"Sociedade como um todo será chamada a fazer sacrifícios"
Fernando Caulyt2 de junho de 2016
Deputados aprovam reajuste para funcionários com impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019, mesmo com país em recessão e rombo fiscal. Para analista, mais pobres serão os mais penalizados com provável alta de impostos.
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A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (02/06), com aval do presidente interino Michel Temer, um pacote de reajuste para funcionários públicos dos Três Poderes que causará um impacto de ao menos 58 bilhões de reais até 2019 – e logo no momento em que o país registra dois anos de recessão e tem a expectativa de fechar 2016 com um rombo de ao menos 170 bilhões de reais nas contas públicas.
Para José Matias-Pereira, especialista em administração pública da Universidade de Brasília (UnB), qualquer aumento de despesas vai agravar mais ainda a situação do país.
"Entendo que vamos chegar a um momento em que a sociedade, como um todo, será chamada para fazer sacrifícios – e isso significa, naturalmente, a elevação de tributos", diz Matias-Pereira. "E quando isso acontece são as populações mais pobres que pagam o preço e que são as mais penalizadas."
DW Brasil – Como você vê a aprovação do megapacote de reajuste do funcionalismo no momento em que o país vive recessão na economia e apresenta um rombo nas contas públicas?
José Matias-Pereira– Neste cenário de dificuldades, qualquer tipo de aumento de despesas vai impactar de maneira muito forte nas contas públicas e agravar mais ainda a situação. O presidente interino recebeu as finanças públicas numa situação caótica, já que governos anteriores como Lula e Dilma não tiveram a preocupação com o equilíbrio do orçamento. Esse cenário, do aumento de salário para servidores, é decorrente de situações que já vinham sendo negociadas nestes últimos anos. Os projetos para aumentar salários já se encontravam no Congresso há bastante tempo e foram então para o plenário. É preocupante qualquer aumento no momento em que o orçamento apresenta déficit.
Deverá haver o aumento de impostos ou a implementação de outras medidas impopulares para conter o déficit fiscal?
O discurso do presidente interino é que o governo terá, primeiro, que fazer o dever de casa. E eu acho que, neste processo, é fundamental que o país reduza efetivamente suas despesas, porque o desempenho da economia está em queda e a única coisa que cresce são as despesas públicas. Os dados divulgados nesta quarta-feira pelo IBGE mostram exatamente isso: as despesas governamentais continuam crescendo.
Entendo que vamos chegar a um momento em que a sociedade, como um todo, será chamada para fazer sacrifícios – e isso significa, naturalmente, a elevação de tributos. Mas acho que o contexto político e econômico atual não permite que o governo faça como outros governos, inclusive de FHC, Lula e Dilma, de aumentar tributos e se esquecer de reduzir as despesas públicas.
E os mais pobres que vão pagar a conta?
O Brasil tem um sistema tributário extremamente injusto. Os impostos indiretos são os mais preponderantes, principalmente os embutidos nos preços das mercadorias, quer dizer, os tributos sobre consumo. E quando isso acontece são as populações mais pobres que pagam o preço e que são as mais penalizadas. E, assim, assiste-se à perspectiva de aumentar mais ainda as desigualdades sociais no país. Mas eu entendo que esse processo de promover reformas estruturais, como a tributária, ficará para o presidente eleito em 2018.
Na mesma madrugada, os deputados aprovaram o aumento da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30%. Quais são os impactos disso na Previdência e em áreas sociais?
O nosso orçamento, que também precisa passar por mudanças, é engessado: quase 92% dele são receitas que, de forma constitucional, devem ser obrigatoriamente alocadas em certas áreas. E isso faz com que o governante não tenha a capacidade de orientar determinadas políticas que são estratégicas para o governo. A questão de não haver dinheiro para o pagamento de aposentados e até mesmo funcionários públicos já era alertada por especialistas antes da campanha presidencial de 2014, já que, como as contas públicas estavam ficando tão desorganizadas, prevíamos que haveria o risco de isso acontecer.
