Após população dizer "não" a pacto de paz com as Farc por estreita margem em plebiscito, presidente colombiano não desiste e procura pôr fim a um conflito que durou mais de cinco décadas e deixou 220 mil mortos.
Anúncio
A biografia do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, sugere que ele "se preparou toda a sua vida para ser presidente da República, como era o seu tio-avô Eduardo Santos no passado". É o que afirma o site La Silla Vacía, que se diz especialmente preocupado com "como se exerce o poder na Colômbia". Finalmente, em 20 de junho de 2010, Santos derrotou, no segundo turno, o candidato do Partido Verde Antanas Mockus e se tornou o sucessor de Álvaro Uribe (2002-2010).
"Ele recebeu uma votação superior a 9 milhões de votos, a mais alta obtida por um candidato na história da democracia colombiana", destaca o site da Presidência. Entre suas promessas de campanha estava liderar um governo de unidade nacional que realizasse a transição da "política de segurança democrática" – elaborada por seu antecessor e implementada por Santos desde que ocupou o Ministério da Defesa – para a "prosperidade democrática".
Esse curso levou Santos a anunciar, em novembro de 2012, o início oficial dos diálogos de paz entre seu governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o maior grupo guerrilheiro do conflito armado colombiano. Três anos mais tarde, em 23 de setembro de 2015, em Havana – sede das negociações de paz –, Santos apertaria a mão do líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como "Timochenko", depois de colocar como meta a assinatura da paz em seis meses.
Família rica e estudos no exterior
Membro de uma proeminente família colombiana ligada à política e ao jornalismo, Santos nasceu em Bogotá em 10 de agosto de 1951. Filho de Enrique Santos – um dos diretores e donos do jornal El Tiempo, o periódico mais importante do país –, o atual presidente estudou no Colégio San Carlos, em Bogotá, e foi cadete da Escola Naval de Cartagena. Depois, continuou sua formação no exterior.
Ele estudou economia e administração de empresas na Universidade de Kansas, nos EUA. E fez, ainda, pós-graduação na London School of Economics, no Reino Unido; na Universidade de Harvard e na Escola Fletcher de Leis e Diplomacia da Universidade Tufts, também nos EUA.
Diplomacia econômica, jornalismo e política
Uma vez concluído os estudos, "comecei a promover o café colombiano no exterior e, posteriormente, me dediquei ao jornalismo durante uma década. Finalmente, em 1991, lancei-me à política, ocupando diferentes cargos", resumia Santos e sua equipe de campanha, em primeira pessoa, antes de sua reeleição em 2014.
O atual presidente foi chefe da delegação de seu país junto à Organização Internacional do Café (OIC), em Londres. Santos foi ministro de Comércio Exterior e, depois, teve seu nome colocado na disputa para a Presidência da República durante o governo de César Gaviria, no início da década de 1990.
Ele foi, ainda, ministro da Fazenda e, depois, de Defesa Nacional durante os governos de Andrés Pastrana e Álvaro Uribe, já nos anos 2000. E, após ter dirigido o Partido Liberal Colombiano, fundou em 2005 o Partido Social de Unidade Nacional (conhecido como Partido de La U), considerado hoje a maior força política do país.
O site da presidência ressalta que ele exerceu as funções de colunista e subdiretor do jornal El Tiempo, do qual sua família era a principal acionista. Durante esse período, ele cobriu o frustrado processo de paz entre o governo de Belisario Betancur (1982-1986) e as guerrilhas, assim como a onda narcoterrorista de Pablo Escobar e a Assembleia Constituinte de 1991, lembra o site La Silla Vacía.
Posteriormente, ele foi presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), e chegou a publicar títulos como La Tercera Vía, em coautoria com o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, e Jaque al Terror (Ameaça ao terror, em tradução livre), onde descreve seu combate contra as Farc desde que se tornou ministro da Defesa.
Negociações de paz
Como presidente, Juan Manuel Santos levou a cabo uma ambiciosa agenda que inclui a lei de vítimas de conflitos armados, de ordenamento territorial, de terras e, ainda, as reformas da lei de regalias, política e judiciária.
Apesar de vivenciar como ministro da Defesa o escândalo dos "falsos positivos" – casos de execuções de civis por parte de militares, em que 4.475 execuções extrajudiciais foram realizadas por membros ativos e aposentados das Forças Armadas –, Santos nunca aceitou nenhuma responsabilidade política pelas acusações feitas por seus subordinados.
Ele criou uma comissão de investigação e implementou políticas para deter o assassinato seletivo de inocentes apresentados pelas forças militares como guerrilheiros mortos em combate. Por isso, alguns setores lhe reconhecem atualmente como o ministro que revelou o escândalo e colocou fim a estas práticas.
Mas, sem dúvida, a sua "obra" – que tem sido a mais elogiada ou criticada por políticos e cidadãos colombianos nos últimos anos – é a implementação de um processo de paz para encerrar o conflito de mais de cinco décadas entre o governo colombiano e guerrilhas como as Farc e o Exército de Libertação Nacional (ELN).
