Estima-se que pelo menos mil homossexuais se submetam anualmente à "terapia de conversão sexual" no país, orientados por líderes religiosos ou terapeutas. Mas Berlim está a caminho de banir a prática em nível nacional.
Anúncio
Desde criança, Mike F. sabia que era gay, mas, crescendo num meio cristão, era quase impossível aceitar sua sexualidade. "Acho que primeiro tomei consciência de que algo era diferente no jardim-de-infância. Mas, claro, eu não sabia o que isso queria dizer."
Durante anos ele relutou em compartilhar seus sentimentos em relação a outros garotos, optando por se esconder. Até que, aos 16 anos, teve seu primeiro encontro sexual com um homem: "Foi uma época boa da vida. Mas aí o conflito começou a crescer."
Morando em Bad Homburg, no sudoeste da Alemanha, Mike era membro ativo do clube cristão local, o que influenciava fortemente sua avaliação moral do mundo. "Eu me sentia em casa nos meios cristãos, onde se deixava bem claro: 'Deus não quer isso, você tem que levar outra vida. Como vai poder se apresentar diante de Deus? Isso é pecado mortal.'"
Aos 21 anos, por vontade própria, começou a se submeter à assim chamada "terapia de conversão sexual", que visa efetivamente reprimir a sexualidade de seus pacientes, geralmente crianças ou adolescentes. Alguns métodos empregados, como terapia de eletrochoque e técnicas de condicionamento de aversão, são considerados abusivos por grande parte da classe médica.
"Eu estava convencido que se rezasse com bastante força e me empenhasse bem, as coisas iam mudar", conta Mike. Ao iniciar a "cura gay", ele se comprometeu a cortar todo contato com amigos e parceiros homossexuais e manteve a abstinência sexual durante uma década. Até que a solidão o levou à beira do suicídio.
"Cheguei a um ponto em que não podia mais continuar", revela. Porém o suicídio de um amigo íntimo e sua própria profunda fé cristã o detiveram: "Eu pensei que, se tivesse ido adiante, não ganharia a vida eterna. Hoje consigo rir dessa besteira, mas, na verdade, foi a razão que me impediu de dar fim à minha vida."
A história de Mike F. não é uma anomalia na sociedade alemã. Segundo a Fundação Magnus Hirschfeld, ocorrem pelo menos mil casos de "terapia de conversão" por ano, não só orientada por líderes religiosos, mas também por psicoterapeutas.
No momento, os que a praticam na Alemanha não estão sujeitos a punição. Porém o ministro da Saúde, Jens Spahn, ele próprio casado com o editor Daniel Funke, está a caminho de tomar ação drástica para proibir a prática até o fim de 2019. "Homossexualidade não é uma doença e não requer tratamento", declarou no início do ano o político democrata-cristão.
Se a medida passar, a Alemanha será o quarto país do mundo e segundo da União Europeia a impor à "cura gay" uma proibição em âmbito nacional. Embora diversos Estados tenham regulamentações regionais e estaduais a respeito, apenas o Brasil, Equador e Malta a baniram integralmente.
Como muitos críticos, Mike teme que, apesar da interdição, o controvertido "tratamento" siga sendo praticado sob outra forma. Ainda assim, reconhece, é um passo na direção certa: "Acho importante, por exemplo, impor uma proibição para os jovens, excluindo a ação de médicos e terapeutas. Aí, esse absurdo vai acontecer bem menos."
Por hora, ele pode deixar o passado para trás e se concentrar nos preparativos finais para seu casamento, em agosto – algo inimaginável para ele 20 anos atrás.
"Não tenho amargor em relação a ninguém, nem aos meios cristãos, onde eu escutei e aprendi tudo, nem ao terapeuta. Na verdade, alguém da minha antiga paróquia me procurou para dizer – tiro o chapéu para ele – que lamentava o que aconteceu. Então, estou vendo que algo acontece; a mudança está a caminho."
A Austrália é o país mais recente do mundo a permitir legalmente o casamento de pessoas do mesmo sexo. Conheça alguns países onde a união homoafetiva é garantida por lei.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/O. Messinger
2001, Holanda
A Holanda foi o primeiro país do mundo a permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo depois que o Parlamento votou a favor da legalização, em 2000. O prefeito de Amsterdã, Job Cohen, casou os primeiros quatro casais do mesmo sexo à meia-noite do dia 1º de abril de 2001 quando a lei entrou em vigor. A nova norma também introduziu a permissão para que casais homoafetivos adotassem crianças.
