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Sem testes, equipes que atendem indígenas temem tragédia

30 de abril de 2020

Apenas alguns Distritos de Saúde Indígena receberam testes rápidos para o coronavírus, pouco precisos. Médicos relatam medo de contaminar indígenas e questionam necessidade de manter atendimento regular nas aldeias.

Aldeia indígena
A DW Brasil apurou que faltam testes rápidos em diversos DSEIs da região NorteFoto: Ádon Bicalho/IPAM

As equipes médicas vinculadas à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que atuam nas aldeias não estão sendo testadas clinicamente para o novo coronavírus. Alguns Distritos de Saúde Indígena (DSEIs) receberam testes rápidos – que não oferecem a precisão necessária para detectar todos os casos assintomáticos. Profissionais que atuam na linha de frente da saúde indígena relataram à DW Brasil terem medo de transmitir o vírus aos indígenas e provocar uma tragédia.

O quadro é especialmente preocupante entre os povos de recente contato, que ainda viviam isolados da sociedade até pouco tempo atrás. Por não terem sido expostos a "doenças de branco", como a gripe, seus corpos não possuem memória imunológica e têm grande dificuldade para responder a uma infecção viral com efeitos tão graves como os decorrentes da covid-19, a doença respiratória causada pelo novo coronavírus.

Ante essa vulnerabilidade, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou, neste mês, que a Sesai se estruture para realizar testes clínicos, do tipo PCR, antes da entrada dos profissionais de saúde em áreas indígenas. Em resposta ao MPF, a secretaria disse não ter capacidade de processar kits de exames laboratoriais algo que só é feito pelos laboratórios de referência do Sistema Único de Saúde (SUS).

O procurador federal Gustavo Kenner (MPF-PA), que assina a recomendação, admite dificuldades logísticas para a realização dos testes clínicos. No Pará, estado onde atua, somente a capital, Belém, dispõe de laboratório para processamento. Apesar das limitações, Kenner defende a implementação de estruturas que possibilitem, ao menos, a coleta dos exames nos locais atendidos pelos DSEIs.

"Isso precisa ser garantido, inclusive para evitar que os indígenas precisem se deslocar das aldeias até as cidades quando precisarem ser testados, o que aumenta o risco de exposição", afirma o procurador. "O teste rápido é um grande problema hoje. A testagem negativa ainda tem muita falha. Sendo assim, uma pessoa infectada pode ser liberada para entrar na aldeia por um resultado falso."

Procurada pela reportagem da DW Brasil para comentar a recomendação do MPF, a Sesai limitou-se a afirmar que enviou 10.380 unidades de testes rápidos para covid-19 aos 34 DSEIs. A Secretaria informou que a prioridade é testar os profissionais que vão entrar em áreas indígenas e que isso tem sido feito à medida que as equipes são destacadas para atuar nas aldeias.

A DW Brasil apurou, nos últimos dias, que faltavam testes rápidos em diversos DSEIs da região Norte. Mesmo assim, as equipes continuavam a entrar nas aldeias. Há locais que receberam os testes, mas pararam de usar, por constatarem o risco de falso diagnóstico. Profissionais denunciam, ainda, a ausência de planos de contingência para a pandemia.

Casos entre indígenas

De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pela Sesai, às 15h desta terça-feira (28/04), havia 92 casos confirmados de infecção pela covid-19 entre indígenas. A Secretaria contabiliza, ainda, 26 casos suspeitos e outros 54 de cura clínica.

O estado do Amazonas concentra quase a totalidade dos casos. Manaus, que vive colapso no sistema de saúde, era o principal foco de contaminação entre indígenas até o fim da semana passada, quando houve um aumento vertiginoso dos casos na região do Alto Solimões, onde há 42 casos confirmados, quase metade do total apurado pela Sesai entre indígenas de todo o país.

Um almoço de confraternização na casa de um indígena da etnia kokama levou à contaminação de outros 31 moradores da Aldeia São José, no município de Santo Antonio do Içá, o que impulsionou a escalada de casos no Alto Solimões. A contaminação de uma agente de saúde na comunidade, no final de março, representou o primeiro caso de coronavírus entre indígenas no Brasil.

Acredita-se que ela tenha sido infectada por um médico do DSEI que atende à região, diagnosticado com a doença após retornar de férias. A rotatividade dos profissionais de saúde indígena nas aldeias é o principal fator de preocupação, devido à dificuldade de assegurar que não tenham contato com a doença no período de folga.

A escala dos médicos é de 15 dias nas aldeias e outros 15 de descanso. Os profissionais retornam para suas casas no período de folga, sendo que muitos vivem em municípios distantes dos locais de atuação, o que aumenta a exposição ao vírus. No início da pandemia, a Sesai determinou uma ampliação do período em área para 30 dias, a fim de reduzir os movimentos de entrada e saída das aldeias. Porém, devido à falta de estrutura em muitas delas, os profissionais conseguiram na Justiça o retorno à escala original.

O médico sanitarista Douglas Rodrigues, que atua no Parque Indígena do Xingu há mais de três décadas, ressalta as dificuldades do subsistema de atenção à saúde indígena para garantir a proteção dos profissionais no período fora da aldeia. "A quarentena dos profissionais de saúde indígena é ainda mais importante que a testagem. Mas como prender uma pessoa por sete ou 14 dias, considerando que há deficiência de equipe? E mais: vai fazer quarentena onde?", questiona.

Por ficarem imersos na aldeia durante o período de atendimento, os profissionais que atuam nas aldeias têm maior ansiedade para fazer atividades externas quando retornam às suas casas, explica um médico que trabalha junto a comunidades indígenas do Pará e preferiu não ser identificado.

"Os DSEIs recomendaram 14 dias em casa antes de entrar na comunidade. Depois de passar duas semanas na aldeia, é difícil imaginar que a pessoa não vá sair um dia para ir ao supermercado ou visitar um parente. Tem ainda o convívio com a própria família em casa, outro risco de transmissão", comenta.

Considerando as limitações de testagem e garantia de quarentena dos profissionais, a médica Marina Corradi, que acompanha o trabalho de 16 supervisores do programa Mais Médicos no Pará e Amapá, questiona a necessidade de manter o atendimento regular nas aldeias durante a pandemia.

"A entrada do homem branco em comunidade indígena levará, em algum momento, ao coronavírus. É possível manter contato por rádio ou internet com o cacique ou alguma referência da aldeia para nos acionar caso surgisse um caso suspeito. Nessa situação, seria possível fazer um atendimento pontual", opina.

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