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Scholz: "Guerra da Rússia contra Ucrânia pôs fim a uma era"

5 de dezembro de 2022

Chanceler federal, que foi criticado por hesitação inicial em responder à invasão da Ucrânia, defende atuação da Alemanha como "garantidora da segurança europeia" após fim de três décadas de relativa paz.

Olaf Scholz
"A história do meu país faz com que ele tenha uma responsabilidade especial de lutar contra as forças do fascismo, autoritarismo e imperialismo", afirmou Olaf ScholzFoto: Michael Sohn/AP Photo/picture alliance

Num artigo de opinião publicado nesta segunda-feira (05/12) pela revista americana de relações internacionais Foreign Affairs, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, afirmou que o mundo enfrenta uma Zeitenwende (mudança dos tempos) ou "mudança tectônica de época".

"A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia pôs um fim a uma era. Novas potências surgiram ou reemergiram, incluindo uma China economicamente forte e politicamente assertiva. Neste novo mundo multipolar, diferentes países e modelos de governo estão competindo por poder e influência", escreveu no artigo intitulado O Zeitenwende global: 
Como evitar uma nova guerra fria em uma era multipolar
.

O texto foi publicado ao fim de um ano que a Alemanha enfrentou críticas de aliados como Ucrânia, Polônia e EUA sobre uma série de questões relacionadas à defesa – dos gastos domésticos com defesa até a hesitação em enviar armas para a guerra na Ucrânia e projetos de infraestrutura como o gasoduto russo-alemão Nord Stream 2.

Scholz afirmou que a Alemanha está "fazendo tudo o que pode para defender e fomentar uma ordem internacional baseada nos princípios da Carta da ONU".

"A história do meu país faz com que ele tenha uma responsabilidade especial de lutar contra as forças do fascismo, autoritarismo e imperialismo", escreveu. "Ao mesmo tempo, nossa experiência de ficarmos divididos ao meio em um contexto ideológico e político nos fornece um entendimento particular sobre os riscos de uma nova guerra fria."

Scholz afirmou que os alemães estão "empenhados em se tornar os garantidores da segurança europeia que nossos aliados esperam que sejamos, um construtor de pontes dentro da União Europeia e um defensor de soluções multilaterais para problemas globais". 

Scholz havia usado a expressão Zeitenwende pela primeira vez no Bundestag (Parlamento alemão) em 27 de fevereiro, quando falou sobre o pacote de gastos de defesa de 100 bilhões de euros anunciado à luz da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Retorno da Rússia ao imperialismo

Scholz destacou as três décadas desde a queda da Cortina de Ferro como um tempo de "relativa paz e prosperidade" e falou sobre como "corajosos cidadãos de todo o mundo" se livraram de regimes ditatoriais e de partido único.

"Duas guerras mundiais devastadoras e uma grande quantidade de sofrimento – muito dele causado pelo meu país – foram seguidos por mais de quatro décadas de tensão e confrontação à sombra de uma possível aniquilação nuclear", escreveu o líder alemão.

Após a queda do Muro de Berlim, havia esperança de que a Rússia "se tornaria um parceiro do Ocidente em vez do adversário que a União Soviética havia sido", disse. Estados europeus reduziram seus gastos com defesa sob o argumento de que um grande exército não é necessário quando "vizinhos aparentam ser amigos". 

Esse contexto , segundo Scholz, também explica por que empresas alemãs buscaram aprofundar as relações com a Rússia, "com seus vastos recursos de energia e outras matérias-primas", até porque a União Soviética havia sido "um fornecedor confiável durante a Guerra Fria".

Scholz ressaltou como, em vez de ver a queda do regime comunista como uma "oportunidade para mais liberdade e democracia", o presidente russo, Vladimir Putin, classificou o ocorrido como "a maior catástrofe geopolítica do século 20".

E foi então que "autoritarismo e ambições imperialistas" começaram a reaparecer, afirmou Scholz. O líder alemão remeteu a um discurso de Putin em 2007, antes da Conferência de Segurança de Munique, em que o presidente russo se referiu à "ordem internacional baseada em regras como um mero instrumento do domínio americano".

Scholz afirmou que, desde a anexação ilegal da Crimeia, a Rússia tornou "impossível que a diplomacia tivesse sucesso", e que a invasão da Ucrânia em fevereiro sinalizou um retorno ao imperialismo.

Para o chanceler federal alemão, o impacto da atual guerra russa vai além da Ucrânia. "Quando Putin ordenou o ataque, destruiu uma arquitetura de paz europeia e internacional que levou décadas para ser construída."

"Sob a liderança de Putin, a Rússia desafiou até mesmo os princípios mais básicos do direito internacional consagrados na Carta da ONU: a renúncia ao uso da força como meio de política internacional e o compromisso de respeitar a independência, a soberania e a integridade territorial de todos os países. Agindo como uma potência imperial, a Rússia procura agora redesenhar fronteiras pela força e dividir o mundo, mais uma vez, em blocos e esferas de influência", afirmou.

