Autoridades suecas começam a fiscalizar documentos em trens que cruzam o Estreito de Oresund. Medida visa impedir entrada de migrantes irregulares e impõe novo revés ao Acordo de Schengen.
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Michael Randropp está na borda da plataforma na estação ferroviária do aeroporto Kastrup, de Copenhague. Ele faz caretas enquanto aponta na direção de uma cerca metálica que separa os trilhos usados pelos trens que vão da capital dinamarquesa para a Suécia.
"Passageiros estão chamando isso de nova Cortina de Ferro ou Muro de Berlim", diz.
A cerca foi implementada para impedir imigrantes com documentação irregular de atravessarem os trilhos e burlarem o controle, que começa nesta segunda-feira (04/01). A estação do aeroporto de Kastrup é a última antes da Suécia.
Randropp é presidente de uma associação defensora de passageiros e representa as cerca de 15 mil pessoas que viajam diariamente entre Copenhague, Malmö, a terceira maior cidade sueca, e Lund, sede de uma das universidades mais importantes da região.Ele diz que as novas exigências do governo social-democrata sueco terão um impacto deteriorante na região de Oresund, que tem se transformado numa espécie de Vale do Silício escandinavo.
Os novos controles de identidade na estação de Kastrup adicionarão estimados 45 minutos no tempo de viagem para passageiros a caminho de Malmö após um dia de trabalho em Copenhague. Todos os trens dinamarqueses em direção à Suécia serão obrigados a parar no aeroporto, onde forças de segurança examinarão os documentos dos passageiros individualmente.
As medidas visam a evitar que migrantes sem documentação atravessem a Ponte Oresund, que conecta os dois países tanto via rodoviária como ferroviária. A Suécia inclusive alertou as empresas de viagens, tais como o operador de trens da Dinamarca, que eles serão submetidos a multas pesadas caso passageiros irregulares passem a fronteira.
A imposição destas medidas de controle fronteiriço representa uma substancial reviravolta na política de um país que durante grande parte de 2015 apresentou uma política de portas abertas para refugiados que cruzaram da Turquia às ilhas gregas fugindo de conflitos no Oriente Médio.
Premiê: Suécia foi "ingênua"
A Suécia aceitou receber cerca de 100 mil refugiados em 2015, mas até o fim do ano passado o número de chegadas efetivas foi quase o dobro. O país tem encontrado dificuldades para fornecer abrigo, educação e outros serviços essenciais para os futuros requerentes de asilo.
Depois de não conseguir convencer muitos outros países europeus – especialmente a vizinha Dinamarca – a assumir alguns dos encargos com migrantes, o primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven, disse em novembro que a generosidade foi uma ingenuidade.
Milhares de pessoas permitidas a entrar no país desapareceram após o registro, fazendo com que os serviços policiais e de inteligência advertissem o governo sobre um potencial risco à segurança do Estado.
"Talvez tenha sido difícil para nós aceitarmos que em nosso meio há pessoas que simpatizam com os assassinos 'do Estado Islâmico'", afirmou Löfven.
Segundo o governo, 80% das pessoas que procuraram asilo em 2015 não tinha um passaporte e 60% ainda não conseguiram mostrar qualquer documento de identificação oficial às autoridades.
Pressão política
O primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen, que tem defendido medidas mais rigorosas destinadas a tornar o país menos atraente para migrantes, mostrou-se irritado com a Suécia. Ele teme que a conduta sueca faça com que mais refugiados procurem asilo na Dinamarca.
Mas ele também está preocupado que a medida sueca coloque em risco anos de investimento na região de Oresund. "É uma situação muito lamentável", disse. "Já gastamos bilhões na construção da infraestrutura na região de Oresund. Nós gastamos milhões em projetar Copenhague e Malmö como uma única área metropolitana."
O premiê de centro-direita está sob severa pressão da legenda anti-imigração Partido do Povo Dinamarquês (DPP), que fornece apoio parlamentar essencial. O DPP quer a implementação de controles fronteiriços e considera que o Acordo de Schengen está efetivamente extinto.
Rasmussen resistiu a esta pressão quando a Suécia começou a fazer controles de passaportes em seu lado do Estreito de Oresund, em novembro, mas se mostrou pronto para revidar se o número de requerentes de asilo aumentar drasticamente. Isto significaria a reintrodução de fronteiras com a Alemanha e com a própria Suécia.
2015, o ano dos refugiados
Nunca tantas pessoas estiveram em fuga como em 2015. Muitos delas seguiram para a Europa, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Suécia. Confira uma restrospectiva fotográfica do "ano dos refugiados".