O processo de reorganização da economia e das contas públicas que está em curso pode mudar essa trajetória que já tínhamos projetado – de que se o ritmo das despesas e da queda de arrecadação se mantivesse, provavelmente em outubro ou dezembro deste ano o governo já teria dificuldades de pagar não só aposentados, mas também os servidores públicos. Com a mudança de governo e as medidas que estão sendo tomadas, esses riscos estão diminuindo de maneira significativa.
Por que o governo brasileiro não avança com propostas para aumentar a tributação das camadas mais ricas da sociedade, por exemplo, com um imposto mais alto para heranças e a maior tributação sobre lucros e dividendos?
Essas discussões terão que acontecer num determinado momento, e as medidas deverão fazer parte de reformas estruturais que levem a uma reorganização do sistema tributário, que é extremamente complexo e oneroso, e dificulta o funcionamento da própria economia.
É importante lembrar que a grande resistência para mudanças nesses pontos decorre do próprio perfil do Congresso brasileiro, que tem dificuldade de aprovar leis que eventualmente venham penalizar os próprios senadores e deputados. É um ranço de nossa cultura política que precisa ser superado. Acredito que a sociedade está se engajando e que a crise ajudou no sentido de mostrar que a população precisa se envolver mais com a política e promover de maneira efetiva o controle social sobre governantes. Mas essas mudanças não vão acontecer de uma hora para outra: elas passam, necessariamente, pela pressão da sociedade.
Os ministros do governo Temer
Gabinete do presidente interino tem nomes conhecidos da política, vários alvos da Justiça e nenhuma mulher. Confira uma minibiografia de cada um deles.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Gilberto Kassab
Ministro das Cidades até abril de 2016 e prefeito de São Paulo por dois períodos, Gilberto Kassab foi escolhido para comandar o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. O fundador do Partido Social Democrático (PSD) é réu em processo de improbidade administrativa e foi condenado em 2014 por não pagar precatórios judiciais previstos em leis, mas recorre da decisão.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Raul Jungmann
O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) é o novo ministro da Defesa. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi o principal responsável por questões fundiárias, presidindo o Incra e comandando o Ministério de Desenvolvimento Agrário. Jungmann é alvo de ações movidas pelo Ministério Público por improbidade administrativa e por dano ao erário na época que chefiava o Incra.
Foto: Edilson Rodrigues/Agencia Senado
Geddel Vieira Lima
Figura próxima de Temer, Geddel Vieira é o novo ministro-chefe da Secretaria de Governo. Em sua carreira política, foi deputado federal por cinco mandatos consecutivos, além de ministro da Integração Nacional no segundo mandato de Lula. O peemedebista é investigado na Operação Lava Jato e, em 2014, foi condenado por realizar propaganda eleitoral irregular.
Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil
Bruno Araújo
Sem experiência ministerial, o deputado federal Bruno Araújo (PSDB-PE) foi escolhido para comandar o Ministério das Cidades. Responsável por proferir o voto que selou a votação do impeachment na Câmara, o parlamentar teve seu nome citado na lista da Odebrecht, apreendida pela Polícia Federal, que mostra centenas de políticos que receberam doações da empreiteira.
Foto: Gustavo Lima/Camara dos Deputados
Blairo Maggi
Ex-governador do Mato Grosso, o senador Blairo Maggi (PR-MT) assume o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dono do grupo que é um dos principais exportadores de soja do país, é considerado por ambientalistas um dos grandes promotores do desmatamento. Maggi é alvo de inquérito que apura lavagem de dinheiro e também de ações do Ministério Público por improbidade administrativa.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Henrique Meirelles
O novo ministro da Fazenda foi eleito deputado federal pelo PSDB em 2002, mas abriu mão de assumir a cadeira quando foi chamado pelo então presidente Lula para presidir o Banco Central – ele permaneceu no cargo entre 2003 e 2011. Atualmente, Meirelles vinha presidindo o Conselho de Administração da holding J&F, que controla a empresa de alimentos JBS.
