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Santas alfinetadas

16 de outubro de 2019

No fundo, a canonização da Irmã Dulce é uma alfinetada do papa. Se uma freira conseguiu se empenhar no combate a pobreza, por que um governo que se define como cristão e proclama "Deus acima de todos” não o faz também?

Dulce Lopes Pontes
O Vaticano no dia da canonização de Irmã DulceFoto: picture-alliance/AP Photo/A. Medichini

Caros brasileiros,

Finalmente! Uma baiana vai virar santa. Irmã Dulce é a primeira santa que não só viveu, como também nasceu no Brasil. Quando li essa notícia, fiquei feliz. O Brasil tem muitos santos! E está na hora de isso ser reconhecido.

Fiquei feliz, pois para mim essa canonização no último domingo (13/10) no Vaticano foi altamente simbólica. Pois ser santa num país em que uma grande parte do governo e dos membros do Congresso se considera perto de Deus é um  feito especial.

Fiquei feliz, porque com a Irmã Dulce o combate à pobreza volta a receber atenção política. Afinal, a pobreza no Brasil aumentou. Segundo o IBGE, entre 2016 e 2017, a taxa passou de 25,7% para 26,5% da população. E segundo os dados mais recentes do Ministério da Cidadania, a pobreza extrema no país aumentou e já atinge 13,2 milhões de pessoas.

No último domingo, ao redor da imagem da "mãe dos pobres” estavam reunidos políticos brasileiros de todas as tendências, católicos e evangélicos. A simples pergunta dos fiéis fora e dentro da Basílica de São Pedro provavelmente foi: vocês vão seguir o exemplo da Irmã Dulce?

No fundo, a canonização pelo Vaticano é uma alfinetada do papa. Afinal, se uma freira conseguiu se empenhar no combate a pobreza, por que um governo que se define como cristão e proclama "Deus acima de todos" não o faz também?

Pois é. Até agora, o governo do presidente Bolsonaro se destacou mais por cortes na área social do que pelo combate à fome e à miséria. Os cortes atingem o programa habitacional "Minha casa, minha vida", "Bolsa Família" e a área da educação.

Ainda bem que a lista dos candidatos a serem canonizados é longa. São mais de 90 religiosos e notáveis: beatos, veneráveis e servos de Deus. Entre eles, Dom Hélder Câmara e a princesa Isabel, Frei Damião e Zilda Arns. Mas mesmo com todos os santos do mundo chegando ao Brasil, a pobreza não vai desaparecer. Pois caridade cristã não substitui a responsabilidade política por programas sociais.

O famoso arcebispo emérito de Olinda e Recife Dom Hélder Câmara, que morreu 20 anos atrás, sintetizou a relação ambígua e problemática entre política e religião em uma frase: "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista".

A Irmã Dulce procurava apoio político pelas obras de caridade dela. E conseguiu. O mais recente apoio veio do próprio presidente Bolsonaro. No dia 15 de outubro, ele assinou uma portaria que autoriza o repasse de 18 milhões de reais ao Hospital Santo Antônio (HSA) – Associação Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), em Salvador.

"Meu partido é a pobreza", dizia Irmã Dulce. As palavras dela poderiam ter saído da boca do papa Francisco também. Mas ele deixou a santa falar por ele e já partiu para a próxima alfinetada: a Amazônia.

A canonização da Irmã Dulce aconteceu em pleno sínodo da Amazônia. O Sínodo, que reúne bispos dos nove países que ocupam a região até 27 de outubro em Roma, incomoda o governo brasileiro. Com a floresta em chamas, o evento que ia debater a falta de padres na Amazônia se tornou altamente político. Que haja santo para tanto atrito!

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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