STF muda rito do impeachment e impõe derrota a Cunha
Jean-Philip Struck, de Curitiba18 de dezembro de 2015
Ministros concedem mais poder ao Senado em processo de impedimento. No entanto, Supremo nega direito à defesa prévia de Dilma Rousseff. Especialistas afirmam que diretriz do STF diminui poder de manobra da Câmara.
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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs, nesta quinta-feira (17/12), uma derrota ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao determinar algumas mudanças no rito de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. As decisões não barraram completamente o início do processo, mas dão mais poder ao Senado e estabelecem condições mais favoráveis para Dilma enfrentar a ameaça de perda do mandato.
Estavam em discussão no plenário do STF os seguintes procedimentos: se cabia ao Senado referendar uma eventual decisão da Câmara em afastar temporariamente a presidente e rejeitar a abertura do processo; se a votação para a comissão especial do impeachment deveria ser secreta; a legitimidade da chapa avulsa que venceu este último procedimento; se a presidente Dilma Rousseff tinha direito à defesa prévia antes do início da ação.
Senado e comissão
Por oito votos a três, os ministros do STF decidiram que caberá ao Senado validar, por maioria simples (41 dos 81 senadores), um eventual afastamento da presidente por 180 dias caso o plenário da Câmara decida nesse sentido – o último estágio do processo nesta Casa. Os ministros também decidiram que o Senado poderá rever toda a decisão da Câmara em abrir o procedimento.
"O papel da Câmara é de mera autorização de recebimento da acusação e no Senado existe o papel de recebimento da denúncia, decisão de pronúncia e decisão de condenação. Um órgão dessa estatura não deve ser mero carimbador de papéis", disse o ministro Luís Roberto Barroso, que votou no sentido de conceder essa prerrogativa ao Senado, o que contrariou o voto do relator Luiz Fachin.
A decisão é uma boa notícia para o governo, que ainda conta com uma situação mais confortável no Senado, cujo presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), vem servindo de contrapeso em seu partido para frear os insatisfeitos com Dilma – em contraste com a Câmara, onde Cunha assumiu o papel de principal articulador do impeachment. A ampliação do papel do Senado também concede mais tempo para discussões sobre o afastamento, uma medida drástica.
Outro alívio para o Planalto foi a decisão do plenário que determinou por sete votos a quatro que não cabe a formação de uma chapa avulsa para compor a comissão de 65 membros que vai analisar se o processo de impeachment deve prosseguir.
Em 8 de dezembro, Cunha, junto de parte da oposição, conseguiu articular a vitória de uma chapa alternativa, formada em sua maioria por deputados hostis ao governo. Nesta chapa estavam oito deputados do PMDB mais favoráveis à saída de Dilma. A votação foi secreta, o que contrariou duplamente o governo, que desejava um escrutínio aberto e torcia pela vitória da chapa oficial.
Agora, a chapa vencedora deverá ser anulada. Com a escolha de novos membros para a comissão, a tarefa de Cunha em incluir deputados hostis ao governo, tanto do PMDB quanto de outros partidos, será bem mais difícil. Nesta quinta-feira, em outro revés para o presidente da Câmara, o deputado Leonardo Picciani (RJ) foi reconduzido à liderança do PMDB na Casa após protocolar uma lista com apoios.
Picciani é um aliado do Planalto, e é uma prerrogativa dos líderes indicar membros para a chapa oficial que vai compor a comissão. Antes de ser atropelado por Cunha na votação, Picciani havia indicado a si mesmo e mais sete deputados do PMDB que ainda estão em bons termos com o governo.
Voto secreto
Em outra decisão favorável ao governo, os ministros decidiram por seis votos a cinco, que a votação terá que ser aberta, o que deve dificultar "traições" de membros da base aliada.
"Não há razão para que aqueles que representam o povo possam, de alguma forma, atuar na sombra. Eles precisam dizer a que vieram. Precisam expressar de maneira clara", afirmou o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, responsável por desempatar o placar nessa discussão.
Mas nem todas as decisões do plenário do STF atenderam ao pedido do PCdoB, autor da ação que questionava o rito de impeachment imposto por Cunha. A corte negou tanto o afastamento de Cunha quanto o direito à defesa prévia de Dilma antes da formação da comissão. Caso os ministros tivessem votado em sua maioria pela defesa prévia, o processo de impeachment voltaria ao estágio inicial.
Segundo especialistas, as decisões dos ministros fizeram prevalecer os entendimentos que haviam sido fixados pelo STF em 1992, ano em que o então presidente Fernando Collor sofreu um processo de impeachment. À época, o STF definiu, por exemplo, que cabia ao Senado dar a palavra final para o afastamento temporário do presidente antes do julgamento na Casa.
Dois ministros que analisaram o rito nesta semana, Celso de Mello e Marco Aurélio, já compunham a Corte naquele ano (Marco Aurélio, no entanto se absteve das discussões à época por ser primo de Collor).
Para Antônio Carlos Mendes, professor de direito constitucional da USP que atuou como assessor especial do Senado durante o impeachment de Collor, a decisão do Supremo vai delinear melhor quais serão os procedimentos de agora em diante e vão ter como consequência diminuir o poder da Câmara em manobrar mudanças no processo.
"Qualquer mudança promovida pela Câmara agora vai ser confrontada pelas decisões do STF, que vão sempre prevalecer. Essas decisões representam um alívio para o Planalto, é claro, mas também trazem mais esclarecimentos e segurança sobre como o processo deverá ser conduzido", afirma.
Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, também concorda que o placar foi favorável ao Planalto e que as decisões criaram uma normatização para o processo todo.
"Os ministros agiram com rapidez para dar uma resposta e devolver o processo para o Congresso. Ainda vão aparecer dúvidas, mas eles conseguiram dar uma diretriz sobre como tudo deve passar a ocorrer daqui para frente", diz.
Gilmar Mendes critica atuação da corte
Durante as discussões no STF, os ministros se alinharam em maior ou menor grau em dois blocos. O que votou por mudanças foi liderado por Luís Roberto Barroso e formado por Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandoski. Outro campo se alinhou em várias discussões com o voto do relator Edson Fachin – que propôs a manutenção do voto secreto e era contra conceder mais poder ao Senado. Este último grupo reuniu Dias Toffoli, Gilmar Mendes e, em menor grau, Celso de Mello.
Para Glezer, a posição de Fachin e Toffoli, que regularmente são acusados de agirem em favor do PT, pode ter surpreendido a opinião pública. "Eles acabaram votando contra o interesse do governo", diz.
Quando o placar começou a pender para as mudanças, Mendes criticou a atuação da corte. "Estamos manipulando esse processo. (...) Não se salva quem precisa de força política com esse balão de oxigênio dado por corte constitucional".
Após a sessão do STF, Eduardo Cunha, afirmou que pretende entrar com embargos no Supremo para contestar a decisão dos ministros sobre a eleição da chapa avulsa. O deputado também disse que a decisão dos ministros deixaram mais dúvidas sobre o processo todo, em especial sobre a questão da chapa avulsa. "A gente precisa entender: não vai ter mais eleição fechada na Casa? Tem pontos que ficaram, de certa forma, sem esclarecimento", disse o deputado.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.