anos, chocou o público em 2016 e se tornou um símbolo dos horrores da guerra civil da Síria e do sofrimento de seu povo. Um ano mais tarde, novas imagens mostrando o menino bem mais feliz circularam na internet. Apoiadores do presidente sírio afirmam que a primeira imagem foi usada para fins de propaganda.
Foto: picture-alliance/dpa/Aleppo Media Center
Em busca de segurança
Um sírio carrega a filha na chuva em Idomeni, entre a Grécia e a Macedônia. Ele procura abrigo na Europa. Segundo o Regulamento de Dublin, o asilo político precisa ser solicitado no primeiro país da União Europeia a que o refugiado chegou. Por isso, muitos que prosseguem viagem são mandados de volta. Por sua localização fronteiriça, Itália e Grécia são os países onde mais chegam refugiados.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Esperança
A Alemanha continua sendo o principal destino dos migrantes, embora a política de refugiados e de asilo do país tenha se tornado mais restritiva após o grande afluxo no final de 2015. Nenhum outro país europeu acolheu tantos refugiados como a Alemanha, que recebeu 1,2 milhão de pessoas desde 2015. A chanceler federal Angela Merkel foi um ícone para muitos dos recém-chegados.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
Miséria nos campos de refugiados
No norte da França, um enorme campo de refugiados, a chamada "Selva de Calais", foi fechado. Durante a evacuação, em outubro de 2016, houve um incêndio no acampamento. Cerca de 6.500 moradores foram removidos para outros abrigos na França. Meio ano depois, organizações de ajuda relataram sobre muitos refugiados menores de idade que vivem como sem-teto em volta da cidade de Calais.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Laurent
Afogamentos no Mediterrâneo
ONGs e guardas costeiras estão constantemente à procura de barcos de migrantes em perigo. Eles preferem atravessar o mar em embarcações precárias superlotadas a viver sem perspectivas na pobreza ou em meio à guerra civil. Só em 2017, a travessia já custou 1.800 vidas. Em 2016 foram registrados 5 mil mortos.
Foto: picture alliance/AP Photo/E. Morenatti
Milhares esperam na Líbia
Centenas de milhares de refugiados da África Subsaariana e do Oriente Médio esperam em campos líbios para atravessar o Mar Mediterrâneo. Muitos estão nas mãos de contrabandistas humanos e traficantes de pessoas. As condições nesses locais são catastróficas, dizem ONGs. Testemunhas relatam casos de escravidão e prostituição forçada. Ainda assim, continua vivo o sonho de chegar à Europa.
Foto: Narciso Contreras, courtesy by Fondation Carmignac