Foto: Reuters/O. Teofilovski
Chegada à União Europeia
Esses jovens sírios superaram uma etapa perigosa da sua viagem: eles conseguiram chegar à Grécia e, assim, à União Europeia. O objetivo final, porém, ainda não foi alcançado: eles querem continuar a jornada para o norte, em direção a outros países-membros do bloco. Em 2015, a maioria dos refugiados seguiu para a Alemanha e para a Suécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Perigosa travessia do Mediterrâneo
O caminho que eles deixam para trás é extremamente perigoso. Vários barcos com refugiados, nem sempre aptos à navegação, já viraram durante a travessia do Mar Mediterrâneo. Estas crianças sírias e seu pai tiveram sorte: eles foram resgatados por pescadores gregos na costa da ilha de Lesbos, na Grécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
A imagem que comoveu o mundo
Aylan Kurdi, de 3 anos, não sobreviveu à fuga. No início de setembro, ele se afogou no Mar Egeu, juntamente com o irmão e a mãe, ao tentar chegar à ilha grega de Kos. A foto do menino sírio, morto na praia de Bodrum, espalhou-se rapidamente pela mídia e chocou pessoas de todo o mundo.
Foto: Reuters/Stringer
Onde as diferenças são visíveis
A ilha grega de Kos, a menos de 5 quilômetros de distância da Turquia continental, é o destino de muitos refugiados. As praias geralmente cheias de turistas servem de ponto de desembarque, como no caso deste grupo de refugiados paquistaneses que chegou à costa da Grécia com um bote de borracha.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Em meio ao caos
Porém, muitos refugiados não conseguem simplesmente seguir viagem quando chegam a Kos. Eles somente podem seguir para o continente após serem registrados. Durante o verão europeu, a situação se agravou quando as autoridades fizeram com que os refugiados esperassem pelo registro num estádio, sob o sol escaldante e sem água.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Um navio para refugiados
Por causa da condições precárias, tumultos eram frequentes na ilha de Kos. Para acalmar a situação, o governo grego fretou um navio, que permaneceu ancorado e foi transformado em alojamento temporário para até 2.500 pessoas e em centro de registro de migrantes.
Foto: Reuters/A. Konstantinidis
"Dilema europeu"
Mais ao norte, na fronteira da Grécia com a Macedônia, policiais não permitiam mais a passagem de pessoas, entre elas crianças aos prantos, separadas de seus pais. Esta foto tirada pelo fotógrafo Georgi Licovski no local, e que mostra o desespero de duas crianças, foi premiada pelo Unicef como a imagem do ano, já que mostra "o dilema e a responsabilidade da Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem conexões para refugiados
No final do verão europeu, Budapeste se transformou em símbolo do fracasso das autoridades e da xenofobia. Milhares de refugiados estavam acampados nas proximidades de uma estação de trem da capital húngara, pois o governo do país os proibira de seguir viagem. Muitos decidiram seguir a pé em direção à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Fronteiras abertas
Uma decisão na noite de 5 de setembro abriu caminho para os refugiados: a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o chanceler austríaco, Werner Faymann, decidiram simplesmente liberar a continuação da viagem por parte dos migrantes. Como consequência, vários trens especiais e ônibus seguiram para Viena e Munique.
Foto: picture alliance/landov/A. Zavallis
Boas vindas em Munique
No primeiro final de semana de setembro, cerca de 20 mil refugiados chegaram a Munique. Na estação central de trem da capital da Baviera, inúmeros voluntários se reuniram para receber os refugiados com aplausos e lhes fornecer comida e roupas.
Foto: Getty Images/AFP/P. Stollarz
Selfie com a chanceler
Enquanto a chanceler federal Angela Merkel era aplaudida por refugiados e defensores de sua política de asilo, muitos alemães se voltavam contra a política migratória. "Se tivermos de pedir desculpas por mostrar uma face acolhedora em situações de emergência, então este não é mais o meu país", respondeu a chanceler. A frase "Nós vamos conseguir" se tornou o mantra de Merkel.
Foto: Reuters/F. Bensch
Histórias na bagagem
No final de setembro, a polícia federal alemã divulgou uma imagem comovente: o presente que uma menina refugiada deu a um policial da cidade alemã de Passau. O desenho mostra o horror que vários migrantes vivenciaram e o quão felizes eles estavam por, finalmente, estarem em um local seguro.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundespolizei
O drama continua
Até o final de outubro, mais de 750 mil refugiados haviam chegado à Alemanha. Mas o fluxo não parava. Sobrecarregados, os países da chamada Rota dos Bálcãs decidiram fechar suas fronteiras. Apenas sírios, afegãos e iraquianos estavam autorizados a passar. Em protesto, migrantes de outros países chegaram a costurar seus lábios.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem fim à vista
"Ajude-nos, Alemanha" está escrito em cartazes de manifestantes na fronteira com a Macedônia. Na Europa, o inverno se aproxima, e milhares de pessoas, entre elas crianças, estão presas nas fronteiras. Enquanto isso, até mesmo a Suécia retomou o controle temporário de fronteiras. Em 2016, o fluxo de refugiados deverá continuar.