"Spiegel" revela que jornalista falsificou reportagens
19 de dezembro de 2018
Segundo investigação interna, Claas Relotius falsificou histórias ou inventou protagonistas e entrevistas em várias reportagens, ao longo de anos. Semanário se diz chocado com a descoberta.
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A revista alemã Der Spiegel, uma das mais prestigiadas da Europa, revelou que um de seus repórteres mais premiados admitiu ter falsificado reportagens ao longo de vários anos. O jornalista Claas Relotius, de 33 anos, ganhou vários prêmios e era reconhecido por suas reportagens investigativas.
A Spiegel relatou o caso em um texto publicado na internet nesta quarta-feira (19/12). Segundo uma investigação interna, Relotius falsificou histórias e inventou protagonistas em ao menos 14 de quase 60 reportagens publicadas na revista ou no site Spiegel Online. "Esta é talvez a pior crise editorial na Spiegel", afirmou o novo editor-chefe, Steffen Klusmann.
A publicação alertou ainda que outro veículos podem ter sido afetados pelas fraudes. Relotius já escreveu para alguns dos maiores jornais do país, como Die Welt, Frankfurter Allgemeine Zeitung e Tageszeitung, ao longo de 11 anos de carreira.
Segundo a revista, o repórter pediu demissão após admitir falsificações de fatos, entrevistas e personagens. Ele escrevia para a Spiegel há sete anos, inicialmente como free lancer e, desde um ano e meio, como funcionário, e chegou a ganhar vários prêmios, entre eles o de jornalista do ano da CNN em 2014.
No início deste mês, ele levou o Deutscher Reporterpreis, um prêmio alemão de jornalismo, de melhor reportagem do ano por um artigo sobre um menino sírio. "Todas as fontes são obscuras. Muito foi inventado, criado, mentido. Citações, lugares, cenas, pessoas supostamente de carne e osso. Fake", escreveu a Spiegel sobre a reportagem.
As falsificações de Relotius vieram à tona depois de o colega Juan Moreno, que trabalhou com ele em outro artigo, ter levantado suspeitas sobre alguns dos detalhes da apuração do repórter e investigado algumas informações por conta própria.
Moreno rastreou duas supostas fontes citadas diversas vezes por Relotius na reportagem, que foi publicada em novembro e abordava a fronteira entre os Estados Unidos e o México. Ambos os personagens disseram que nunca falaram com o colega. No mesmo artigo, Relotius também mentiu sobre ter visto uma placa pintada à mão que dizia "fora, mexicanos".
Entre outras reportagens contendo elementos inventados há uma sobre um prisioneiro iemenita na Baía de Guantánamo e uma sobre Colin Kaepernick, astro do futebol americano. Relotius afirmou ter entrevistado os pais do esportista, o que nunca aconteceu.
Em seu artigo, a Spiegel afirma que ficou "chocada" com a descoberta e que o incidente marca um "ponto baixo em seus 70 anos de história". O texto também pede desculpas aos leitores e a qualquer pessoa que possa ter sido alvo de "citações fraudulentas, detalhes pessoais inventados ou cenas criadas em lugares fictícios".
Relotius disse à Spiegel que se arrepende de suas ações e que está profundamente envergonhado. "Estou doente e preciso de ajuda", afirmou ele, segundo a revista.
As reportagens do jornalista continuam no arquivo digital da Spiegel, embora com uma mensagem de advertência, enquanto o caso é definitivamente esclarecido. Uma comissão especial foi criada para investigar as publicações de Relotius e para verificar os processos internos de produção.
A revista acompanha a República Federal da Alemanha desde a criação do país. Seu jornalismo investigativo, apontando para escândalos e maracutaias na política e na sociedade, conquistou respeito também fora da Alemanha.
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A primeira edição
Ao ser lançada, em 4 de janeiro de 1947, a revista "Der Spiegel" custava 1 Reichsmark. Na capa, o austríaco Friedrich Kleinwächter, que negociava em Washington a soberania política e econômica da Áustria no pós-Guerra.
Foto: Der Spiegel
O editor
O fundador e editor da revista "Der Spiegel", Rudolf Augstein, foi o jornalista mais influente da Alemanha: derrubou políticos e impulsionou a liberdade da imprensa como ninguém. Aos 23 anos, fundou o semanário "Der Spiegel", do qual foi redator-chefe durante décadas e editor até a morte. Impôs à publicação desde o início um rumo definido ("somos um órgão liberal de esquerda").
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Lema: Não se intimidar
Em 1962, Augstein e sua publicação foram pivôs de uma grande crise na então ainda jovem República Federal da Alemanha. Depois de publicar um artigo crítico sobre a política de defesa do país e a Otan, ele sofreu pressão do então ministro alemão da Defesa, Franz-Josef Strauss. Mas a revista resistiu, e o ministro acabou caindo.
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Sob pressão
O escândalo durou semanas. Vários jornalistas, inclusive Augstein, foram presos sob a acusação de traição à pátria. A Promotoria Pública ocupou as redações por várias semanas. Augstein ficaria na prisão por mais de cem dias. Ao fim, a democracia saiu fortalecida no Estado que se constituíra 13 anos antes. E a Alemanha ganhou um novo conceito de liberdade de imprensa.
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Nos tempos da RAF
Em 1977, a Alemanha enfrentou uma de suas piores crises. Membros da organização terrorista Fração do Exército Vermelho (RAF, da sigla em alemão) sequestraram o então presidente da Confederação das Associações de Empregadores da Alemanha, Hans-Martin Schleyer, que é morto após algumas semanas. A revista mancheteia: "Guerra de assassinos contra o Estado".
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A aura do poder
Do ponto de vista político, Augstein tinha uma orientação social-democrata. Ele manteve uma estreita relação com o futuro chanceler federal Willy Brandt (à direita), que conhecera em 1948. Em trocas regulares de correspondência, eles manifestavam seus pontos de vista. Na foto, um encontro em 1972.
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Modernidade em laranja
Não só de redações vive uma revista. Legendária é a cantina, concebida pelo arquiteto dinamarquês Verner Panton em 1969. Sob o ponto de vista estético, ela foi algo revolucionário, pois representou a chegada da modernidade. Hoje, 80 metros quadrados da cantina decorada com elementos em cor laranja fazem parte de um museu em Hamburgo.
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Crescimento
Com o passar do tempo, a "Der Spiegel" se tornou a principal e mais vendida revista na Alemanha. O êxito se reflete na nova sede da revista, que após 40 anos se mudou para um prédio novo (centro) no bairro HafenCity de Hamburgo. Hoje em dia, assim como outros veículos de comunicação impressos, a "Der Spiegel" luta contra a perda de leitores para a internet.
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Manchetes e ilustrações da capa
As fotos de capa e reportagens de capa do semanário costumam se destacar por beleza, ousadia ou provocação. Como nesta capa, durante a guerra em Kosovo: "Guerra contra os assassinatos".
Foto: Der Spiegel
A raiva dos outros
Os repórteres investigativos da revista estão entre os melhores. O legado de Augstein, editor até morrer, em 2002, é o jornalismo mordaz. Isso se reflete também nos xingamentos e críticas à revista, como espelha a capa da edição de aniversário, com frases dos últimos cinco chefes de governo alemães. Em destaque, "Dieses Scheissblatt" (Este jornal de merda), de Willy Brandt.