STF anula pela 1° vez uma condenação de Moro na Lava Jato
28 de agosto de 2019
Decisão beneficia ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, que havia sido condenado a 11 anos de prisão pelo ex-juiz. Novo entendimento do Supremo pode influenciar outras condenações.
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A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (27/08) anular pela primeira vez desde o início da Operação Lava Jato uma sentença do ex-juiz Sergio Moro. A decisão beneficia o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine na Lava Jato, que havia sido condenado por Moro a 11 anos de prisão em 2018 pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Na segunda instância, em junho, a condenação de Bendine foi mantida, mas acabou sendo reduzida para 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão. Só que o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região ainda não concluiu o processo pois falta o julgamento de um último recurso do ex-presidente da Petrobras.
Com a decisão do STF, o processo deve voltar à primeira instância da Justiça. Bendine chegou a ser preso em julho de 2017, mas acabou sendo solto em abril de 2019 – também por determinação do STF – porque a condenação ainda não havia sido confirmada pelo TRF-4. Agora, a nova decisão garante que Bendine fique mais tempo fora da prisão.
Ao anularem a sentença, os ministros do Supremo se concentraram em uma questão técnica, que pode ter influência em outras condenações da Lava Jato.
Ainda na primeira instância do ex-juiz Moro, Bendine foi alvo de delações premiadas. Para a defesa, ele deveria ter sido o último a ser ouvido pelo então juiz nessa etapa. Só que Moro determinou que tanto o ex-presidente da Petrobras quanto os delatores apresentassem suas alegações no mesmo período.
Por três votos a um, os ministros da Segunda Turma concordaram com a tese da defesa, de que o correto seria determinar que os réus que firmaram acordo de delação apresentassem primeiro suas alegações, e que somente depois outros réus fossem instados a fazê-lo.
Votaram nesse sentido Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Só Edson Fachin votou contra a tese. Celso de Mello não estava presente.
Com isso, a Segunda Turma do STF criou um novo entendimento sobre a ordem de apresentação de alegações finais nas ações penais em que houver delação premiada. Cármen Lúcia afirmou que a decisão só vale para o caso de Bendine, mas houve sinalização de que outros condenados que apresentarem a mesma tese à Segunda Turma em processos semelhantes que envolvam delações possam ser bem-sucedidos.
Logo após a decisão, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná divulgou nota em que cita "imensa preocupação" e afirma que o novo entendimento do Supremo abre caminho para anular a maior parte das condenações na operação.
"Essa nova regra não está prevista no Código de Processo Penal ou na lei que regulamentou as delações premiadas. Se o entendimento for aplicado nos demais casos da operação Lava Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos", diz texto da força-tarefa.
Aldemir Bendine ocupou a presidência da Petrobras entre fevereiro de 2015 e maio de 2016. Antes disso, ele atuou quase seis anos como presidente do Banco do Brasil. Segundo a denúncia e as delações que embasaram as condenações na primeira e segunda instâncias, ele recebeu 3 milhões de reais em propinas da empreiteira Odebrecht.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.