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Schalke 04, o declínio de uma lenda – e não só no futebol

23 de junho de 2020

Após fala racista do presidente do clube alemão, crise do coronavírus e revelação de más condições trabalhistas em frigorífico do bilionário atingido por surto indicam que há algo de podre no reino dos "azuis reais".  

Estádio do Schalke em Gelsenkirchen, vazio durante a pandemia
Estádio do Schalke em Gelsenkirchen, vazio durante a pandemiaFoto: Getty Images/AFP/W. Rattay

Há 15 partidas, mais precisamente desde janeiro deste ano, o Schalke 04 não experimenta o doce sabor de uma vitória. Foram ao todo nove derrotas e seis empates. É a mais longa série sem um triunfo sequer na história da Bundesliga. Na tabela do returno, os "azuis reais" ocupam o penúltimo lugar. Juntamente com o já rebaixado Paderborn, o Schalke é atualmente o pior time do campeonato. Se não fosse a gordura acumulada no primeiro turno, quando terminou no quinto lugar da tabela, fatalmente estaria lutando para não cair.

Os torcedores do Schalke, especialmente aqueles da velha guarda com raízes profundas não só no clube, mas também na cidade de Gelsenkirchen, veem o seu mundo desabar. Não faz muito tempo que o clube dos mineradores de carvão chegou a disputar a Champions League e que talentos como Leroy Sané, Julian Draxler e Leon Goretzka, entre outros, vestiam com orgulho a camisa desse lendário clube que surgiu das entranhas do proletariado em maio de 1904.

Desde então, clube e cidade estão unidos numa simbiose perfeita como não se vê em qualquer outra grande cidade alemã. Gelsenkirchen é uma das cidades mais pobres do país e, mesmo assim, pode se orgulhar de ter contribuído com mais jogadores para a seleção em Copas do Mundo do que qualquer outro município da Alemanha. Bons tempos aqueles quando o torcedor comum sonhava com voos mais altos, quiçá até com um título que já não vem há muitos anos. O último foi em 2011, ao vencer a Copa da Alemanha.

Não bastasse a miséria no aspecto esportivo pela qual o Schalke está passando, agora o clube é atormentado pelo escândalo da carne, envolvendo o bilionário Clemens Tönnies, presidente do conselho administrativo da tradicional agremiação.

Tönnies é um dos homens mais ricos do país. Sua fortuna pessoal é avaliada em 1,7 bilhão de euros. Estima-se que 20% de toda a carne consumida na Alemanha passe pelos matadouros e frigoríficos da empresa Tönnies Group. No ano passado, ela bateu todos os recordes de faturamento anual ao superar a marca de 7 bilhões de euros.

Justamente a sede da empresa, na bucólica cidade de Rheda-Wiedenbrück, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, foi palco na semana passada de um violento surto de covid-19, que já atingiu mais de 1.500 funcionários. Milhares de trabalhadores foram colocados em quarentena. Diversas denúncias foram apresentadas no Ministério Público local dando conta das más condições sanitárias das unidades de processamento de carne, com sérias ameaças à saúde e à proteção dos trabalhadores.

Vale lembrar que a maioria dos operários do grupo empresarial vem de países como Bulgária, Polônia e Romênia. Eles trabalham por baixíssimos salários, em condições insalubres, e vivem em alojamentos precários. Em frente aos portões principais da empresa já se registraram manifestações contra a exploração e pelos direitos trabalhistas que, aparentemente, estão sendo negados aos funcionários estrangeiros.

O sobrinho de Tönnies, Robert, culpa o tio pela catástrofe: "Ele se recusa a implementar melhorias para os trabalhadores, tanto no que diz respeito às condições de trabalho quanto às condições de moradia."

Muitos temem que o assim chamado "escândalo da carne" protagonizado pela empresa de Clemens Tönnies, possa também ameaçar o futuro do Schalke 04.

O clube tem uma dívida de aproximadamente 200 milhões de euros e é difícil imaginar que o bilionário Tönnies, com sua empresa em crise e ameaçado pela Justiça, venha socorrer os "azuis reais".

Por precaução, a diretoria já havia negociado com os jogadores uma suspensão dos seus salários e prêmios até o final da temporada para evitar uma situação de insolvência e, ao mesmo tempo, garantir o pagamento de 600 funcionários que trabalham no clube.

Mesmo assim, parece que as contas no Schalke não fecham. Numa medida constrangedora e antipática, o clube exigiu dos torcedores que tinham solicitado o reembolso dos ingressos não utilizados, uma justificativa por escrito comprovando com documentos "suas necessidades e atuais condições de vida". A indignação generalizada causou a demissão do pai da infeliz ideia, o diretor de finanças Peter Peters. Um erro capital, que causou feridas profundas na alma do torcedor.

Não bastasse isso, foram demitidos 24 funcionários dos serviços de transporte, a maioria aposentados que complementavam sua já escassa renda com 450 euros mensais. Muitos eram motoristas a serviço dos times de base, facilitando as idas e vindas de crianças e adolescentes aos centros de treinamento. Mais uma vez, a torcida ficou furiosa, não acreditando no que estava acontecendo, mesmo porque os jogadores profissionais abriram mãos dos seus salários justamente para manter o emprego dos funcionários.

Com a pandemia, outras medidas duras foram tomadas, como a dissolução do time B que disputava a Liga Regional Oeste (4ª divisão), assim como o encerramento das atividades do Departamento de Basquete. Adicionem-se os descalabros do presidente Clemens Tönnies com suas declarações de teor racista há alguns meses assim como a revelação de condições trabalhistas deletérias em suas empresas, e chega-se à conclusão de que há algo de podre no reino dos "azuis reais".  

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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