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Spielberg faz releitura inclusiva de "Amor, Sublime Amor"

Brenda Haas
9 de dezembro de 2021

Nova versão tem como base peça da Broadway de 1957 e selecionou apenas intérpretes latinos para os papéis de porto-riquenhos. Obra foi banida no Oriente Médio por ter personagem transgênero.

Ariana DeBose dança à frente no remake de "Amor, Sublime Amor", de Steven Spielberg
Ariana DeBose dança à frente no remake de "Amor, Sublime Amor", de Steven SpielbergFoto: 0th Century Studios/Everett Collection/picture alliance

O cineasta Steven Spielberg ouviu o álbum com a trilha sonora do musical Amor, Sublime Amor (West Side Story, no título original) quando tinha dez anos. Desde então, alimentou o sonho de (re)contar a história.

O vencedor de três prêmios Oscar já se aventurou em praticamente todo gênero de filme em sua renomada carreira, de alegres filmes de ação como as franquias Indiana Jones e Jurassic Park a dramas envolventes como A Lista de Schindler e Munique, voando até o espaço (E.T.) e mergulhando nos oceanos com Tubarão.

Agora, ele pode acrescentar "musical" à sua marcante obra.

Sua versão de Amor, Sublime Amor tem como base o musical original da Broadway, de 1957, que foi adaptada para o cinema em 1961. São produções que, até agora, foram premiadas com dois Tonys – a maior honraria do teatro americano – e dez estatuetas do Oscar, a mais prestigiosa distinção cinematográfica dos EUA.

Originalmente, o musical foi criado pelo diretor e coreógrafo Jerome Robbins, o compositor Leonard Bernstein, o dramaturgo Arthur Laurents e o letrista Stephen Sondheim, falecido na última sexta-feira (03/12) aos 91 anos.

Para a releitura do século 21 da história, Spielberg chegou a cooperar com Sondheim ao lado do escritor Tony Kushner.

Holofotes na xenofobia e no preconceito

Além do sonho de infância, houve outra razão que levou o diretor a escolher Amor, Sublime Amor. Mesmo ambientado na Nova York dos anos 1950, o conto clássico sobre amor proibido e a guerra entre duas gangues de rua – uma recontagem de Romeu e Julieta, de Shakespeare – não perdeu nada de sua relevância social atualmente.

"Essa história não é apenas um produto de seu tempo, mas esse tempo retornou, e voltou com uma espécie de fúria social", disse Spielberg à revista Vanity Fair. "Eu realmente queria falar sobre essa experiência porto-riquenha, nova-iorquina da migração para esse país e a luta para sobreviver, ter  filhos, batalhar contra obstáculos de xenofobia e preconceito racial", acrescentou.


Spielberg (à frente) e a atriz Rita Moreno, que viveu Anita no filme de 1961Foto: Twentieth Century Studios/Zuma/imago images

Na versão de Spielberg, Ansel Elgort e a novata Rachel Zegler, latina descendente de colombianos que deixou para trás 35 mil atrizes de todo o mundo para o papel, vivem os apaixonados amaldiçoados Tony e Maria.

Eles se apaixonam à primeira vista, apesar de pertencerem a clãs opostos: os Sharks porto-riquenhos, liderados pelo irmão de Maria, Bernardo (David Alvarez), e os brancos do Jets, capitaneados pelo melhor amigo de Tony, Riff (Mike Faist), que não se conforma com os planos de Tony de deixar a gangue.

O filme também ostenta sequências eletrizantes de canto e dança com algumas das canções mais memoráveis do falecido Sondheim, incluindo "America", "I Feel Pretty" e a crescente "Somewhere" – uma ode a uma utopia na qual prevalecem o amor e a aceitação.

Sem maquiagem para escurecer a pele

Dentro dos padrões de representação e inclusão da indústria, Spielberg também passou um ano procurando homens e mulheres latinos no mundo todo para desempenhar o papel dos Sharks. 

"É uma parte importante da nossa história. Os personagens dizem e fazem coisas no nosso filme que não falavam ou faziam no palco ou no filme de 1961. E selecionamos somente atores e atrizes latinos para viver as meninas e os meninos do clã Sharks", disse Spielberg, na estreia do filme em Nova York, em novembro.

De fato, alguns críticos elogiaram Spielberg por usar seus privilégios e posição em Hollywood por corrigir os erros de versões antigas do musical, em que intérpretes não-latinos usaram maquiagem marrom para viver os Sharks porto-riquenhos.

Mesmo no filme de 1961, os artistas brancos Natalie Woods e George Chakiris, que interpretaram Maria e seu irmão Bernardo, usaram pesada maquiagem escura.

Tanto Moreno (d.) quanto a atriz Natalie Wood (e.) tiveram que escurecer a peleFoto: United Archives/imago images

Na estreia do filme, a atriz porto-riquenha Rita Moreno, que recebeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel de Anita no filme de 1961 e aparece como Valentina na versão de 2021, se disse orgulhosa pelo fato de "cada um dos personagens latinos" ser retratado "por um ator ou atriz latino, e isso é muito importante porque estamos realmente mostrando o que é ser latino".

"A representatividade de artistas latinos e hispânicos em Hollywood ainda precisa percorrer um longo caminho, mas estamos começando a mudar isso. Existem tantas pessoas talentosas entre os latinos, e Jennifer Lopez não é a única. Estamos em todo lugar!", destacou.

A atriz de 89 anos já chegou a comentar como a maquiagem era "extremamente escura" para alguns dos intérpretes no filme dos anos 1960. A própria Moreno teve a cor da pele escurecida, uma ação que ela descreveu como "pôr lama na minha cara".

Na época, ela havia tentado explicar à maquiadora que porto-riquenhos têm tonalidades diferentes de pele devido à diversidade étnica e que, em troca, a profissional perguntou a Moreno se ela era racista.

"Fiquei tão aturdida que não consegui responder", lembrou, num episódio de 2017 do podcast In The Thick, que discute raça, política e cultura.

Foi também deliberada a decisão de Spielberg de não legendar o diálogo em espanhol no filme – um gesto para a comunidade de falantes de Espanhol nos Estados Unidos.

Filme é barrado por personagem transgênero

O filme recebeu críticas iniciais consideradas extraordinárias e já causa burburinho para o Oscar. Porém, a obra também chamou atenção da imprensa por ter sido banido em seis países do Golfo Pérsico.

Em 1961, Amor, Sublime Amor mostrou um personagem chamado Anybodys, uma garota adolescente que, na época, era descrita como alguém com trejeitos masculinos que queria se tornar parte dos Jets, mas foi rejeitada por ser mulher.

Segundo o Hollywood Reporter, na versão de Spielberg, Anybodys recebe mais tempo na tela e David Saint, executor da herança do autor Arthur Laurent, confirmou que Anybodys é "uma personagem que era um homem nascido no corpo de uma mulher. Fim da história".

Para viver o papel, Spielberg selecionou a pessoa não-binária Iris Menas, cujo currículo inclui o musical Jagged Little Pill, inspirado no álbum homônimo da cantora Alanis Morissette.

A inclusão de um personagem transgênero na obra resultou no banimento do filme da Arábia Saudita, Kuwait, Bahrain, Oman, Qatar e Emirados Árabes Unidos.

De acordo com o Hollywood Reporter, a Arábia Saudita e o Kuwait se recusaram a autorizar um certificado de distribuição para o filme. Autoridades dos outros países haviam pedido cortes e edições para exibir Amor, Sublime Amor, mas os estúdios Disney, encarregados da distribuição, se recusaram a censurar a obra.

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