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STF impede apreensão de livros na Bienal do Rio

8 de setembro de 2019

Toffoli atende a pedido da PGR e diz que decisão da Justiça do Rio que autorizou Crivella a censurar livros com temática LGBT "viola a ordem jurídica e a ordem pública".

Brasilien Dias Toffoli, Richter Oberster Gerichtshof
Foto: Getty Images/AFP/V. Silva

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, cassou na tarde deste domingo (08/09) uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que autorizou a prefeitura da capital fluminense a apreender livros e HQs com temática LGBT na Bienal do Livro.

A decisão de Toffoli ocorre após um pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela argumentou que a suspensão da decisão do TJ-RJ era necessária para "impedir a censura ao livre trânsito de ideias, à livre manifestação artística e à liberdade de expressão no país".

No texto em que atendeu ao pedido de Dodge, Toffoli disse que o "regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias" e que a decisão do TJ-RJ "viola a ordem jurídica, e, no mesmo passo, a ordem pública".

Toffoli ainda disse que o TJ-RJ errou ao ter aceitado a argumentação da prefeitura do Rio de Janeiro, que disse que a exibição de obras com temática LGBT sem lacre e classificação indicativa violava o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Segundo o ministro, o TJ-RJ, ao entender "que o conteúdo homoafetivo em publicações infanto-juvenis exigiria a prévia indicação de seu teor, findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude". Ainda segundo Toffoli, isso feriu "a estrita legalidade e o princípio da igualdade" e que o tribunal do Rio, "sob pretensa proteção da criança e do adolescente, se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito."

"O regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz. De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo", completou o ministro. 

Após a o anúncio, a Prefeitura do Rio informou que pretende recorrer. Em nota, disse que a decisão de Toffoli "não examina o fundamento da medida tomada pelo município do Rio de Janeiro ao fiscalizar a Bienal do Livro: a defesa de crianças e adolescentes, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente". 

Mais tarde, foi a vez de o ministro Gilmar Mendes também determinar que a gestão do prefeito Marcelo Crivella se abstenha de apreender livros com temática LGBT na Bienal e de cassar o alvará da feira. A decisão de Mendes, neste caso, atendeu a um pedido dos próprios organizadores da Bienal do Livro.
Com o mesmo tom de Toffoli, Mendes escreveu que a atitude da Prefeitura do Rio foi um "verdadeiro ato de censura prévia, com o nítido objetivo de promover a patrulha do conteúdo de publicação artística". 

O ministro ainda apontou que a decisão do TJ-RJ, "além de violar diretamente a proibição constitucional a qualquer tipo de censura prévia (...) também contraria frontalmente a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal ao veicular uma interpretação das normas do ECA calcada em uma patente discriminação de gênero".

Censura

A controvérsia teve início na última quinta-feira, quando o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, anunciou que pretendia censurar a HQ Vingadores - A cruzada das crianças, que estava sendo vendida em estandes na Bienal do Livro. Em vídeo, Crivella afirmou que havia determinado o recolhimento da obra porque ela trazia "conteúdo sexual para menores".

Na visão do prefeito, esse tipo de material precisava "estar embalado em plástico preto e lacrado" e com um aviso sobre o conteúdo. "A prefeitura está protegendo os menores da nossa cidade", afirmou.

No entanto, o conteúdo denunciado por Crivella – que é bispo da neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus – não passava de uma ilustração isolada com dois homens se beijando, completamente vestidos, em meio a dezenas de páginas da história.

Logo depois, a organização da Bienal do Rio informou que recebeu uma notificação da prefeitura para que os exemplares da HQ e outras obras "que tratem do tema do homotransexualismo de maneira desavisada para o público jovem e infantil" fossem lacrados e viessem com uma classificação indicativa e um alerta sobre conteúdo impróprio. Caso contrário, eles seriam apreendidos.

Em resposta, os organizadores do evento afirmaram que não pretendiam recolher ou embalar os exemplares, argumentando que o conteúdo não é impróprio nem pornográfico. Na sexta-feira, Crivella mandou fiscais para apreender o material.

No entanto, segundo a organização, já não havia mais exemplares da HQ que pudessem correr o risco de apreensão, já que todo o material foi vendido nos primeiros minutos após a abertura da Bienal na sexta-feira, diante da repercussão da censura promovida pelo prefeito.

No mesmo dia, o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, concedeu um mandado de segurança para os organizadores da bienal para impedir que a prefeitura apreendesse livros ou cassasse o alvará da feira.

Mas a municipalidade recorreu e a decisão foi derrubada no sábado, desta vez pelo presidente do TJ-Rio, Claudio de Mello Tavares, que acatou um pedido apresentado pela prefeitura do Rio para permitir o recolhimento de obras que ilustrem o tema da homossexualidade "de maneira desavisada" para crianças e jovens.

A feira teve início em 30 de agosto termina neste domingoFoto: AFP/Bienal Do Livo Do Rio/M. Mercante

O pedido feito à Justiça pela Prefeitura do Rio argumentava que obras que ilustram temas LGBT atentam contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O estatuto, contudo, não menciona homossexualidade em sua legislação. No mesmo dia, Crivella mandou novamente os fiscais para a feira, mas, novamente, nenhum exemplar foi apreendido.

Nas redes sociais, várias pessoas denunciaram o caso como censura e acusaram o prefeito Crivella de homofobia. Uma série de editoras do país, entre elas a Companhia das Letras e o Grupo Editorial Record, bem como escritores e a OAB-RJ também repudiaram a atitude da prefeitura. O ministro do STF, Celso de Mello, também disse que o caso de censura mostra a existência de "mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo".

"O que está acontecendo no Rio de Janeiro constitui fato gravíssimo, pois traduz o registro preocupante de que, sob o signo do retrocesso — cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado —, um novo e sombrio tempo se anuncia: o tempo da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático!", escreveu em uma mensagem divulgada para a imprensa.

JPS/ots

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