Segunda Turma retira da pauta desta terça-feira o julgamento de suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá, e análise deve ficar para o segundo semestre. Defesa alega que ex-juiz foi parcial no processo.
Anúncio
O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento de um pedido de liberdade feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava originalmente agendado para esta terça-feira (25/06). Com isso, a análise do caso deve ficar para o segundo semestre.
No habeas corpus a ser apreciado, a defesa pede a anulação do julgamento do petista no caso do tríplex no Guarujá – que resultou em sua condenação e prisão –, alegando que o então juiz Sergio Moro agiu com parcialidade ao longo do processo.
O julgamento do pedido era o último de uma lista de 12 itens que deveriam ser analisados pela Segunda Turma do Supremo nesta terça-feira, o que já tinha criado a expectativa de que não haveria tempo hábil para julgar o caso no mesmo dia.
Segundo a imprensa, a presidente da Segunda Turma, Cármen Lúcia, teria retirado o item da pauta nesta segunda, sem informar o motivo ou uma nova data. Posteriormente, ela divulgou nota de esclarecimento, afirmando que assumiria a Presidência da Segunda Turma somente a partir desta terça-feira e que, portanto, não incluiu nem excluiu processos para a sessão deste dia.
Como a sessão desta terça-feira será a última da Segunda Turma antes do recesso de julho, se o adiamento for confirmado, o julgamento do caso deve ser remarcado apenas a partir de agosto.
Os ministros começaram a analisar o habeas corpus de Lula no ano passado, e dois deles já votaram: o relator da Operação Lava Jato, Edson Fachin, e Cármen Lúcia, ambos contra a libertação do ex-presidente. Gilmar Mendes fez um pedido de vista, e o julgamento foi interrompido. Ainda faltam votar, além dele, os ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Mais cedo nesta segunda-feira, antes do adiamento da análise e diante da expectativa de que o julgamento não aconteceria, a defesa de Lula entrou com um pedido para que o habeas corpus fosse apreciado ainda nesta terça-feira.
Os advogados do petista pediram que a Segunda Turma seguisse as prioridades previstas no regimento interno, já que solicitações de habeas corpus estão entre as consideradas prioritárias. Eles argumentaram ainda que o petista está preso há 443 dias e, por isso, o pedido deveria ser apreciado antes do recesso do Supremo.
No Twitter nesta segunda, Lula afirmou que, com Moro, ele nunca teve "um processo e um julgamento justos". "Tudo que espero é que a justiça finalmente seja feita. Quero é ter direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, para poder demonstrar com fatos que sou inocente. Quero ser julgado dentro do processo legal, com base em provas, e não em convicções", escreveu.
O pedido de suspeição de Moro foi feito pela defesa antes da revelação, pelo site The Intercept Brasil, de mensagens trocadas entre o então juiz e procuradores da Lava Jato. Alguns diálogos levantaram questionamentos éticos sobre a conduta de Moro ao longo da operação e possíveis ilegalidades em seu relacionamento com a força-tarefa.
O escândalo reforçou o argumento da defesa de que o atual ministro da Justiça agiu com imparcialidade enquanto julgou o petista, e os advogados apresentaram novos memoriais ao STF informando oficialmente o caso.
Lula foi condenado no caso do tríplex no Guarujá em primeira instância em 2017, por Moro, e teve sua condenação confirmada em segunda instância no ano seguinte. Ele começou a cumprir a pena em 7 de abril de 2018 na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso até hoje. Em abril deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação, mas reduziu a pena de 12 anos e um mês de prisão para 8 anos, 10 meses e 20 dias.
Em fevereiro de 2019, o ex-presidente foi novamente condenado, a 12 anos e 11 meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro na ação penal sobre as reformas realizadas num sítio em Atibaia, no interior de São Paulo. A condenação foi em primeira instância, e, portanto, a pena ainda não está sendo cumprida.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.