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Stasi: quando o passado condena

15 de junho de 2019

A pedido do governo alemão, prazo para verificação de envolvimento com Stasi, polícia secreta da antiga Alemanha Oriental comunista, deve ser prorrogado até 2030. Mas parlamentares afetados não precisam se preocupar.

Pastas com documentos
Pastas no arquivo da Stasi, a polícia secreta da antiga Alemanha OrientalFoto: picture-alliance/dpa/L. Schulze

Ela foi o instrumento mais importante da ditadura comunista da então República Democrática Alemã (RDA). A arma mais afiada contra inimigos externos – e sua própria população. Sem a Stasi (sigla em alemão para Staatssicherheitsdienst ou serviço de segurança do Estado), o Partido da Unidade Socialista da Alemanha (SED) dificilmente conseguiria ter mantido seu poder por mais de 40 anos na antiga Alemanha Oriental.

Quando o Muro de Berlim caiu em 1989, por volta de 91 mil funcionários fixos estavam na folha de pagamento do Ministério de Segurança do Estado (MfS). Esse era o nome oficial e eufêmico da polícia secreta da RDA, a antiga Alemanha Oriental. Até o seu final, ela tinha um exército adicional de mais de 100 mil espiões mais ou menos voluntários, os chamados funcionários não oficiais (IM). Eles espiavam em todos os lugares: no trabalho, na vizinhança, no esporte, na igreja, às vezes até na própria família.

Poucos foram os funcionários não oficiais ou outros envolvidos no sistema do MfS que na Alemanha reunificada assumiram seu passado na Stasi. Por vergonha ou pelo medo justificado de perder o emprego no serviço público – por exemplo, nas escolas, universidades e na Justiça.

Uma coisa ficou clara desde o começo: o Estado não pode se dar o luxo de duvidar da integridade constitucional de um professor ou de um juiz. Por segurança, os empregadores podem verificar seus funcionários até o final de 2019 junto ao órgão responsável pelos arquivos da Stasi. A pedido do governo em Berlim, o prazo deve ser prorrogado agora até 2030. A aprovação do Bundestag, câmara baixa do Parlamento alemão, é dada como certa.

Em 2017, tropeço de político em Berlim

Nos primeiros anos após a revolução pacífica na RDA, todo o serviço público foi sistematicamente examinado. Apenas em 1991/92, houve 865 mil pedidos. No entanto, não há números oficiais sobre demissões de ex-funcionários da Stasi. Ocasionalmente, casos de especial interesse público se tornam conhecidos – como o do secretário da Administração berlinense, Andrej Holm, que teve que renunciar logo após a sua nomeação em 2017.

Holm escondeu seu passado e perdeu empregos no serviço públicoFoto: picture alliance / Rainer Jensen/dpa

Isso foi desencadeado por falsas declarações à Universidade Humboldt, onde havia trabalhado como cientista por certa época. Na contratação, ele ocultara sua atividade há muito tempo na Stasi. Ele então perdeu também o emprego na universidade.

Holm pagou um preço alto por seu passado. Com razão? Roland Jahn, eleito pelo Parlamento como responsável do governo alemão pelos arquivos da Stasi, defendeu em entrevista à DW uma abordagem diferenciada para esse tema delicado.

Por um lado, disse ele, não se pode acusar para sempre pessoas que se envolveram com a Stasi em idade jovem, mas, por outro, depende de como alguém lida com o seu passado. "A mentira não deve ser recompensada." Segundo Jahn, é importante que o empregador saiba se pode confiar em seu empregado ou não. 

"Posso lidar com o meu passado abertamente"

Jahn gosta de contar a história de um homem com quem conversou durante a consulta de atendimento ao público no órgão que dirige. Ele já havia trabalhado para a Stasi e queria se candidatar a um emprego no serviço público. O que fazer? Falar abertamente sobre o seu passo falso ou escondê-lo?

