STF suspende análise do marco temporal das terras indígenas
8 de junho de 2023
Pedido de vista de André Mendonça interrompe julgamento, após Alexandre de Moraes votar contra a tese que restringe demarcações. Placar está em 2 a 1 contra o marco.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a suspender nesta quarta-feira (07/06) o julgamento do processo que trata da legalidade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Pela tese do marco, defendida por proprietários de terras, poderiam ser demarcadas apenas terras indígenas que estivessem tradicionalmente ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A suspensão do julgamento foi provocada por um pedido de vista do ministro André Mendonça. Pelas regras internas do STF, o caso deverá ser devolvido para julgamento em até 90 dias.
Antes do pedido de vista, o ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal.
O placar do julgamento está em 2 a 1 contra o marco – em 2021, antes da interrupção anterior do julgamento, o ministro Edson Fachin havia votado contra a tese, e Nunes Marques, a favor.
O processo em discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pelo governo catarinense, que pede a aplicação do marco temporal.
O processo tem repercussão geral, o que significa que a decisão servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes, segundo o STF.
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Voto de Moraes
Em seu voto, Moraes argumentou que o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.
Ele citou o caso específico julgado pelo STF para justificar a ilegalidade do marco, lembrando que os indígenas Xokleng abandonaram suas terras em Santa Catarina devido a conflitos que ocasionaram o assassinato de 244 deles, em 1930.
"Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída das terras]?", questionou.
Contudo, ele votou para garantir aos proprietários que possuem títulos de propriedades localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação em casos que não forem alvo de controvérsias nem envolverem a usurpação ilegal de áreas. Para o ministro, existem casos de pessoas que agiram de boa-fé ao comprar suas terras.
"Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público", completou.
Congresso também debate o tema
A análise do marco temporal das terras indígenas pelo STF ocorre paralelamente ao debate no Congresso sobre o tema. Em 30 de maio, o plenário da Câmara aprovou um projeto de lei que modifica as regras para demarcação de terras e adota o marco temporal para esses processos.
A matéria estava em tramitação na Câmara desde 2007, mas teve sua análise acelerada após aprovação de um requerimento de urgência em 24 de maio. Segundo críticos da proposta, o objetivo teria sido tentar pressionar o STF.
Os ruralistas, favoráveis à aprovação do texto, argumentam que o marco temporal daria maior segurança jurídica contra desapropriações de suas propriedades e para o agronegócio.
Já os críticos do marco temporal afirmam que ele limitaria o acesso dos indígenas ao direito originário sobre suas terras, e que há casos de povos que foram expulsos delas algumas décadas antes da entrada em vigor da Constituição.
O projeto de lei agora está sob análise do Senado.
bl (Agência Brasil, ots)
A vida no Parque Indígena do Xingu
Criado em 1961 por decreto presidencial, ele está localizado no norte de Mato Grosso e, atualmente, é casa de 16 etnias. A principal via de ligação entre as aldeias é o rio Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Convívio com o rio Xingu
O Parque Indígena do Xingu foi a primeira área demarcada no país. Com cerca de 27 mil quilômetros quadrados, atualmente é casa de 16 etnias: aweti, ikpeng, kaiabi, kalapalo, kamaiurá, kĩsêdjê, kuikuro, matipu, mehinako, nahukuá, naruvotu, wauja, tapayuna, trumai, yudja, yawalapiti. O rio Xingu, onde os indígenas pescam, tomam banho e lavam roupas, é a principal via de ligação entre as aldeias.
Foto: DW/N. Pontes
Terra demarcada
Criado em 1961 por decreto presidencial como Parque Nacional do Xingu, a área incide sobre 10 municípios do norte de Mato Grosso. Embora os principais idealizadores tenham sido os irmãos Villas Bôas, o projeto foi escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro. As primeiras expedições datam de meados de 1880, comandadas pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen. Hoje é chamado de Parque Indígena do Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Esforço logístico na floresta
O acesso a maior parte das aldeias do Xingu é feito por meio de barco. Existem poucas estradas que levam à área. Uma delas sai da cidade de Canarana (MT) e vai até a aldeia Kalapalo, num percurso de 250 km de estrada de terra. Para os indígenas, o transporte é difícil e caro: para cada viagem de barco é preciso calcular a quantidade de combustível necessária, que é trazido em galões da cidade.
Foto: DW/N. Pontes
Diaurum: o início do Parque
Os pés de manga foram plantados por Claudio Villas Bôas quando a aldeia Diauarum começou a ser formada (foto). Ela foi o segundo ponto de apoio com serviços do governo, como escola. Susana Grillo, a primeira professora a dar aula para crianças no território, entre 1975 e 1978, disse à DW Brasil que, na década de 1990, a aldeia foi o primeiro centro de formação de professores indígenas.
Foto: DW/N. Pontes
Cultura forte do povo kaiabi
Os kaiabi que fundaram a aldeia Ilha Grande, médio Xingu, foram trazidos da região do rio Teles Pires, onde sofriam com a invasão de empresas seringalistas. Atualmente, 250 pessoas moram na aldeia, que conta com posto de saúde e escola até o quarto ano fundamental. Na foto, cacique Sinharo se prepara para uma apresentação cultural com mulheres kaiabi.
Foto: DW/N. Pontes
Agricultura de subsistência
Nas aldeias do Xingu, cada família tem sua roça para subsistência. Na Ilha Grande, os indígenas cultivam batata, vários tipos de mandioca, cará, inhame, batata doce, milho, banana, abacaxi e amendoim (foto). A mandioca é muito usada para produzir farinha, beijus e mingaus. Alguns alimentos vêm da cidade, como sal e arroz.
Foto: DW/N. Pontes
Cacica Mapulu Kamayurá
Cacica Mapulu Kamayurá é uma das lideranças femininas mais antigas no Xingu. Detentora de conhecimentos ancestrais, ela recorre à medicina tradicional indígena para cuidar dos moradores. Na foto, ela conta a outras mulheres as suas principais preocupações: ameaça da perda de terra e desmatamento. Ela ganhou, em 2018, o Prêmio de Direitos Humanos, do ministério que hoje é gerido por Damares Alves.
Foto: DW/N. Pontes
Floresta preservada às margens do Xingu
O Parque do Xingu é marcado por grande biodiversidade e fica numa região de transição ecológica, com cerrados, campos, florestas de várzea, florestas de terra firme e florestas em Terras Pretas Arqueológicas. Entre duas usinas hidrelétricas, Paranatinga 2 e Belo Monte, os indígenas dizem sofrer com a queda do número de peixes. O tucunaré, um dos mais consumidos, está mais difícil de ser fisgado.
Foto: DW/N. Pontes
Fundo Amazônia no Xingu
Diversos projetos de desenvolvimento sustentável e preservação da floresta têm o apoiao de recursos do Fundo Amazônia no parque. Um deles é a Rede de Sementes do Xingu, que oferece sementes nativas para plantios de restauração, unindo comunidades indígenas, pesquisadores, organizações governamentais e não governamentais, prefeituras, movimentos sociais, agricultores familiares e produtores rurais.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento e soja
No entorno do Parque Indígena do Xingu, fazendas de grãos dominam o espaço. Mato Grosso é o maior exportador de soja do país. Estima-se que 66% das florestas nas proximidades foram desmatadas para dar lugar a grandes lavouras nos últimos 30 anos. O uso de agrotóxicos, secas e fogo descontrolado estão entre os principais impactos relatados pelos indígenas com essa mudança na paisagem.