Foto: Antonio Cruz/ABr
Mendonça Filho
O deputado federal assume o Ministério da Educação e Cultura. Ex-governador de Pernambuco – depois da renúncia do titular Jarbas Vasconcelos –, Mendonça Filho (DEM-PE) é parte em processos relacionados a contas eleitorais de seu partido e está entre as centenas de políticos citados na lista da Odebrecht, apreendida pela Lava Jato.
Foto: Gustavo Lima/Camara dos Deputados
Eliseu Padilha
Novo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha comandou o Ministério dos Transportes no governo FHC e a Aviação Civil durante a gestão Dilma. Pediu demissão um dia antes de o deputado Eduardo Cunha aceitar o pedido de impeachment da presidente petista. Indiciado por formação de quadrilha em 2011, Padilha foi recentemente citado na delação de Delcídio do Amaral.
Foto: Wilson Dias/Agencia Brasil
Osmar Terra
Sem experiência ministerial, Osmar Terra é deputado federal (PMDB-RS) e agora assume o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, responsável pelo Bolsa Família. Também citado na lista da Odebrecht, o político teve suas contas contestadas pelo TCE quando chefiava a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Leonardo Picciani
Também sem experiência ministerial, o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ) foi escolhido para comandar o Ministério do Esporte. Aos 36 anos, ele está em seu quarto mandato na Câmara e ocupa o posto de líder da bancada do PMDB da Casa. Picciani é alvo de representação (sob segredo de Justiça) por captação e gastos ilícitos na campanha de 2014, com pedido de cassação de diploma.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Ricardo Barros
Novo ministro da Saúde, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) não tem experiência comandando ministérios, mas foi secretário de Indústria e Comércio e Assuntos do Mercosul no Paraná. Também citado na lista da Odebrecht, Barros foi condenado por fraude em venda de equipamentos e por danos causados aos cofres públicos referentes ao período em que foi prefeito de Maringá.
Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil
José Sarney Filho
Filho do ex-presidente José Sarney, o deputado federal (PV-MA) assume o Ministério do Meio Ambiente. No governo tucano, foi ministro da mesma pasta entre 1999 e 2002. No passado, Sarney Filho chegou a ser condenado ao pagamento de uma multa em representação movida pelo Ministério Público Eleitoral por prática de conduta vedada.
Foto: Agência Brasil/M. Camargo
Henrique Alves
Figura muito próxima a Temer, Henrique Alves foi escolhido para o Ministério do Turismo. Foi ministro da pasta durante o governo Dilma, mas renunciou ao cargo duas semanas antes da aprovação do processo de impeachment pelo Senado. Alves foi deputado federal pelo Rio Grande do Norte por 11 mandatos consecutivos, chegando à presidência da Câmara. Ele é investigado pela Operação Lava Jato.
Foto: Tomaz Silva/Agencia Brasil
José Serra
Novo ministro da Relações Exteriores, o senador José Serra (PSDB-SP) comandou o Ministério da Saúde no governo FHC e foi prefeito e governador de São Paulo, sendo derrotado nas eleições presidenciais de 2002 e 2010. É alvo de ação civil pública por improbidade administrativa de quando era ministro tucano, e teve seu nome associado ao escândalo das licitações no transporte público paulista.
Foto: Moreira Mariz/Agencia Senado
Ronaldo Nogueira
Com breve carreira política, o deputado federal Ronaldo Nogueira (PTB-RS) foi escolhido por Temer para chefiar o Ministério do Trabalho. Administrador por formação, ele exercia seu primeiro mandato na Câmara quando foi convidado pelo vice-presidente. Nogueira teve reprovadas as contas referentes à campanha eleitoral de 2014.
Foto: Lucio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados
Alexandre de Moraes
O advogado e consultor jurídico Alexandre de Moraes, ligado ao PSDB, ocupava a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo quando foi escolhido para assumir o Ministério da Justiça e Cidadania. Teve carreira de destaque no Ministério Público paulista, tendo chegado ao posto de procurador-geral da Justiça. Moraes atuou como advogado do deputado Eduardo Cunha.