O plano de paz foi especialmente aplaudido no cenário internacional. E na Colômbia – embora tenha sofrido ataques e protestos contra a totalidade ou aspectos específicos dos acordos com as Farc – sua reeleição de 2014 foi interpretada como uma validação do processo de paz que ele insistiu em referendar.
As negociações com as Farc foram travadas ou suspensas por várias vezes devido a ações militares ou exigências divergentes de ambas as partes que – apesar da data inicialmente fixada ter vencido – seguiram se mostrando convencidas de que chegariam bem perto. Mas, em plebiscito realizado no dia 2 de outubro, a proposta de paz recebeu o "não" de 50,21% da população, enquanto o "sim", de 49,78%.
Apesar da negativa da maior parte dos eleitores, Santos expressa otimismo e criou comissões para tratar das questões que os opositores rejeitaram no acordo e buscar uma solução para o impasse. Caso consiga encontrar um caminho, Santos será reconhecido como o presidente que, depois de mais de cinco décadas de conflitos e milhares de mortos, obteve a paz na Colômbia.
Cronologia do conflito e do processo de paz na Colômbia
Acordo com as Farc foi alcançado após décadas de luta armada e tensões sociais na Colômbia. País trabalha agora na implementação do pacto e na reintegração de ex-guerrilheiro à sociedade.
Foto: Imago/Agencia EFE
Longo caminho da violência à paz
As décadas de violentas tensões sociais, que chegam ao fim com o novo acordo de paz na Colômbia, têm origem na luta no campo, que opôs trabalhadores rurais e proprietários de terras desde os anos 1920. As hostilidades se intensificaram a partir da década de 1960.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
1940-1950: A Violência
Enfrentamentos sangrentos entre liberais e conservadores provocam milhares de mortes. O assassinato do liberal Jorge Elíecer Gaitán (foto), em 1948, gera protestos que ficaram conhecidos como "El Bogotazo", dando início ao período denominado "La Violencia". Membros do Partido Comunista são perseguidos, o Exército ocupa povoados e reprime os "lavradores comunistas".
Foto: Public Domain
1964: Farc e ELN
São fundadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), contra a concentração de terras, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), fruto da radicalização do movimento estudantil e apoiado por adeptos da Teologia da Libertação, que prega a opção pelos pobres. O padre Camilo Torres (foto), guerrilheiro, é morto em combate. O governo colombiano recebe ajuda dos Estados Unidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
1970-1980: M-19 e negociações fracassadas
Surgem outros movimentos clandestinos como o M-19, que protagonizou a trágica ocupação do Palácio da Justiça em 1985 (foto), com mais de 350 reféns. A retomada do prédio pelas Forças Armadas deixa 98 mortos e 11 desaparecidos. O governo abre negociação pela primeira vez com as Farc e o ELN, mas o entendimento fracassa devido ao assassinato do ministro da Justiça.
Foto: Getty Images/AFP
Meados dos anos 80: Paramilitares
Surgem numerosos grupos paramilitares de ultradireita, a serviço de grandes proprietários de terras, contra os ataques rebeldes. Ao longo do tempo, vários desses grupos se envolvem com cartéis de droga. Quatro candidatos presidenciais e numerosos políticos de esquerda são assassinados por paramilitares entre 1986 e 1990.
Foto: Carlos Villalon/Liaison/Getty Images
1989: Desmobilização do M-19
O movimento M-19 entrega as armas em outubro de 1989, optando por disputar o poder como um partido político. Seu líder, Carlos Pizarro, candidata-se a presidente. Em 1990, ele é morto durante a campanha eleitoral.
Foto: picture alliance/Demotix/K. Hoffmann
1996: Esquadrões da morte
Grupos paramilitares se reúnem no movimento Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e formam "esquadrões da morte" com até 30 mil membros.
Foto: AP
1998-99: Presidente Pastrana tenta negociar
Eleito em 1998, o presidente Andrés Pastrana inicia negociação com as Farc. Conversa também com o ELN (foto) e a AUC. Um vasto território até então controlado pelas Farc, no sul do país, comemora o recuo do grupo. Um massacre interrompe as conversas com a AUC.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Ingrid Betancourt e Álvaro Uribe
Depois que as Farc sequestram um avião, o governo interrompe o diálogo. Em 23 de fevereiro é sequestrada a candidata à presidência Ingrid Betancourt (foto). Álvaro Uribe ganha as eleições em maio, intensifica o combate militar e repudia qualquer entendimento. Ele é reeleito em 2007 e Betancourt, libertada em 2008.
Foto: AFP/Getty Images
2003-06: Recuo dos paramilitares e anistia
Após longas negociações, aproximadamente 32 mil paramilitares da AUC se rendem (foto). Até 2014, cerca de 4.200 deles são julgados por violações dos direitos humanos. Muitos retomam as armas. Em junho de 2005 é aprovada a Lei de Justiça e Paz, uma ampla anistia para membros dos esquadrões da morte.
