Quanto mais se aproximam as eleições, mais evidente fica o vazio que Merkel deixa para trás. Sem a chanceler, a CDU parece um partido de homens velhos com uma agenda política sem imaginação, escreve Astrid Prange.
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O que aconteceu com o partido de Angela Merkel? Desde a retirada anunciada da chanceler federal da política, a conservadora CDU tem sofrido um ataque de fraqueza após o outro. Será que Merkel não estaria deixando para trás só um país inteiro mas também seu próprio partido como órfãos?
Uma coisa é certa: o candidato conservador a chanceler Armin Laschet está desabando nas pesquisas de intenção de voto. Desde julho, ele e seu partido perderam dez pontos percentuais, caindo de 30% para 20%.
Mas a crise dos conservadores surpreende só na aparência. Porque quanto mais próximas estão as eleições parlamentares de 26 de setembro, mais claro será o vazio que Merkel deixa para trás. Sem uma mulher à frente, os democratas-cristãos parecem um grupo de senhores grisalhos que procuram manter o mundo de ontem.
Cotas para mulheres
Enquanto Merkel administrava uma crise após a outra, seu partido resistia persistentemente às mudanças políticas e sociais: cotas para mulheres? Não, melhor é voluntariamente! Limite de velocidade? Não nas autoestradas alemãs! Política climática? Importante, mas por favor, não se precipitem! Digitalização? A pandemia cuida disso.
Merkel vai, e o que fica é um clube de líderes homens que querem um mundo diferente, mas não podem desfazer os 16 anos de Merkel. Um partido que não reflete em suas fileiras de forma representativa grupos sociais importantes – mulheres, jovens eleitores e migrantes – e que, portanto, não vai atrair votos desses grupos.
Merkel sim, CDU não
Para muitos jovens, a chanceler era digna de voto, mas seu partido, não. Por muito tempo, Merkel atraiu uma proporção excepcionalmente alta de votos de jovens eleitores para a CDU.
Nas eleições parlamentares de 2017, a proporção de eleitores da CDU na faixa etária de 18 a 24 anos era de 24%, de acordo com o instituto de pesquisa eleitoral Infratest Dimap. É improvável que o candidato a chanceler da aliança entre CDU e seu partido-irmão bávaro União Social Cristã (CSU), Armin Laschet, tenha o mesmo resultado com quem tem menos de 30 anos.
O mesmo se aplica ao eleitorado feminino: nas eleições gerais de 2017, significativamente mais mulheres (29,8%) votaram na CDU do que homens (23,5%). Por que elas continuariam a votar em um partido em que apenas 26% dos membros são mulheres e em cuja bancada parlamentar elas são apenas 17%?
Para efeito de comparação: 40% dos membros do Partido Verde são mulheres, e na bancada parlamentar a proporção de mulheres é de 58,2%. Apenas 4% das pessoas com mais de 70 anos votam nos verdes, 45% votam na CDU.
De repente, o partido fica nu sem Merkel. Em termos de nomes e conteúdo. Um retorno às chamadas questões centrais conservadoras não está à vista, pois muitas já foram decididas.
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Resistir é inútil
A resistência conservadora ao chamado casamento gay é inútil, porque está em vigor desde 1º de outubro de 2017. Aliás, como conservadora, Merkel votou contra, embora tenha possibilitado a votação no Bundestag.
A resistência de longa data a um salário mínimo também se tornou supérflua. Foi introduzido em janeiro de 2015 e, apesar de todas as previsões apocalípticas, não houve desemprego em massa na Alemanha desde então.
Até a luta contra as medidas de proteção climática, que supostamente prejudicam a economia e a indústria alemã, é defendida pela mais alta instância: em 29 de abril, o Tribunal Constitucional Federal decidiu que o governo deve reduzir as emissões de CO2 mais rápido do que o planejado.
A crise conservadora pesa sobre os democratas-cristãos. Eles sentem: ser conservador tem que ser mais do que a mera preservação do poder. Com seu pragmatismo político, Merkel esgotou essa estratégia, levando-a ao limite ideológico.
Esse legado político será um fardo pesado para os democratas-cristãos. De repente, o partido que produziu cinco dos oito chanceleres desde a fundação da República Federal da Alemanha, em 1949, e que, em 72 anos, governou por um total de 52, está ameaçado de perda de poder.
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Astrid Prange de Oliveira trabalhou como correspondente no Brasil e na América Latina por oito anos. Para a DW Brasil, ela escreveu a coluna Caros Brasileiros durante três anos. Agora, com a coluna Alemanha vota ela retorna como observadora da campanha eleitoral alemã. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
Angela Merkel na mídia: de Hitler a Madre Teresa
Em capas de jornais e revistas de vários países, a líder alemã já foi retratada de diversas maneiras, de "exterminadora do futuro" a "chanceler do mundo livre". Merkel polariza, como mostra esta seleção de capas.