Foto: Elza Fiuza/Agencia Brasil
Maurício Quintella Lessa
Quem assume o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil é o deputado federal Mauricio Quintella (PR-AL), ex-líder do partido na Câmara. O político foi condenado em 2014 por ter participado, enquanto secretário de Educação de Alagoas, de um esquema que desviou dinheiro destinado ao pagamento de merenda escolar. Quintella foi multado pela Justiça em 4,2 milhões de reais.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Fabiano Augusto Martins Silveira
O advogado foi escolhido para comandar o Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle, recém-criado por Temer para substituir a Controladoria-Geral da União. Fabiano Augusto Martins Silveira é doutor em Direito e conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo segundo mandato, além de consultor legislativo do Senado Federal desde 2002.
Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Fábio Osório Medina
O substituto de José Eduardo Cardozo no comando da Advocacia-Geral da União é Fábio Osório Medina. Advogado e professor, ele é ex-promotor de Justiça do Rio Grande do Sul e especializado em leis sobre combate à corrupção. No início de maio, Medina foi um dos convidados pela oposição para falar em sessão da comissão especial do impeachment no Senado.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Sérgio Etchegoyen
O novo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Temer é chefe do Estado-Maior do Exército (EME) desde março de 2015. Assinou, junto a outros familiares, uma carta em que critica a Comissão Nacional da Verdade – o pai de Etchegoyen foi denunciado por graves violações aos direitos humanos durante o regime militar brasileiro.
Foto: cc-by-Neal Snyder/US Army
Marcos Pereira
Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e ex-executivo da rede Record de Televisão, Marcos Pereira é o novo ministro da Indústria, Comércio e Serviços. Cotado para a Ciência e Tecnologia, o evangélico enfrentou forte resistência entre acadêmicos. O presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB) é advogado e foi sócio de escritórios de contabilidade e advocacia.
Foto: Imago
Fernando Coelho Filho
Deputado federal há três mandatos com apenas 32 anos, o novo ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (PSB-PE) é herdeiro político do senador Fernando Bezerra Coelho, seu pai, que ocupou a pasta de Integração Nacional no governo Dilma e está sob investigação na operação Lava Jato. Foi o mais jovem parlamentar eleito no Brasil, com apenas 22 anos.
Foto: Agencia Brasil/M. Camargo
Helder Barbalho
À frente da cobiçada pasta de vasto orçamento e impacto na região Nordeste está outro herdeiro político, filho de Jader e Elcione Barbalho. O novo ministro da Integração Nacional Helder Barbalho (PMDB-PA) comandou a Secretaria de Portos do governo Dilma até abril. Também foi secretário da Pesca e Aquicultura. Na saída, afirmou acreditar na inocência da presidente.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Lacerda
Dyogo Oliveira
O economista ocupou vários cargos no Ministério da Fazenda, desde 2006, até chegar a secretário-executivo. Mais tarde, assumiu a posição equivalente no Planejamento. Ele se manteve no cargo durante o governo interino. É citado em investigações da Operação Zelotes e teve seus sigilos bancário e fiscal entre 2008 e 2015 quebrados a pedido do Ministério Público Federal.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Marcelo Calero
O posto foi recriado seis dias após ser extinto no primeiro dia do governo interino. Marcelo Calero é formado em direito, trabalhou na Petrobras, em empresas privadas e no setor de energia do Itamaraty. Candidatou-se a deputado federal pelo PSDB-RJ em 2010, mas não foi eleito. Foi secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro de 2013 até assumir o ministério.
Foto: Agência Brasil/ V. Campanato
Romero Jucá
Foi ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão por 11 dias no governo interino. Senador do PMDB, ele teve uma conversa gravada, em que defendia uma mudança de governo para "estancar a sangria" de políticos citados na Lava Jato. Foi líder dos governos FHC, Lula e Dilma no Congresso e é investigado por formação de quadrilha, além de ter seu nome envolvido na Operação Zelotes.