Foto: picture-alliance/dpa
2007-08: "Falsos positivos"
Políticos de direita, acusados de vínculo com os paramilitares, são detidos em 2007 pela primeira vez. Aliados de Uribe também são atingidos. Em setembro de 2008 é revelado o escândalo batizado de "falsos positivos": entre 2004 e 2008, mais de 3 mil pessoas foram mortas pelo Exército para adulterar a estatística de guerrilheiros eliminados. Centenas de militares foram julgados até agora.
Foto: Jesús Abad Colorado
2012: Iniciados diálogos de paz com Farc
Ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos é eleito presidente da Colômbia em junho de 2010. Dois anos depois, entra em vigor a Lei de Vítimas e Restituição de Terras, para compensar os deslocados pelos combates. Em novembro têm início oficialmente os diálogos de paz entre governo (foto) e as Farc.
Foto: Reuters
2014-15: Santos reeleito e prazo para a paz
Santos se reelege em 2014. O governo colombiano anuncia conversações con o ELN. Enquanto isso, entendimentos com as Farc são interrompidos e reabertos devido a ações militares de ambos os lados. Em 23 de setembro de 2015, em Havana, Santos e Rodrigo Londoño Echeverri (Timochenko), líder das Farc, concordam com a meta de assinar um termo de paz em até seis meses.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto
2016: Diálogos de paz com ELN
Em 30 de março, Frank Pearl, representante do governo da Colômbia, e Antonio García, chefe da delegação do ELN (foto), anunciam em Caracas o início de um processo formal de diálogos de paz. Em relação às Farc, desacordos levam ao adiamento da assinatura do acordo de paz definitivo, cujo prazo expira em 23 de março.
Foto: Reuters/M. Bello
Junho de 2016 - Dia da paz
Acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc foi finalmente concluído. A decisão foi recebida com entusiasmo tanto pela população do país, como pela comunidade internacional. O cessar fogo definitivo foi assinado em Cuba em 23 de junho com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e outros presidentes e observadores.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/A. Ernesto
Agosto de 2016 - Acordo histórico
Em 24 de agosto, governo e Farc selaram o acordo final que encerra as negociações de paz realizadas em Havana nos últimos quatro anos. Ele foi assinado pelos chefes das equipes de negociação de ambas as partes, Humberto de la Calle, pelo governo, e Luciano Marín, conhecido como "Ivan Márquez", representando a guerrilha, assim como pelos embaixadores de Cuba e Noruega, fiadores no processo.
Foto: Reuters/E. de la Osa
Setembro de 2016 – Assinatura
Três dias após os líderes das Farc ratificarem por unanimidade o acordo de paz, o documento foi assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo número um do grupo armado Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, em Cartagena, em 26 de setembro. Numa cerimônia que lembrou as vítimas da guerra, o líder guerrilheiro pediu perdão pelo sofrimento causado durante o conflito.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
Outubro de 2016 – Não
Em 2 de outubro, os colombianos foram às urnas decidir sobre o futuro do acordo de paz. Em resultado surpreendente, 50,22% dos eleitores rejeitaram o documento. Apenas 37% dos colombianos participaram do plebiscito, ou seja, cerca de 13 milhões dos 34 milhões de eleitores.
Foto: picture alliance/AP Photo/A. Cubillos
Outubro de 2016 - Nobel da Paz para Santos
Apenas cinco dias depois do referendo sobre o acordo as Farc, os apoiadores do processo de paz foram reconhecidos internacionalmente. O presidente colombiano Juan Manuel Santos foi homenageado com o Prêmio Nobel da Paz. A cerimônia de premiação foi realizada em dezembro de 2016 em Oslo.
Foto: Getty Images/AFP/T. Schwarz
Novembro de 2016 - Ratificação no Parlamento
Após uma série de alterações no texto original do acordo de paz, o Parlamento colombiano ratificou o pacto em 30 de novembro de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/G. Legaria
Junho de 2017 - Desarmamento
A entrega das armas pelos guerrilheiros das Farc ocorreu em três fases sob a supervisão da ONU. Em 27 de junho de 2017, Santos declarou: "Hoje é, para mim e para todos os colombianos, um dia especial, um dia em que trocamos as armas por palavras."
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pineros
Agosto de 2017 - As novas Farc
As Farc desarmadas selaram num congresso em 27 de agosto de 2017 o abandono da luta armada e sua reformulação como partido político. O ex-líder guerrilheiro Rodrigo Londoño (foto) foi eleito presidente do partido. Sua saúde fragilizada, no entanto, impediu que ele se candidatasse às eleições presidenciais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Vergara
Março de 2018 - Farc nas eleições
Pela primeira vez desde o fim da luta armada, representantes das Farc participam de eleições legislativas em 11 de março de 2018. Apesar de o partido das Farc só ter recebido 50 mil votos, ele obteve cinco assentos em cada uma das duas casas legislativas, como determinou o acordo de paz. O partido conservador do antigo presidente Álvaro Uribe foi o grande vencedor do pleito.