Sete perguntas sobre o futuro do processo de impeachment
Jean-Philip Struck9 de maio de 2016
Presidente interino da Câmara anula votação de abertura da ação de impedimento, mas líder do Senado diz que vai ignorar decisão. O que acontece agora com o impeachment de Dilma Rousseff?
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Em uma reviravolta inesperada nesta segunda-feira (09/05), o presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), determinou a anulação da votação do impeachment realizada no plenário na Casa. A notícia caiu como uma bomba em Brasília e imediatamente gerou dúvidas sobre suas implicações.
Confira algumas delas:
O impeachment foi anulado?
Não. Em sua decisão, Maranhão derrubou apenas as sessões do plenário da Câmara realizadas entre os dias 15 e 17 de abril, que incluíram a votação pela admissibilidade do processo de impeachment. Na ocasião, o governo perdeu por 367 votos a 137. Tudo o que ocorreu antes, inclusive os trabalhos da comissão especial, está mantido. Maranhão também pediu que o Senado reenvie o processo à Câmara para organizar uma nova votação a partir do prazo de cinco sessões.
O que o Senado pretende fazer? A votação desta quarta-feira será mantida?
A princípio, sim. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pretende ignorar a decisão. Ele chamou a anulação de "brincadeira com a democracia". A tramitação do processo – que chegou ao Senado em 18 de abril – continua seguindo normalmente, como se a decisão de Maranhão nunca tivesse sido tomada. A leitura em plenário do parecer do relator da comissão do impeachment, Antonio Anastasia, prevista para esta segunda-feira, está mantida. Ela vai marcar o início da contagem de 48 horas para que o plenário vote o documento, que pode resultar no afastamento temporário de Dilma.
O passo a passo do impeachment
03:07
Como o presidente do Senado detém mais poderes que seu equivalente na Câmara para determinar o ritmo de tramitação, a pergunta é se até quarta-feira Renan vai mudar de posição e frear o andamento dos trabalhos.
O que está por trás da decisão?
Maranhão é um aliado do presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas não compartilha da opinião do seu antecessor sobre Dilma. No dia 17 de abril, ele votou contra o impeachment após atender um apelo do governador do seu Estado, Flávio Dino (PCdoB), de quem também é aliado.
Após Maranhão ser alçado ao cargo de presidente, com o afastamento de Cunha, surgiram especulações se ele usaria seu poder para atender um recurso apresentando pela Advocacia-Geral da União (AGU), que pedia a anulação do processo.
O recurso havia sido ignorado por Cunha, mas não havia sido arquivado. Durante o fim de semana, Maranhão se reuniu tanto com Dino como com o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo.
Surgiram também especulações de que Cunha poderia estar de alguma forma por trás do ato de Maranhão. Isso seria motivado por um desejo de tumultuar a Câmara após o seu afastamento e mostrar aos oposicionistas que ele ainda é necessário para uma eventual nova votação. Em nota divulgada nesta segunda, Cunha negou ter qualquer relação com o episódio e classificou a decisão de Maranhão de "absurda" e "irresponsável".
Quais são os argumentos de Maranhão para anular as sessões de votação?
O presidente interino apontou em sua decisão que os partidos políticos não poderiam ter firmado uma posição fechada sobre o impeachment, orientando suas bancadas. Segundo Maranhão, os deputados "deveriam votar de acordo com as suas convicções pessoais e livremente".
O deputado também disse que seus colegas não poderiam ter "anunciado publicamente os seus votos, na medida em que isso caracteriza prejulgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa". Por fim, Maranhão apontou que a defesa de Dilma deveria ter recebido a oportunidade de falar por último no momento da votação, o que não ocorreu.
As justificativas para a anulação têm fundamentos sólidos?
Segundo Rubens Glezer, professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), os fundamentos são fracos. "Ele não pode argumentar que os deputados não eram livres para votar. Muitos contrariaram suas bancadas. Reclamar que os deputados divulgaram seus votos antes da votação não faz sentido. É parte das tarefas de um deputado divulgar seu voto", afirmou
O próprio Maranhão anunciou seu voto dois dias antes da votação do impeachment e votou contra a orientação da sua sigla, que fechou pelo impeachment.
Posteriormente, o PP retaliou Maranhão por seu voto a favor de Dilma e o destituiu do comando do diretório maranhense da sigla. "Os partidos punirem seus membros por infidelidade é uma questão interna. Faz parte do jogo. E o argumento da defesa faria mais sentido no Senado, que vai efetivamente julgar Dilma", afirmou Glezer.
Muitos deputados afirmaram ao longo do dia que Maranhão não poderia ter anulado uma decisão do plenário e apontaram que a decisão da maioria dos deputados é soberana. Para Glezer, o problema não está aí.
"O presidente da Câmara tem espaço de manobra para determinar a anulação de uma sessão do plenário. Não importa até se ele é interino. Por exemplo, ele pode ver que existe algum problema como o quórum. A questão está na fundamentação da anulação, que é fraca", afirmou.
Que caminho os políticos e partidos que desejam derrubar Dilma vão seguir?
Vários deputados e partidos já anunciaram que vão entrar com mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubar a decisão.
Outros deputados discutem se ainda é possível derrubar a decisão de Maranhão dentro da própria Câmara por meio de um recurso em plenário, o que pode dispensar o Judiciário. O PPS, que apoia o impeachment, afirma que vai tentar esse caminho.
O STF vai se posicionar em relação ao ato de Maranhão?
Segundo a professora de direito constitucional Eloísa Machado, da FGV-SP, o STF tem preferido não interferir nos trabalhos do Congresso, mas neste caso deve se posicionar por causa da magnitude da decisão. "Desde o início do impeachment, o STF tomou rapidamente decisões para alterar algo ou declarar que tal coisa é um assunto interno do Congresso. E, em todos os casos, manteve na prática o curso do impeachment. É muito improvável que ele endossem a anulação", afirmou.
Glezer concorda. "Se o assunto se resolver dentro da Câmara, é o melhor dos mundos. Mas, se o STF tiver que intervir, os ministros vão dar uma resposta rápida. É muito difícil que essa decisão se mantenha em pé no tribunal por causa dos seus fundamentos", afirma.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.