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Da opereta ao Eurovisão

Augusto Valente22 de maio de 2008

Uma exposição em Bonn e o festival Eurovisão em Belgrado celebram um certo gosto europeu de música popular. Antiquado, alienado, baixo nível? O "schlager" está morto? Viva ele!

Busto do cantor Heino em 'Melodia para milhões'Foto: AP

Melodias para milhões – O século do schlager, na Casa da História de Bonn, é um mergulho nos recantos mais íntimos da alma alemã.

Tema da exposição é um gênero musical que durante décadas marcou as hit parades do país. Quem ama o schlager o reconhece logo, quem o odeia, também. Porém a dificuldade começa quando se tenta defini-lo precisamente.

Tomando o termo em si como ponto de partida: ele deriva de einschlagen, algo como "impor-se de imediato", "chegar para vencer". O radical é o verbo schlagen, "bater". O termo é, portanto, análogo ao inglês hit, canção de sucesso.

Origem na opereta

'Jukebox' da exposiçãoFoto: AP

Só que nem tudo o que faz sucesso é schlager. O termo pressupõe uma melodia fácil, "contagiosa", e letras que falam quase sempre – mas não apenas – de amor, relacionamento e suas mazelas. Como no easy listening norte-americano, uma boa dose de sentimentalidade torna o schlager de fácil digestão para o grande público.

Por outro lado, seu segredo de sobrevivência está em se adaptar rapidamente ao gosto da época, assimilando seja influências do country, sons folclóricos ou mesmo elementos de jazz light. Como reza a apresentação da mostra na Casa da História: "No schlager se refletem as transformações na sociedade e mentalidade, ele reage às correntes políticas e sociais".

Os primeiros schlager são as melodias de opereta que, a partir de Viena, tomam de assalto (schlagen ein) a Europa no final do século 19. No entanto a trajetória deste fenômeno de massa é totalmente dependente do avanço dos modernos meios de difusão – rádio, filme e disco.

Oito estações

Distribuída em oito palcos diferentes, que recriam o ambiente da indústria de produção musical, a exposição em Bonn guia o visitante através da história do hit musical alemão, da República de Weimar até nossos dias. Como explica Hanno Sowade, um de seus organizadores:

"O schlager é um tema que transporta emoções, mas também zeitgeist, ou seja, aspectos técnicos, sociais, políticos e culturais. Queremos tanto mostrar o palco de shows, onde o popstar se apresenta, como o que está em torno do schlager, também do ponto de vista do desenvolvimento técnico, do gramofone ao filme sonoro e ao rádio."

Um milagre

O regime nazista, com seu faro infalível para a manipulação das massas, logo reconheceu o potencial do schlager e o recrutou em prol da estabilidade e glorificação do sistema. Ao mesmo tempo, protagonistas judeus do gênero, como o compositor Werner Heymann e o letrista Robert Gilbert, ou três dos Comedian Harmonists, são forçados a abandonar a país.

Zarah LeanderFoto: dhm

Na década de 40, o também letrista Bruno Balz é preso pela Gestapo, acusado de homossexualismo. Porém a cantora Zarah Leander e o compositor Michael Jary intervêm junto ao então ministro da Propaganda, Joseph Goebbels. O argumento de que os textos de Balz eram indispensáveis ao filme Die grosse Liebe (O grande amor) é irresistível, e o autor é libertado.

O título de uma das canções deste musical de 1942 soa quase surrealista, no contexto da Segunda Guerra: Ich weiss, es wird einmal ein Wunder geschehen (Sei que um dia um milagre acontecerá) tornou-se um dos maiores sucessos da diva sueca.

Instrumento de alienação

De forma semelhante, o regime totalitário da República Democrática Alemã procurará mais tarde rebater a influência da música do Ocidente, com o fim declarado de criar um "schlager socialista".

Um dos três pianos de acrílico de Udo JürgensFoto: AP

O fenômeno ocupa os intelectuais liberais na década de 60. Em sua Introdução à sociologia da música, de 1962, o filósofo Theodor Adorno critica: "O schlager fornece, àqueles que estão encurralados entre a atividade e a reprodução da força de trabalho, um substituto para os sentimentos que sua época lhes diz que devem ter".

Mas não foi, decerto, seu desmascaramento como instrumento de alienação que precipitou o ocaso dessa música. Os anos 60 trouxeram os primeiros sucessos dos Beatles e o início da globalização da indústria musical.

Rebaixado

O modelo anglo-saxão – beat, pop, rock – bate mais forte, ocupando o espaço dos schlager nos primeiros lugares das paradas de sucesso da Alemanha. Paralelamente, intérpretes estrangeiros estabelecidos em seus países natais – Petula Clark, Adamo, Rita Pavone, Milva, entre muitos outros – invadem o mercado, cantando em idioma alemão.

Longe de se extinguir, o schlager alemão perde, porém, boa parte de seu status sócio-cultural: de quase-consenso nacional, passa a ser considerado música de qualidade inferior, para gente, na melhor das hipóteses, conservadora.

Nos anos 70, Udo Jürgens, com seus textos de crítica social, traz uma fugaz esperança. Mas as décadas seguintes testemunham tanto uma enxurrada de canções pouco inteligentes (blödelschlager)quanto a Neue Deutsche Welle de Falco, Nena e companhia: indícios de uma crise – ou dos estertores finais, diriam as más línguas – do schlager.

Celebrado no Eurovisão

Dustin the Turkey representa a Irlanda no Eurovisão 2008Foto: RTÉ

A mostra Melodias para milhões concentra-se apenas na história do gênero na Alemanha. Porém trata-se, antes, de um fenômeno europeu, presente da Iugoslávia – onde se mantém desde 1940 – até a Finlândia – infiltrado pela música folclórica e sob o nome iskelmä ou käännösiskelmä (schlager traduzidos de outras línguas) – passando pela Suíça, a Áustria – berço da opereta –, os países da ex-União Soviética, e a Suécia – onde o termo alemão é empregado.

Quem estiver preocupado com o estado de saúde da light music européia em pleno século 21, basta pensar na carreira meteórica do belga Helmut Lotti, em Julio Iglesias ou na indestrutível Mireille Matthieu. Ou então acompanhar o anual Eurovisão (edição 2008 em Belgrado, com final neste sábado, 24 de maio).

Numa palheta eclética, que abarca baladas sentimentais, cançonetas descerebradas, samples, euro-soul, turco-pop, pseudo-hip-hop (tudo devidamente empacotado em laser, fumaça, fogos de artifício e máquina de vento), o grand prix da canção européia é, antes de tudo, uma opulenta celebração do schlager contemporâneo. Vivo ou morto.

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