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"Somos parlamentares como todos os outros italianos"

2 de março de 2018

Ítalo-brasileiros escolhem bancada que vai representar América do Sul no Parlamento italiano. Deputada nascida no Brasil, que tenta reeleição, comenta imagem de políticos como ela entre os locais.

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O Parlamento tem 945 vagas, 18 delas são para italianos do exteriorFoto: Reuters/A. Bianchi

Os italianos escolhem neste domingo (04/03) o seu novo Parlamento. Com cerca de 8% dos eleitores residindo no exterior, o país tem um sistema singular de representação: jhá candidatos especificamente eleitos para representar os interesses de italianos que vivem no estrangeiro.

Ao todo, 18 vagas das 945 do Legislativo do país – 315 de senadores e 630 de deputados – são reservadas para representar os italianos no exterior. Destas, quatro de deputado e duas para o Senado são escolhidas pela circunscrição da América do Sul.  Cada representante tem exatamente as mesmas funções e prerrogativas de um parlamentar eleito no território da Itália.

A deputada ítalo-brasileira Renata Bueno em visita ao Planalto junto a uma delegação italiana em 2016Foto: Abr

No Brasil, são 351 mil eleitores italianos registrados, entre natos e aqueles que obtiveram cidadania por meio da descendência, que podem votar na escolha das seis vagas da região. Tradicionalmente, os mandatos são dominados por ítalo-argentinos, mas os brasileiros vêm ampliando sua posição nos últimos anos. Ao todo, 24 candidatos residentes no Brasil estão concorrendo a uma vaga no Parlamento.

Em 2013, Renata Bueno, de 38 anos, se tornou a primeira mulher nascida no Brasil a ocupar um mandato no Parlamento italiano. Em entrevista à DW, ela diz que, no passado, alguns parlamentares eleitos pela circunscrição da América do Sul - "alguns deles eram ítalo-argentinos” - conturbaram a imagem na Itália de deputados e senadores eleitos pela região.

"Mas desde a última legislatura tivemos um grupo que realizou um trabalho muito ativo e profissional. Não podemos deixar que personagens caricatos ocupem esse espaço”, disse.

Filha do deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR), ela atuou como vereadora em Curitiba antes de se lançar na política italiana. Ela concorre à reeleição pelo Movimento Paixão Itália, ligada à Lista Cívica Popular, e apoia Beatrice Lorenzin, atual ministra da Saúde da Itália, ao cargo de primeira-ministra. 

DW Brasil: Os eleitores italianos no Brasil estão mais interessados em propostas que atendam demandas locais ou levam em conta um quadro mais amplo da política italiana?

Renata Bueno: Temos cerca de 400 mil ítalo-brasileiros. Cerca de 90% são nascidos no Brasil. É claro que eles têm uma realidade mais focada no país de nascimento, acompanham a política de italiana de forma mais geral, mas ainda assim têm afinidades com a Itália e querem estar mais próximos do país. Já as reclamações deles são mais focadas nos serviços consulares. Quando precisam desses serviços, eles funcionam mal, já que são muitos os cidadãos inscritos no Brasil.

E os que vieram da Itália acabam tendo mais conhecimento da política italiana, tendo participado antes de algum modo, já que o italiano é muito politizado – nos anos 1990, o país tinha o maior índice de filiação partidária no mundo. Mesmo deixando a Itália, eles acabam acompanhando muito a política.

Os parlamentares eleitos pela circunscrição da América do Sul podem fazer a diferença na própria política italiana, atuando como fiéis da balança?

Isso já aconteceu com um senador da Argentina em 2006, durante o governo de Romano Prodi. A presença dele acabou sendo crucial para a formação do governo. Mais tarde, ele fez novamente diferença em um voto de confiança, quando favoreceu Silvio Berlusconi e ajudou na queda de Prodi. Isso, é claro, acontece porque somos parlamentares como todos os outros. A maior parte dos eleitos no exterior é independente, mas pode pender para a esquerda e direita dependendo da situação.

Há algum tipo de preconceito contra parlamentares que não são italianos natos na política do país?

Sou cidadã italiana. Todos os italianos no exterior com dupla-cidadania são vistos pelo governo como qualquer italiano. No passado tivemos como parlamentares eleitos no exterior alguns personagens, digamos, estranhos, que conturbaram a imagem dos italianos no exterior, especialmente na América do Sul. Alguns deles eram ítalo-argentinos.

E isso é claro que atinge um pouco a nossa imagem, mas desde a última legislatura tivemos um grupo que realizou um trabalho muito ativo e profissional. Eu mesma consegui conquistar um respeito muito grande. Não podemos deixar que personagens caricatos ocupem esse espaço. É claro que essas pessoas não eram exclusividade da região. Há pessoas assim na própria Itália, como o senador Antonio Razzi (um apoiador de Berlusconi que simpatiza com a Coreia do Norte), um personagem bastante caricato.

Nos últimos anos, o presidente da Itália não veio ao Brasil. Já a última visita de um primeiro-ministro ocorreu durante os Jogos Olímpicos. Os governantes italianos têm evitado se manter longe da instabilidade brasileira?

A Itália sempre teve uma grande relação com o Brasil, até por esse vínculo de sangue. Nesse último mandato, tivemos muitos ministros visitando o Brasil. Na semana passada, por exemplo, o ministro das Relações Exteriores da Itália, Angelino Alfano, esteve no país e teve uma agenda intensa. Só não tivemos nos últimos anos a presença do presidente da República, Sergio Mattarella, até porque a própria Itália passou há não muito tempo por uma transição nesse cargo.

E é claro que o Brasil passou por um cenário de instabilidade, com uma crise política e um impeachment, que é claro acaba congelando essa relação direta entre presidentes. A figura do presidente da Itália é muito simbólica, muito honorária, então existe uma procura para evitar a possibilidade de um constrangimento diplomático. Mas acredito que após a eleição presidencial no Brasil, com um novo mandatário eleito, isso vai se estabilizar.

A questão Cesare Battisti ainda continua a envenenar a relação entre os dois países?

É ainda um ponto muito forte. A negativa da extradição em 2008 congelou as relações entre Brasil e Itália por cinco anos. Em 2013, houve um encontro bilateral em que foram convocados vários setores dos governos para discutir assuntos de cooperação. A partir daí, a Itália decidiu retomar essa relação.

Mas é claro que sempre ficou esse calo. Nesse tempo ainda houve o episódio do Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil filiado ao PT que fugiu para a Itália após o julgamento do Mensalão), em que trabalhamos para que ele fosse extraditado, apesar de ele ser um cidadão italiano. Neste caso, conseguimos que a Itália desse uma lição ao Brasil.

Depois disso, eu mesma me comprometi com o governo italiano que retomaríamos o caso Battisti. No momento, pedimos uma reconsideração sobre a extradição dele, esperando que o Brasil atendesse isso de maneira mais clara e transparente, mas isso ainda não aconteceu. Eu, como membro do Parlamento, sou cobrada diariamente sobre esse caso. A presença do ministro Alfano foi uma forma de pressão. A Itália não suporta mais essa situação.

Há alguma lição que  os brasileiros podem tirar destas eleições na Itália?

Há alguns fatores que ocorrem em ambos os países. Um deles é a questão das fake news nas redes sociais. Esse tem sido o principal tópico de discussão nestas eleições. Infelizmente, hoje se perdeu controle da situação, mas a Itália vem tentando combater isso ensinando ao público a aprender a diferenciar as notícias reais das falsas que hoje circulam nas redes sociais. Esse é um exemplo que pode ser seguido no Brasil.

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