Foto: Adrian Bradshaw/dpa/picture alliance
"Amizade" entre Merkel e Rajoy
Em 2011, na crise do euro, a revista satírica espanhola "El Jueves" mostrou a chanceler federal alemã como uma dominatrix. "Ferro ou chicote?", pergunta ela, com um ferro em brasa em forma do símbolo do euro na mão, ao então chefe de governo espanhol Mariano Rajoy. "Depende", responde ele. Com a caricatura, a revista criticava as rígidas condições impostas por Merkel para ajudar a Espanha.
Foto: el jueves
Alusão a Hitler
Da mesma forma como a Espanha, a Grécia também mergulhou profundamente na crise do euro. Fortemente endividada, ela dependeu de ajuda financeira externa. Angela Merkel assegurou o apoio, mas exigiu em troca medidas duras de austeridade. A imprensa grega, como o jornal diário "Democracia" de 9 de fevereiro de 2012, traçou paralelos com a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Panagiotou
Merkel no campo de concentração
As referências ao regime nazista foram usadas não só na Grécia, mas também na imprensa polonesa. Em 2013, a revista semanal de direita "Uwazam Rze" retratou Merkel como uma presa de campo de concentração. A acusação: uma série da emissora de TV pública ZDF teria falsificado a história da 2ª Guerra, especialmente em relação ao exército polonês AK, e estilizado os alemães como vítimas.
Foto: BARTLOMIEJ ZBOROWSKI/dpa/picture alliance
"Pokerface" em Pequim
Esta capa já é bem mais sóbria: Merkel com um olhar penetrante e o rosto impassível. "Pokerface" (cara de paisagem) é a manchete desta revista chinesa de dezembro de 2011, que sugere um certo respeito pela chefe de governo. Ela foi publicada pouco antes da visita de Merkel à China, onde ela discutiu o papel de Pequim na estabilização da zona do euro com o premiê Wen Jiabao.
Foto: Adrian Bradshaw/dpa/picture alliance
Merkel, a exterminadora
Merkel não se livrará tão cedo da imagem de toda-poderosa. Em junho de 2012, a revista política britânica "New Statesman" a retratou como a perigosa máquina assassina do filme "O exterminador do futuro", com Arnold Schwarzenegger. De acordo com a revista, Merkel seria a líder alemã mais ameaçadora desde Adolf Hitler, ainda mais perigosa que governantes como o norte-coreano Kim Jong-Un.
Foto: dpa/picture alliance
Madre Teresa alemã
Em 2015, a imagem de Angela Merkel mudou abruptamente. Depois que a Hungria se recusou a acolher refugiados da guerra na Síria e diante da ameaça de uma catástrofe humanitária, Merkel abriu as portas para os migrantes. Sua frase "Nós vamos conseguir!" entrou para a história e deu grande popularidade a Merkel, especialmente no exterior. A revista "Der Spiegel" a chamou de "Mãe Angela".
Foto: SPIEGEL
Se ao menos ela fosse francesa...
A imagem ruim de Angela Merkel dos tempos da crise do euro já é coisa do passado. No exterior, ela agora é celebrada por sua humanidade, o que a distingue de outros políticos. Em 2015, a revista francesa "Le Point" publicou o título: "A incrível madame Merkel. Se ao menos ela fosse francesa...", atestando sua transformação de madame "rígida" para uma madame "generosa".
Foto: Le Point
Chanceler em um mundo livre
No mesmo ano, a revista "Time" elegeu Angela Merkel "Personalidade do Ano" e a elogiou como "chanceler federal do mundo livre". Segundo a revista, Merkel usa sua misericórdia como arma. Com a pintura publicada na capa, o artista Colin Davidson, da Irlanda do Norte, quis capturar "um pouco da compaixão e humanidade da chanceler federal".
Foto: picture-alliance/AP Photo/Time Magazine
Visão polonesa inalterada
Compaixão e bondade continuam não sendo atributos conferidos a Angela Merkel na Polônia. A revista semanal "Wprost" teve a manchete "Eles querem voltar a controlar a Polônia", e mais uma vez fez uma comparação com Hitler. A foto de Merkel rodeada por importantes representantes da União Europeia alude a uma foto histórica de Hitler com seus asseclas.
Foto: Maciej Chmiel/dpa/picture alliance
Merkel, a "pirata jamaicana"
A União Democrata Cristã (CDU), partido de Angela Merkel, sofreu pesadas perdas nas eleições federais de 2017, devido à forma como ela conduziu a crise dos refugiados. Na busca por parceiros no governo, a CDU/CSU sondou o Partido Liberal Democrata e os verdes. As cores dos partidos lembram a bandeira da Jamaica, por isso se falou em "Coalizão Jamaica", e a imprensa alemã se deliciou com o tema.
Foto: John MacDougall/AFP/Getty Images
O fim de uma era
Após 16 anos no governo, ela resolveu se aposentar. Na mídia e em livros, lê-se agora com frequência sobre o "fim de uma era". Como na biografia de Merkel escrita por Ursula Weidenfeld, "Die Kanzlerin - Porträt einer Epoche" (A chanceler federal - Retrato de uma época, em tradução livre). O que virá depois de Angela Merkel será decidido nas eleições legislativas alemãs de 26 de setembro.