Julgamento de pedido de habeas corpus do ex-presidente virou arena para defensores e adversários da regra sobre cumprimento da pena antes do esgotamento de recursos. Acompanhe e entenda o que está em jogo.
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Após mais de dez dias de pausa, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (04/04) o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um caso que pode ir além da liberdade ou prisão do petista e influenciar de maneira decisiva o entendimento da execução de penas após a condenação em segunda instância, fixado há apenas um ano e meio.
No último dia 22 de março, após uma série de atrasos e discussões tensas, uma maioria de ministros da corte optou por adiar a discussão sobre o mérito do habeas corpus até o dia 4 de abril. Em tese decide-se apenas a situação legal de Lula. O ex-presidente precisa do habeas corpus para afastar a possibilidade praticamente certa de ser preso e começar a cumprir a condenação de 12 anos e um mês imposta em segunda instância.
O adiamento fez com que o petista ganhasse tempo, já que o STF concedeu uma liminar que garantiu sua liberdade até que uma decisão final seja tomada. Caso a maioria dos 11 ministros do STF decida hoje pela concessão do habeas corpus, Lula permanecerá livre enquanto seu caso é analisado por instâncias superiores. Caso tenha o habeas corpus recusado, o ex-presidente poderá ser rapidamente alvo de um pedido de prisão.
Segunda instância
O caso, porém, já ganhou uma dimensão além de Lula. Antes mesmo do julgamento do habeas corpus, diversos ministros já vinham pressionando pela reabertura de discussões sobre a regra fixada que autorizou o início do cumprimento de pena após uma condenação em segunda instância, antes do trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recurso.
Com a negativa da presidente do tribunal, Cármen Lúcia, de julgar duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que questionam a regra de 2016, o pedido de Lula se tornou efetivamente a arena para forçar a discussão do tema.
Ministros que querem rever a medida, como Gilmar Mendes, já afirmaram que é possível que o tribunal use o caso de Lula para alterar a jurisprudência caso uma maioria de ministros sinalize que não é desejável executar penas antes de todas as possibilidades de recurso serem esgotadas em instâncias superiores.
Para que isso aconteça, basta que a maioria do plenário decida antes ou depois do julgamento se o caso em análise deverá ter repercussão geral sobre os casos de outros condenados. Se eles fizerem isso, e Lula ainda receber o habeas corpus, é provável que outros condenados, inclusive figuras da Lava Jato que já cumprem pena, entrem com pedidos semelhantes ao do ex-presidente.
Nos últimos meses surgiram sinais de que o apertado placar de 6 a 5 que estabeleceu a regra em 2016 já não valeria mais se o assunto voltasse a ser discutido. A possibilidade de mudança é encabeçada por Mendes, que há um ano e meio era um defensor da medida, mas agora é um dos maiores críticos dela.
Diante de consequências tão amplas, o caso de Lula tem sido encarado pelos defensores da regra de 2016 como um episódio decisivo para forçar o cumprimento de penas. Nesta terça-feira, foi entregue ao STF um documento com mais de 5 mil assinaturas de juízes e promotores que são favoráveis ao cumprimento da pena após a segunda instância.
Entre os membros da Lava Jato, a opinião é de que uma eventual revisão da regra de 2016 vai atingir em cheio a operação. O coordenador da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, chegou a afirmar que estava orando e jejuando durante o intervalo do caso. "Não se trata de Lula, mas da impunidade de todos os poderosos”, escreveu o procurador em sua conta no Twitter.
Do outro lado, criminalistas contra a decisão de 2016 também entregaram mais de 3 mil assinaturas ao Supremo pedindo a revisão da regra.
O caso é revelador sobre a inconstância do STF em manter suas decisões. Em 2009, ao julgar o habeas corpus de um homem acusado de homicídio, a corte decidiu que os réus tinham o direito de permanecer em liberdade até o esgotamento dos recursos. Antes disso, os ministros costumavam analisar caso a caso. Em 2016, o STF decidiu rever o entendimento. Agora, vários ministros querem mais uma vez discutir a decisão anterior.
O fator Lula
O episódio também levantou acusações de que o STF estaria privilegiando o petista, já que o pedido do ex-presidente ultrapassou dezenas de outros pedidos de habeas corpus que ainda estão pendentes no tribunal, como o do ex-ministro Antonio Palocci, que está preso.
Por outro lado, Carmen Lúcia também foi criticada por pautar o habeas corpus de Lula antes das ADCs, o que foi encarado por alguns analistas como uma "armadilha" para ministros que queriam rever a regra de 2016. Nessa visão, ao defender suas posições usando o caso de Lula, alguns ministros sofreriam o desgaste de serem acusados de agirem para livrar o ex-presidente.
Apesar de o adiamento e a maioria do plenário do STF já terem votado por aceitar discutir o pedido de habeas corpus de Lula, o placar desta quarta-feira ainda é incerto. As atenções devem se voltar para ministros como Mendes, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, que são encarados como os votos decisivos. Independentemente do resultado, o placar deve ser apertado. Há ainda a possibilidade de os ministros adiarem tudo mais uma vez ou insistirem que uma das ADCs deve ser julgada antes do habeas corpus de Lula.
