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Som do Carnaval de Salvador afeta peixes próximos à praia

17 de dezembro de 2020

Estudo aponta que música alta emitida pelos trios elétricos provoca mudanças no comportamento do chamado peixe donzela. Animais se alimentam menos e ficam mais vulneráveis a predadores.

Foto aérea de Salvador, Bahia, durante o Carnaval
Foto: robertharding/picture alliance

O glitter não é o único produto do Carnaval que pode afetar os peixes em seu ambiente natural. Ao menos em Salvador, a música alta emitida pelos trios elétricos no circuito Barra Ondina também provoca mudança de comportamento no peixe donzela (Stegastes fuscus), que vive nos recifes próximos à praia.

Pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pela Universidade Federal da Bahia, publicada na revista Biological Conservation nesta quinta-feira (17/12) e divulgada pela Agência Bori, concluiu que o aumento da pressão acústica dentro da água durante o Carnaval fez o peixe donzela se alimentar menos e ficar mais vulnerável a predadores durante os dias de folia.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores monitoraram o comportamento dos peixes donzela que vivem em um recife próximo ao litoral, a menos de 100 metros de onde passam os trios elétricos, e o comparou com peixes da mesma espécie que habitam um recife similar, mas afastado dois quilômetros ao leste da fonte sonora, onde não havia barulho.

Os experimentos foram realizados durante dois dias antes, dois dias durante e dois dias depois do Carnaval de 2018, e usaram câmeras operadas remotamente para gravar o comportamento dos peixes.

Os pesquisadores contaram quantas vezes os peixes tentavam se alimentar, fazendo movimentos em direção ao leito marinho ou em partículas flutuantes na água, e qual era a distância de um predador para que os peixes donzela fugissem.

Para simular a reação a predadores, eles usaram um peixe falso feito de fibra de vidro com 30 centímetros de comprimento, do tamanho real de uma espécie comum nos recifes. A reação foi medida para 252 peixes donzela diferentes.

A pesquisa também registrou a intensidade acústica na praia e dentro da água, com o uso de microfones especiais. Durante o Carnaval, a pressão sonora dentro do mar próximo aos trios elétricos aumentava em até 30 decibéis.

Menos comida e reflexos mais lentos

O peixe donzela é uma espécie com comportamento territorial, no qual cada um ocupa uma área de cerca de 2 metros quadrados. Durante o Carnaval, os peixes não saíram do recife onde habitavam, mas mudaram seu comportamento.

Eles fizeram 29% menos tentativas de alimentação do que antes do Carnaval, e a distância para que percebessem um potencial predador e fugissem diminuiu em cerca de 50%, comparado com os peixes que estavam no recife distante do Carnaval, longe do barulho.

A capacidade de identificar e fugir de predadores é uma característica fundamental para que os peixes cresçam, cheguem à maturidade e sobrevivam, segundo a pesquisa.

"A música extremamente alta dos trios elétricos é, na verdade, uma forma de poluição sonora no ambiente marinho", diz o pesquisador Antoine Leduc, um dos autores do estudo. Ele defende que fontes terrestres de emissões acústicas sejam levadas em conta para planejar o manejo e a conservação dos ambientes marinhos costeiros.

O estudo não identifica quais seriam as consequências da poluição sonora a longo prazo para as espécies, mas prevê que possam afetar também outros peixes e invertebrados marinhos. Ambos os recifes são a morada de 77 diferentes espécies de peixes.

"Será preciso fazer outros estudos para avaliar como essa fonte de poluição afeta outras espécies e até qual distância da costa os efeitos acústicos do Carnaval impactam o ambiente marinho", diz Leduc.

"A poluição sonora gerada por atividades humanas em terra pode contribuir para padrões de degradação do habitat costeiro e perda de biodiversidade local. Contudo, a poluição sonora entre meios (por exemplo, da terra para a água) está apenas começando a ser considerada formalmente como um fator de estresse relevante para a conservação de espécies aquáticas", afirma o estudo.

BL/ots