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ConflitosSudão

"Situação dramática no Sudão ameaça, sobretudo, crianças"

Andrea Grunau
21 de abril de 2023

Voluntária alemã da ONG Save the Children em Cartum relata à DW as dificuldades para população civil, em meio à disputa de poder que prejudica o abastecimento de água, alimentos e medicamentos.

Grupo de mulheres e crianças caminha em rua com seus pertences fugindo dos conflitos na capital sudanesa, Cartum
"As vidas das pessoas, em especial, das crianças, está em perigo, por que eles não recebem mais tudo o que precisam", disse Von SchroederFoto: AFP

O Exército e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR) se enfrentam em uma brutal disputa pelo poder no Sudão. O confronto ameaça as vidas e os recursos da população civil.

A alemã Katharina von Schroeder trabalha para a ONG Save the Children na capital, Cartum. Quando os combates começaram, ela praticava esportes com seu filho de oito anos de idade e outras famílias em uma escola, onde permaneceram desde então.

As iniciativas em busca de um cessar-fogo fracassaram repetidas vezes, assim como uma tentativa das Forças Armadas de retirar os alemães no país.

Von Schroeder relatou à DW as dificuldades para a população civil em meio a falta de recursos básicos como alimentos, medicamentos e energia elétrica.

DW: como está a situação em Cartum e como estão vocês na escola?

Katharina von Schroeder: Esta manhã tivemos uma pausa bastante curta, mas logo tudo começou novamente. Ouvimos muitos ataques aéreos e sons de combates por todos os lados. Podemos ouvir confrontos um pouco mais longe também. A preocupação é se isso poderá mudar. Até agora, estivemos um pouco distantes, mas suficientemente próximos, e tivemos algumas balas perdidas que ricochetearam aqui. 

Ficamos tensos e preocupados com colegas de trabalho onde os confrontos ocorreram em frente a suas portas. Cartum é construída ao redor do aeroporto, é por isso que a luta ao redor do aeroporto no centro da cidade é tão dramática, com áreas residências bem ao lado. Há muitos buracos de bala nas casas, civis mortos e muitos feridos.

"Se não estivesse com meu filho, provavelmente ficaria aqui, como muitos de meus colegas, por que, é claro que há muito trabalho a ser feito", diz Katharina von Schroeder Foto: Privat

Aqui na escola há um porão. Quando há um ataque, vamos todos lá para baixo, onde nos sentimos um pouco mais seguros e onde não se escuta muito os ruídos, o que é bom para as crianças e para nós também. Aguardamos até que termine. Soube de alguém que saiu de casa para ver como estava a situação e acabou sendo baleado. Mesmo que você não seja um alvo, a situação é simplesmente muito caótica.

Como está a situação do abastecimento?

Está muito ruim, o fornecimento de energia falhou em vários lugares e muitos hospitais não atendem mais. O mais dramático é que existem somente dois hospitais especializados em crianças e ambos foram evacuados por motivos de segurança. Isso significa que todos os cuidados especializados para as crianças não estão mais funcionando. Um desses hospitais tinha insulina para todas as crianças com diabetes do país.

Há outros medicamentos que estragam pela falta de eletricidade, e que são urgentemente necessários. Tínhamos alguns estoques para as crianças de nossa escola. Aqui, o abastecimento de água ainda não foi cortado, como em muitas partes da cidade onde a canalização foi destruída nos combates.

As lojas, quando abrem, é somente por pouco tempo. A comida está ficando escassa porque não há abastecimento. Praticamente todos os serviços essenciais não estão mais disponíveis. Os sudaneses me contam que tentam ir para o interior. Há muitas pessoas a caminho das áreas rurais.

O que você sabe sobre a situação em outras regiões?

Há combates em várias outras províncias. Nosso escritório no norte de Darfur foi saqueado. Muitas coisas foram roubadas, inclusive medicamentos. Há muito problemas. A situação da saúde vai ficando dramática. O sistema de saúde já não era bom anteriormente, motivo pelo qual a Save the Children trabalha aqui. Mas agora, a situação se torna muito mais drástica, porque ainda mais infraestruturas são destruídas e os medicamentos estão escassos. 

O que isso significa para o seu trabalho?

Temos 500 funcionários e trabalhamos normalmente em 14 das 18 províncias, no momento, somente em três ou quatro para atendimento de emergência. Mas, meus colegas trabalham fervorosamente e estão em contato com o Ministério da Saúde, uma vez que os cuidados médicos estarão entre as primeiras medidas de emergência.

Mas também, temos que garantir comida e nutrição para as crianças pequenas, o que não está sendo fornecido no momento. Logo que a situação se estabilizar nas províncias, voltaremos imediatamente ao trabalho. Mas, a situação agora é bastante extrema na maioria das regiões.

Qual é o seu maior temor em relação aos cuidados às pessoas, especialmente as crianças?

Creio que isso vá gerar situações de ameaça à vida em muitos lugares. Como efeito colateral dos combates, as vidas das pessoas, em especial, das crianças, estará em perigo, por que eles não mais recebem o que precisam. A Save the Children e outras organizações podem trabalhar somente de maneira limitada, o que é algo dramático. 

Consequências do conflito no Sudão ameaçam principalmente as criançasFoto: ASHRAF SHAZLY/AFP/Getty Images

Mesmo antes da escalada da violência, um terço da população do país era dependente de ajuda humanitária. Havia uma crise econômica extrema, assim como consequências da crise climática, especialmente no norte de Darfur e nas províncias do Mar Vermelho, além do conflito em Darfur que já dura décadas. Há 3,7 milhões de refugiados internos no pais.

Eu vivo no Sudão há sete anos. Há pessoas maravilhosas aqui, com potencial enorme. Infelizmente, isso continua sendo destruído.

O que você espera da comunidade internacional?

Espero que os que tenham influência sobre os atores os convençam a observar um cessar-fogo ou a parar os combates. Mas, eu sei que isso é extremamente difícil. Claro que se trata de ajudar a população o máximo possível, por que são eles os que mais sofrem. Eles não são os que estão combatendo e ainda têm que enfrentar as consequências.

Uma tentativa das Forças Armadas de retirar os alemães do Sudão fracassou. Você já sabe o que acontecerá com você?

A embaixada está constantemente em contato comigo. Eles nos deixam bem informados. Nós mesmo vimos que quando os aviões tentavam pousar, mísseis antiaéreos eram disparados. Teria sido amplamente irresponsável se eles viessem para Cartum. Vamos ficar aqui até que haja uma solução.

Como estou aqui com meu filho de oito anos, vou tomar parte na retirada, se essa opção estiver disponível. Se não tivesse a criança, provavelmente ficaria aqui, como muitos de meus colegas que não têm filhos, por que, é claro que há muito trabalho a ser feito. A Save the Children certamente continuará trabalhando.