O caso também deve gerar barulho fora do STF. Movimentos antipetistas e contrários à revisão da regra de 2016 estão preparando uma série de protestos pelo país. A segurança deverá ser reforçada na Praça dos Três Poderes, onde há previsão de concentração de manifestantes contrários a Lula e de apoiadores do petista.
Mesmo que o ex-presidente consiga uma decisão favorável no STF, permanecer em liberdade não significará o fim dos seus problemas legais. Livre, Lula poderá eventualmente participar da campanha eleitoral, mas sua candidatura ainda continua seriamente ameaçada pela Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis candidatos condenados em segunda instância. O ex-presidente também é réu em outros cinco processos na Justiça. São os casos envolvendo o sítio em Atibaia e acusações de tráfico de influência, entre outros.
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A trajetória política de Lula
Das greves no ABC à Presidência. Da condenação pela Lava Jato ao terceiro mandato. Os principais momentos políticos na vida de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Foto: Instituto Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa a favor de Collor.
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A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1992, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à Presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". O PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
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A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma de suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53% no primeiro turno.
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A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma campanha que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
Foto: O. Kissner/AFP/Getty Images
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do pré-sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
Foto: AP
Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Prestígio mundial
Durante a Presidência, Lula gozou de prestígio mundial e se reuniu com os mais importantes chefes de Estado do planeta. Em abril de 2009, em um encontro do G20, o presidente dos EUA na época, Barack Obama, cumprimentou o colega e disse: "Adoro esse cara! O político mais popular da Terra". No mesmo ano, Lula apareceu em 33º lugar na lista das pessoas mais poderosas do mundo da revista Forbes.
Foto: AP
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva na Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também negou ser proprietário dos imóveis investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
Morre Marisa Letícia
Em fevereiro de 2017, morreu a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Lula e Marisa se conheceram em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ela esteve ao lado do marido durante a sua ascensão política, desde os tempos do sindicato, quando liderou passeata em apoio a sindicalistas presos, passando pela fundação do PT, costurando a primeira bandeira do partido, até a Presidência.
Foto: Reuters/N. Doce
Caravana pelo país
Visando uma nova candidatura à Presidência no ano seguinte, Lula começou em 2017 uma caravana pelo Brasil que reuniu milhares de pessoas. Em junho de 2018, o PT confirmou sua pré-candidatura, mesmo com ele já preso. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que ele concorresse. Como sucessor, Lula escolheu Fernando Haddad, que chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
Foto: Ricardo Stukert /Instituto Lula
Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ligados ao triplex no Guarujá. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. Foi a primeira condenação de um ex-presidente por corrupção no Brasil.
Foto: Abr
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram, em 4 de abril de 2018, um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Foto: picture alliance/AP Photo/S. Izquierdo
Lula se entrega à PF
Em 7 de abril de 2018, Lula se entregou à Polícia Federal, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após ordem de prisão expedida por Sergio Moro. Antes de se entregar, Lula fez um discurso acalorado aos apoiadores. De Congonhas, Lula partiu de avião para Curitiba, onde começou a cumprir sua pena.
Foto: Paulo Pinto/Instituto Lula
Vigília em frente à PF em Curitiba
Depois da prisão de Lula, apoiadores do ex-presidente revezaram-se em um acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba, onde ele permaneceu preso. O local recebeu constantes visitas de políticos e de artistas, do Brasil e do exterior. Apoiadores também realizaram caravanas pelo país, com o slogan "Lula Livre". Em fevereiro de 2019, Lula também foi condenado no caso do sítio em Atibaia.
Foto: Ricardo Stuckert
Solto após 19 meses na prisão
Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, depois de passar um ano e sete meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. A soltura ocorreu após o STF derrubar uma decisão que autorizava a prisão em segunda instância, beneficiando diretamente o petista, que passou a recorrer em liberdade. Após deixar a prisão, Lula fez um discurso para apoiadores repleto de críticas à Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Supremo anula condenações
Após o fim da prisão, a campanha "Lula Livre" focou na anulação de suas condenações. Os advogados do petista recorreram até o Supremo, alegando que ele era vítima de perseguição judicial. Em abril de 2021, o plenário do Supremo concluiu que Moro não era o juiz competente para atuar nos processos do petista, e dois meses depois decidiu que Moro era parcial. As condenações de Lula foram anuladas.
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
Uma aliança inesperada
A preparação da sexta campanha presidencial de Lula envolveu uma costura política inusitada. O petista e aliados articularam para ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que foi filiado ao PSDB por 33 anos e era seu antigo adversário. A aproximação teve o objetivo de atrair o voto conservador e vingou: em abril de 2022, o PSB, novo partido de Alckmin, confirmou sua indicação.
Foto: Ricardo Stuckert/AFP
Em busca do voto anti-Bolsonaro
Lula lançou sua pré-candidatura em maio de 2022, defendendo a união de pessoas de orientações políticas variadas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No evento, Alckmin prometeu lealdade, disse que o futuro do Brasil "está em jogo" e foi aplaudido pelos petistas.
Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
Triunfo na busca por terceiro mandato
Após uma das campanhas mais tensas da história brasileira, Lula conquistou novamente a Presidência. Com apoio de uma frente ampla que reuniu forças de centro e antigos adversários, o petista impôs uma derrota inconteste sobre o extremista de direita Jair Bolsonaro. Aos 77 anos, Lula se tornou o político mais velho a conquistar o Planalto.