Foto: picture-alliance/dpa/ANP/M. Antonisse
2003, Bélgica
A Bélgica seguiu a liderança do país vizinho e, dois anos depois da Holanda, legalizou o casamento de pessoas do mesmo sexo. A lei deu a casais homoafetivos muitos direitos iguais aos dos casais heterossexuais. Mas, ao contrário dos holandeses, os belgas não deixaram que casais gays adotassem. Esse direito foi garantido apenas três anos depois pela aprovação de uma lei no Parlamento.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/J. Warnand
2010, Argentina
A Argentina foi o primeiro país da América Latina a legalizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, quando 33 senadores votaram a favor da lei, e 27 contra, em julho de 2010. Assim, a Argentina se tornou o décimo país do mundo a permitir legalmente a união homoafetiva. Em 2010, Portugal e Islândia também aprovaram leis garantindo o direito ao casamento gay.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/L. La Valle
2012, Dinamarca
O Parlamento dinamarquês votou a favor da legalização do casamento gay em junho de 2012. O pequeno país escandinavo já havia aparecido nas manchetes da imprensa internacional quando se tornou o primeiro país do mundo a reconhecer uniões civis para casais gays, em 1989. Casais formados por pessoas do mesmo sexo também já podiam adotar crianças desde 2009.
Foto: picture-alliance/CITYPRESS 24/H. Lundquist
2013, Uruguai
O Uruguai aprovou uma lei eliminando a exclusividade de direitos de casamento, adoção e outras prerrogativas legais para casais heterossexuais em abril de 2013, um mês antes de o Brasil regulamentar (mas não legalizar) o casamento gay. Foi o segundo país sul-americano a dar esse passo, depois da Argentina. Na Colômbia e no Brasil, o casamento gay é permitido, mas não foi legalizado pelo Congresso.
Foto: picture-alliance/AP
2013, Nova Zelândia
A Nova Zelândia se tornou o 15º país do mundo e o primeiro da região Ásia-Pacífico a permitir casamentos homoafetivos em 2013. Os primeiros casamentos aconteceram em agosto daquele ano. Lynley Bendall (e.) e Ally Wanik (d.) estavam entre esses casais, com a união civil a bordo de um voo entre Queenstown e Auckland. No mesmo ano, a França também legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/Air New Zealand
2015, Irlanda
A Irlanda chamou atenção internacional em maio de 2015, quando se tornou o primeiro país do mundo a legalizar o casamento gay com um referendo. Milhares de pessoas comemoraram nas ruas de Dublin quando os resultados foram divulgados, mostrando quase dois terços dos eleitores optando a favor da medida.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/A. Crawley
2015, Estados Unidos
A Casa Branca foi iluminada com as cores da bandeira do arco-íris em 26 de junho de 2015. A votação no Supremo Tribunal dos EUA decidiu por 5 a 4 que a Constituição americana garante igualdade de casamento, um veredito que abriu caminho para casamentos homoafetivos em todo o país. A decisão chegou 12 anos depois que o tribunal decidiu pela inconstitucionalidade de leis criminalizando o sexo gay.
A Alemanha foi o 15º país europeu a legalizar o casamento gay no dia 30 de junho de 2017. A lei foi aprovada por 393 votos a favor e 226 contra no Bundestag (Parlamento alemão). Houve quatro abstenções. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, votou contra, mas abriu caminho para a aprovação quando, alguns dias antes da decisão, disse que seu partido poderia votar livremente a medida.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/O. Messinger
2017-2018, Austrália
Após uma pesquisa mostrando que a maioria dos australianos era a favor do casamento de pessoas do mesmo sexo, o Parlamento do país legalizou a união homoafetiva em dezembro de 2017. Os casais australianos precisam avisar as autoridades um mês antes do casamento. Assim, muitas pessoas se casaram logo depois da meia-noite de 9 de janeiro (2018), como Craig Burns e Luke Sullivan (na foto).
Foto: Getty Images/AFP/P. Hamilton
E no Brasil?
Na foto, as brasileira Roberta Felitte e Karina Soares posam após casarem em dezembro de 2013, no Rio. Em maio daquele ano, o Brasil regulamentou o casamento gay por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas, apesar de cartórios não poderem se recusar a casar pessoas do mesmo sexo, a norma não tem força de lei e pode ser contestada por juízes.