Decisão retira processos e inquéritos que tramitavam nas duas turmas da Corte, em um movimento articulado por Luiz Fux e encarado como uma vitória da Lava Jato.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai voltar a julgar no plenário inquéritos e ações penais em curso na Corte. Dessa forma, os processos criminais não serão mais julgados pelas duas turmas, incluindo várias ações oriundas da Operação Lava Jato.
Com a mudança no regimento interno aprovada nesta quarta-feira (07/10), réus e investigados no Supremo serão julgados pelos 11 ministros. A proposta de mudança foi feita pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux, durante sessão administrativa.
A decisão foi encarada como uma vitória para a operação Lava Jato, que vinha acumulando derrotas em processos que tramitavam na Segunda Turma da Corte. Fazem parte dessa turma Gilmar Mendes, Cármen Lucia, Edson Fachin (relator das ações da Lava Jato), Ricardo Lewandowski e Celso de Mello (que se aposenta na semana que vem).
A decisão desta quarta-feira também amplia a influência de Fux em relação aos processos em curso, inclusive da Lava Jato, já que, na condição de presidente, ele controla a pauta do plenário. Fux também é um entusiasta da operação.
Parte da imprensa brasileira encarou o movimento como uma reação à indicação de Kassio Nunes para o Tribunal. Considerado um potencial adversário da Lava Jato, ele poderia engrossar o coro de críticos na Segunda Turma caso assuma a vaga de Celso de Mello.
Embora a votação para a mudança tenha sido por unanimidade com os votos de todos os 11 ministros, Gilmar Mendes, um crítico notório da Lava Jato, disse que a medida poderia ter sido discutida de forma antecipada. "Não faz sentido a gente chegar do almoço e receber a notícia de que tem uma reforma regimental", disse o ministro.
A reviravolta, na realidade, faz o tribunal voltar à situação em que se encontrava em 2014. Até então, o STF também reservava para o plenário a competência de julgar ações penais. Mas, após o julgamento dos processos do mensalão, o tribunal, alterou o regimento interno e transferiu para as duas turmas a competência para julgar ações penais envolvendo agentes públicos com prerrogativa de foro, como parlamentares e ministros de Estado.
À época, a mudança foi promovida pelos ministros para desafogar a pauta do plenário e acelerar o julgamento dos processos.
Para justificar a proposta desta quarta-feira, Fux afirmou que a restrição do foro especial decidida em 2018 reduziu as ações criminais em curso na corte, permitindo que o plenário não fique preso em discussões penais por muito tempo.
Com a mudança, vão passar para o plenário processos envolvendo o senador Fernando Bezerra Coêlho (MDB-CE), líder do governo Jair Bolsonaro na Casa, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um aliado do presidente, e o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). Também passará a a ser analisado em plenário o inquérito dos atos antidemocráticos, que investiga apoiadores de Bolsonaro.
Já casos como o de Flávio Bolsonaro também ficarão com a Segunda Turma da Corte. A decisão não afeta casos originários de instâncias inferiores, que deverão ser mantidos com as turmas. Isso inclui recursos contra decisões de primeira e segunda instância da Lava Jato, como pedidos de habeas corpus. Neste último caso, está o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
JPS/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.