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Livro

22 de abril de 2009

Chegam às livrarias as memórias de Christoph Schlingensief, escritas durante a luta do diretor contra o câncer. Artista que sempre ignorou a linha que separa vida e obra torna pública a cronologia de seu sofrimento.

Christoph Schlingensief: doença levada a públicoFoto: AP

Marcado para a última terça-feira (21/04), o lançamento do livro So schön wie hier kanns im Himmel gar nicht sein (Tão bom quanto aqui o céu não pode ser), de autoria do alemão Christoph Schlingensief, teve que acontecer sem a presença do próprio. Seus editores explicaram em Berlim que o diretor havia tido uma recaída e encontrava-se com febre alta em casa, quando, segundo planejado, deveria estar concedendo uma entrevista coletiva à imprensa.

Depois de levar aos palcos a peça Mea Culpa, que também trata de sua doença, Schlingensief apresenta agora ao público em forma de livro uma crônica de sua enfermidade, na qual trata da perda de autonomia do doente frente ao universo de aparelhos e máquinas da medicina, além de criticar os mecanismos de consolo para os quais a Igreja apela: "A vida é bela demais para que continuem permanentemente nos ameçando com o advento da desgraça".

Grandioso lamento

Para o diário Kölner Stadtanzeiger, o livro de Schlingensief "é tudo menos um livro de conselhos ou tratado de edificação, mas muito mais um acerto de contas muito pessoal do artista com ele próprio e com a morte. Um grandioso lamento, escrito numa linguagem avassaladora, no qual Schlingensief – que podia no passado ser acusado por demonstrar uma tendência para a parca seriedade e até mesmo para o frívolo – expõe sua condição de grande sofredor".

O jornal destaca ainda "a forma tocante como o artista se confronta com essa ameaça existencial", ressaltando que o diretor não apela no texto de seu livro para psicologismos baratos nem se perde em infindas reflexões. "Talvez esse olhar mude a forma como compreendemos até agora os trabalhos de Schlingensief", conclui o diário, numa referência indireta às frequentes críticas com as quais as obras do diretor sempre esbarraram no país antes que sua enfermidade se tornasse pública.

Última provocação

Já o diário Süddeutsche Zeitung descreve como o diretor, um provocador profissional e enfant terrible, se posiciona neste momento. "Frente à última e maior provocação, a da morte, o pudor perde seu último poder, quando Schlingensief questiona seus pais ou seu Deus, quando ele pensa em suicídio e deseja ter uma guilhotina na sala de visitas ou quando sonha, dopado por analgésicos, em viajar para a África."

Encenação de 'Mea Culpa', baseada na experiência do diretor para vencer a enfermidade

Editado a partir de gravações feitas pelo artista entre o dia 15 de janeiro e 23 de dezembro de 2008, o livro de Schlingensief é elogiado por manter "o pulso da linguagem oral e o imediatismo da voz, que às vezes se torna histérica, às vezes obscura, em determinados momentos fraca de desespero até se romper". Para o jornal, o livro é "uma grande luta pelo ar por parte de alguém que só tem um pulmão e que teve por muito tempo medo de que o órgão que considera mais importante fosse rompido: suas cordas vocais".

Overdose de realidade

Para o jornal berlinense Der Tagesspiegel, o livro de Schlingensief é "extraordinariamente vivo", no qual o artista luta, a todo momento, para não afundar no turbilhão de aparatos e procedimentos médicos, medicamentos e prognósticos vagos". Após um ano de "solidão forçada, em câmera lenta", descreve o jornal, o diretor conseguiu descrever de forma clara as mudanças por que passou no último ano.

"Os altos e baixos de um paciente vítima de câncer, a quem só resta um pulmão, condensam e refletem a existência do artista", diz o jornal, finalizando com uma citação do próprio Schlingensief em seu livro: "O pior de tudo é, acredito eu, que toda a ficção, tudo o que foi sonhado para o futuro, foi agora eliminado. No momento, tudo é infinitamente real e não sei lidar com isso".

Culpa de Wagner

Já o jornal Frankfurter Allgemeine em sua versão do último domingo descreve o diário da enfermidade de Schlingensief como "um livro terapêutico para o próprio paciente. O que não poderia ser diferente: não é de se espantar que um homem como esse – que passou sua vida tentando fazer com que o mundo pulse e tentando ativamente tirar as pessoas da letargia – ameaçe enlouquecer quando enclausurado pela doença mais do que qualquer outra pessoa acometida por uma enfermidade como essa".

Uma curiosidade que Schlingensief conta em seu livro é também o fato de que seu câncer surgiu, segundo os diagnósticos médicos, no ano de 2004. Exatamente no ano em que o diretor encenava Parsifal em Bayreuth. Naquele momento, ele teria dito que depois de Bayreuth desenvolveria um câncer. Mais tarde, ele viria a se enfurecer contra a "música da morte", a "música perigosa", que não celebra a vida, mas sim a morte. E passou a temer, assim, a morte por causa de Wagner e "da loja fascista que é Bayreuth".

Por fim, resume o jornal, "isso tinha que acontecer: logo Schlingensief, que em sua arte se deixou infectar como poucos pelas imagens da história alemã, acredita agora que vai morrer em consequência da mais alemã das artes, a arte de Richard Wagner".

Autora: Soraia Vilela

Revisão: Alexandre Schossler

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