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STF abre inquérito contra Weintraub por crime de racismo

29 de abril de 2020

Supremo atende a pedido da PGR para investigar declarações do ministro da Educação sobre a China. Weintraub zombou de sotaque chinês e insinuou que país asiático usa a covid-19 para tentar "dominar o mundo".

Abraham Weintraub
Ministro publicou várias mensagens atacando a ChinaFoto: Agência Brasil/Rafael Carvalho/Divulgação Casa Civil

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a abertura de inquérito para investigar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pelo crime de racismo. A decisão do ministro Celso de Mello atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).

No início do mês, numa publicação no Twitter, Weintraub zombou do sotaque que muito asiáticos têm ao falar português. A mensagem reproduzia uma capa do gibi Turma da Mônica e o texto fazia referência ao modo de falar do personagem Cebolinha, que troca o "R" pelo "L" nas palavras. No texto, Weintraub também sugeria que a China é culpada pela covid-19 e que está usando a pandemia para "dominar o mundo".

"Geopolíticamente (sic), quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?", escreveu o ministro, que posteriormente apagou a publicação.

No pedido para a abertura do inquérito, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, apontou que a conduta do ministro configura, em tese, infração penal prevista na lei que define os crimes resultantes de preconceito.

Em sua decisão, Mello também autorizou diligências solicitadas pela PGR, como a obtenção dos dados da conta de Weintraub no Twitter, entre eles o I.P. e o e-mail usado pelo perfil. O ministro ainda afastou o sigilo do inquérito.

"Os estatutos do Poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério. A prática estatal, inclusive quando efetivada pelo Poder Judiciário, há de expressar-se em regime de plena visibilidade. Consequente afastamento, no caso, do segredo de justiça", escreveu Mello.

O ministro do STF determinou também que Weintraub não possa negociar com o Ministério Público o dia e a hora do seu depoimento, apontando que apenas autoridades que devem falar na condição de vítimas ou testemunhas gozam dessa prerrogativa. Mello destacou que Weintraub deve falar na condição de investigado.

Reação chinesa

No início do mês, a China reagiu à publicação de Weintraub. Em comunicado publicado no Twitter, a embaixada do país asiático no Brasil acusou o ministro de fazer "declarações difamatórias contra a China" com conteúdo "fortemente racista".

"Deliberadamente elaboradas, tais declarações são completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil", dizia a nota. "O lado chinês manifesta forte indignação e repúdio a esse tipo de atitude."

A embaixada ainda apontou que a epidemia de covid-19 "está se espalhando globalmente" e que "nenhum país vai conseguir superar esse desafio sozinho".

O responsável pela missão diplomática da China no Brasil, Yang Wanming, também usou o Twitter para classificar a mensagem de Weintraub como racista. "Nós somos cientes de que nossos povos estão do mesmo lado ao resistir às palavras racistas e salvaguardar nossa amizade", escreveu o embaixador.

Mesmo depois da nova crise diplomática, Weintraub demonstrou que não pretendia recuar do curso de colisão com as autoridades da nação asiática, que é a maior parceira comercial do Brasil.

Após a reação chinesa, ele voltou a fazer acusações, afirmando, sem apresentar provas, que Pequim escondeu informações sobre a pandemia para depois vender equipamentos médicos ao resto do mundo.

"O governo da república chinesa, aonde começou o coronavírus, poderia ter alertado o mundo inteiro que ia faltar respirador. Que nós teríamos três meses para fazer respirador. Isso não foi feito. Agora, que estamos desesperados correndo atrás de respirador, o que é que acontece? Aparece 60 mil respiradores na China e eles estão leiloando", disse o ministro.

O ministro também disse na ocasião que só pretendia pedir desculpas se os chineses vendessem mil respiradores para sua pasta a preço de custo.

"Eu vou fazer o seguinte, meu acordo: Eu vou lá, eu peço desculpas, peço 'por favor, me perdoem pela minha imbecilidade'. A única coisa que eu peço é que dos 60 mil respiradores que estão disponíveis, eles vendam mil para o MEC, para salvar vida de brasileiros, pelo preço de custo. Manda a embaixada colocar aqui nos meus hospitais, e eu vou lá à Embaixada e falo 'eu sou um idiota, me desculpem'", disse.

Por fim, Weintraub negou que tenha sido preconceituoso. "Tenho um monte de amigos chineses", disse.

Incidente com Eduardo

A publicação de Weintraub ocorreu pouco mais de duas semanas depois de um dos filhos do presidente Bolsonaro, o deputado Eduardo, seguindo uma retórica similar à do governo americano, ter usado o Twitter para acusar a China de inicialmente acobertar o surto inicial de coronavírus.

No caso de Eduardo, a embaixada chinesa no Brasil reagiu com uma irritação incomum e, em um comunicado, disse que Eduardo "contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizade entre os nossos povos".

Após a reação dos chineses, alguns membros do governo brasileiro, como o vice-presidente, Hamilton Mourão, tentaram minimizar o episódio apontando que Eduardo não tem nenhum cargo no governo. Já a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou à época que a "posição do governo brasileiro é de amizade com a China".

No entanto, outros, como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, trataram de escalar a troca de farpas. Araújo chegou a afirmar que os chineses é que deviam desculpas ao Brasil, por terem, segundo o ministro, ofendido Jair Bolsonaro.

Tanto Weintraub quanto Araújo e Eduardo Bolsonaro são seguidores do guru ultraconservador Olavo de Carvalho, que vem difundido teorias conspiratórias contra a China nas redes sociais, como a de que a covid-19 seria uma arma biológica chinesa. Redes sociais ligadas à família Bolsonaro também vêm publicando acusações contra Pequim e insistindo em chamar o coronavírus de "peste chinesa".

O episódio provocado por Eduardo só esfriou após o presidente Bolsonaro e seu homólogo chinês, Xi Jinping, terem conversado por telefone no dia 24 de março. Na ocasião, o presidente comentou que ele e o líder chinês reafirmaram "laços de amizade, troca de informações e ações sobre a Covid-19 e ampliação de nossos laços comerciais".

JPS/ots

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