Mudança na política de segurança da Alemanha

O mundo precisa deter Putin, disse Scholz. "O imperialismo revanchista da Rússia deve ser detido", afirmou, apontando que a Alemanha deverá agora desempenhar um papel crucial.

O país deve se tornar um dos principais provedores de segurança na Europa, investindo em suas forças armadas, fortalecendo a indústria de defesa europeia e a presença militar no flanco oriental da Otan e treinando e equipando as forças armadas da Ucrânia.

Scholz disse que agora a questão que deve guiar a estratégia de segurança nacional da Alemanha é que ameaças o país e seus aliados precisam enfrentar na Europa. A Rússia seria a ameaça mais imediata, com "potenciais ataques em território aliado, guerras cibernéticas e até mesmo a remota possibilidade de um ataque nuclear".

O líder alemão destacou que uma das primeiras decisões que seu governo tomou após o ataque da Rússia contra a Ucrânia foi designar um fundo especial de 100 bilhões de euros para equipar melhor suas forças armadas, a Bundeswehr.

"Até mudamos nossa constituição para criar esse fundo. Essa decisão marca a mudança mais radical na política de segurança alemã desde a criação da Bundeswehr, em 1955", apontou. " O objetivo é uma Bundeswehr na qual nós e nossos aliados possamos confiar. Para alcançá-lo, a Alemanha investirá 2% de nosso Produto Interno Bruto (PIB) em nossa defesa."

A "mudança de época" também fez com que a Alemanha mudasse sua política em relação à exportação de armas, afirmou, sem mencionar que o país foi criticado por demorar a ajudar a Ucrânia. "Pela primeira vez na história recente da Alemanha, estamos fornecendo armas para uma guerra travada entre dois países", disse. "A Alemanha vai manter seus esforços para apoiar a Ucrânia enquanto for necessário."

Governos dos EUA desde o de George W. Bush vinham pressionando a Alemanha para aumentar os gastos com defesa. Apesar da promessa de gastar 2% do PIB em defesa, o think tank Instituto Econômico Alemão (IW) prevê que o país europeu vai continuar sem atingir essa marca, provavelmente até 2026.

Mensagem clara para Moscou

Scholz enfatizou que "as ações da Otan não devem levar a um confronto direto com a Rússia", mas que a aliança deve ser um impedimento para a hostilidade russa.

"Nossa mensagem para Moscou é muito clara: estamos determinados a defender cada centímetro do território da Otan contra qualquer possível agressão", afirmou, repetindo o mantra da aliança de que um ataque a um membro seu seria considerado um ataque a todos.

Além disso, Putin queria dividir a Europa, mas a guerra fez com que a União Europeia (UE) avançasse, com Ucrânia e Moldávia recebendo status de candidatos à adesão ao bloco, apontou.

A guerra de Putin não apenas uniu a UE, a Otan e o G7 em oposição à agressão russa, como também "catalisou mudanças na política econômica e energética que prejudicarão a Rússia a longo prazo e darão um impulso à transição vital para a energia limpa", ressaltou Scholz.

Poder crescente da China

Scholz disse não compartilhar da visão de que há uma nova guerra fria no horizonte com os Estados Unidos se opondo à China.

"Em vez disso, acredito que o que estamos testemunhando é o fim de uma fase excepcional da globalização, uma mudança histórica acelerada, mas não inteiramente resultante de choques externos, como a pandemia de covid-19 e a guerra da Rússia na Ucrânia", escreveu.

"Durante essa fase excepcional, a América do Norte e a Europa experimentaram 30 anos de crescimento estável, altas taxas de emprego e baixa inflação, e os Estados Unidos se tornaram a potência decisiva do mundo", disse, apontando que os EUA devem manter esse papel no século 21.

"Mas durante a fase de globalização pós-Guerra Fria, a China também se tornou um ator global", apontou Scholz. "A ascensão da China não justifica isolar Pequim ou frear a cooperação", disse o chanceler, ao mesmo tempo que "o poder crescente de Pequim não justifica reivindicações de hegemonia na Ásia e além".

Tempos de paz não precisam ser "raros interlúdios"

Scholz afirmou que Putin e outros tentarão minar democracias europeias com campanhas de desinformação, o que reforça a importância de uma Europa unida.

"Nosso objetivo hoje é cerrar fileiras em áreas cruciais nas quais a desunião tornaria a Europa mais vulnerável à interferência estrangeira. Crucial para essa missão é a cooperação cada vez mais estreita entre a Alemanha e a França, que compartilham a mesma visão de uma UE forte e soberana", afirmou.

Scholz concluiu seu artigo dizendo que os tempos de paz não precisam ser "raros interlúdios". "Períodos de relativa paz e prosperidade na história humana, como o que a maioria do mundo viveu no início da era pós-Guerra Fria, não precisam ser raros interlúdios ou meros desvios de uma norma histórica na qual a força bruta dita as regras. E embora não possamos voltar atrás no tempo, ainda podemos voltar atrás na maré da agressão e do imperialismo", afirmou.

lf (DW, DPA, Reuters, ots)

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