Jahn, ele mesmo uma vítima da Stasi, recomendou que o orientando se revelasse ao seu potencial empregador. Duas semanas depois, o homem agradeceu ao telefone. Ele foi contratado e disse: "Agora posso lidar com o meu passado abertamente, mas sou aceito como parte dessa sociedade democrática".

Jahn considera exemplar o comportamento do parlamentar Thomas Nord, que assumiu seu envolvimento na Stasi logo após a queda do Muro de Berlim  e mesmo assim, ou talvez por causa disso, foi eleito deputado federal em 2009 pelo partido A Esquerda. Nord é um bom exemplo de como lidar de forma transparente com o próprio passado, disse o diretor dos arquivos da Stasi. "Eu gostaria que muitos outros fizessem o mesmo."

A mudança de atitude de Nord

Apesar de sua confissão voluntária em 1990, Nord foi examinado 20 anos depois por uma comissão do Bundestag sobre um possível passado na Stasi. O berlinense sentiu aquilo como "desnecessário", confessou em entrevista à DW. Segundo ele, todos os fatos já eram conhecidos há duas décadas.

Hoje, ele diz pensar de forma diferente, afirmando que a avaliação oficial também tem o seu lado "bom" e que foi oficialmente declarado "que o meu relato estava correto e que eu realmente lidei apropriadamente com a minha biografia por 20 anos".

No entanto, a forma autocrítica de o político esquerdista lidar com seu passado na Stasi é uma rara exceção. Qualquer um que tenha mantido para si seu segredo até hoje, dificilmente o revelará – especialmente desde que a era das avaliações em massa já terminou.

Muitos ex-funcionários da Stasi já estão em idade de aposentadoria ou pouco antes disso. Thomas Nord disse poder entender, no entanto, "quando vítimas da ditadura do SED querem ainda hoje saber a verdade".

Exames só em casos excepcionais

É por isso que os controles sobre um eventual envolvimento com a Stasi devem continuar a ser possíveis. O governo em Berlim justifica a sua intenção com o fato de querer fortalecer a confiança em instituições públicas e pessoas em posições de destaque. Para lidar com a injustiça do SED, transparência ainda é necessária 30 anos após a queda do Muro de Berlim, dizem as autoridades.

No entanto, uma análise das estatísticas mostra que o número de avaliações solicitadas sobre a Stasi vem caindo rapidamente há anos. No serviço público, foram apenas 167 em 2018.

Thomas Nord assumiu seu passado e não se arrependeuFoto: picture-alliance/dpa/N. Bachmann

De qualquer forma, os membros do Parlamento têm pouco a temer, porque só podem ser verificados de forma voluntária. Sem consentimento, isso só seria permitido se houvesse "indicações concretas" de suspeita de atividade no serviço de espionagem da Alemanha Oriental.

Assim está estipulado no parágrafo 44 da lei dos parlamentares do Bundestag. No entanto, um passado comprovado na Stasi não implica forçosamente consequências. Os deputados federais não podem ser obrigados a renunciar ao seu mandato. Isso também não impede uma nova candidatura.

"Viver com mentira não é viver bem"

Em última análise, os eleitores são quem decide sobre a credibilidade dos ex-funcionários da Stasi. Eles perdoaram há muito Thomas Nord – em 2017, ele foi eleito para o Bundestag pela terceira vez.

Para o parlamentar, a forma aberta de lidar com seu passado valeu a pena. "Eu me abri e fui capaz de romper de forma credível com os erros político-ideológicos da minha juventude". Ele afirmou que isso também lhe trouxe reconhecimento entre as vítimas da Stasi, proporcionando-lhe "não poucas amizades de longa data".

Nord disse também conhecer o outro lado da moeda. Para muitos, qualquer um que tenha se envolvido com a Stasi permanece o resto da vida como um "proscrito". É preciso ser capaz de suportar isso, afirmou, acrescentando que vem defendendo uma abordagem aberta e pública de sua própria biografia desde 1990 e que acredita que esse é o caso ainda hoje. "Viver com uma mentira não é viver bem."

 

Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.
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