Secretário dos EUA evita Brasil em giro pela América do Sul
15 de outubro de 2021
País ficou de fora da primeira viagem à região do chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken. Anúncio ocorre semanas depois de senadores americanos cobrarem secretário sobre investidas de Bolsonaro contra a democracia.
Anúncio
Em mais um sinal de isolamento internacional, o Brasil ficou de fora do roteiro da primeira viagem do secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, à América do Sul. Em vez de visitar o maior país da região, o chefe da diplomacia americana viajará ao Equador e à Colômbia nos dias 19 a 21 de outubro, anunciou sua pasta nesta sexta-feira (15/10).
A agenda de Blinken vai incluir encontros com o presidente do Equador, Guillermo Lasso, e o presidente colombiano, Iván Duque. Na pauta dos encontros estarão temas como imigração, combate ao narcotráfico, direitos humanos, mudanças climáticas e assuntos comerciais, segundo o Departamento de Estado dos EUA.
Antes de viajar à América do Sul, Blinken já havia visitado o México e a Costa Rica.
A decisão de não incluir um país como o Brasil no roteiro parece evidenciar que a Casa Branca sob o presidente Joe Biden ainda procura manter distância do governo de Jair Bolsonaro, embora evitando o confronto direto.
Os dois nunca se encontraram, e Biden evitou ter qualquer contato com Bolsonaro durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, no mês passado.
Bolsonaro foi o último chefe de Estado do G20 a reconhecer a vitória eleitoral de Biden nas eleições americanas, depois de até mesmo adversários dos EUA, como o russo Vladimir Putin. Além disso, o brasileiro, que é um fã declarado de Donald Trump, o antecessor de Biden, chegou a afirmar – sem provas – que o democrata só ganhou o pleito por causa de fraudes.
Os americanos até fizeram alguns gestos tímidos de aproximação, mas se depararam com o estilo errático do governo Bolsonaro.
Em agosto, o principal assessor de segurança do governo Biden, Jake Sullivan, esteve em Brasília e se reuniu com o presidente brasileiro. Mas, segundo o jornal O Globo, Bolsonaro deixou a comitiva americana atordoada ao reafirmar sua convicção de que o ex-presidente Trump foi vítima de uma fraude eleitoral. Além disso, os americanos teriam manifestado preocupação com as investidas de Bolsonaro contra as instituições democráticas.
Segundo a revista Veja, os americanos ainda encararam como provocação o fato de Bolsonaro fazer novas ameaças contra o Supremo Tribunal Federal um dia após o encontro.
Anúncio
Alertas de parlamentares americanos
No mesmo mês, membros do Comitê de Relações Exteriores do Senado americano enviaram uma carta pública a Blinken alertando sobre a ameaça de Bolsonaro liderar um golpe de Estado.
"Pedimos que o senhor deixe claro que os Estados Unidos apoiam as instituições democráticas do Brasil e que um rompimento antidemocrático da atual ordem constitucional terá graves consequências", afirmou o documento assinado pelo presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Bob Menendez, juntamente com os senadores Dick Durbin, Ben Cardin e Sherrod Brown.
Na quinta-feira, foi a vez de um grupo de 64 deputados democratas enviar uma carta a Biden pedindo que o status do Brasil de aliado extra-Otan seja retirado enquanto Bolsonaro estiver no poder. O status foi concedido pelo governo Trump em 2019, quando os EUA ainda mantinham uma relação próxima com o governo brasileiro, embora não tão próxima como Bolsonaro propagandeava.
"Bolsonaro apoiou as declarações falsas de [Donald] Trump sobre fraude na eleição e foi um dos últimos líderes globais a reconhecer sua vitória eleitoral, o que põe em dúvida a disposição dele de aceitar os resultados da eleição brasileira em 2022", escreveram os 64 deputados.
Países europeus também mantêm distância
Os EUA não são o único país a manter distância de Bolsonaro. Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, não foi recebido pelo governo francês quando foi a Paris para uma reunião ministerial da OCDE, mesmo solicitando um encontro, segundo o jornalista Jamil Chade.
O governo alemão, por sua vez, evitou convidar Bolsonaro ao país europeu e chegou a cancelar projetos ambientais na nação sul-americana. A chanceler federal Angela Merkel não visitou o Brasil desde que Bolsonaro tomou posse.
Dois de seus ministros chegaram a ir a Brasília em 2019, incluindo o chefe da diplomacia alemã, Heiko Maas, mas os representantes alemães contrabalancearam a visita agendando encontros com membros da sociedade civil, ONGs e até mesmo um governador filiado ao PT.
jps/ek (ots)
As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance