Sucessão a Gauck ameaça abrir disputa na coalizão de Merkel
6 de junho de 2016
Ao anunciar que não buscará um segundo mandato, presidente alemão pode provocar uma campanha prematura para as eleições gerais de 2017. Cargo é apolítico, mas, para chanceler, assunto envolve uma questão de poder.
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A decisão do presidente da Alemanha, Joachim Gauck, de não buscar um segundo mandato pode provocar uma campanha prematura para as eleições gerais de 2017 – e desencadear uma batalha sucessória dentro da coalizão de governo liderada pela chanceler Angela Merkel.
Na Alemanha, o presidente tem mandato de cinco anos, e o de Gauck termina em 2017 – seis meses antes das eleições gerais. Apesar de o cargo de chefe de Estado ter caráter apolítico no país, cabe aos partidos chegarem a um acordo sobre um candidato único ou apresentarem candidaturas rivais.
Pastor luterano de 76 anos, com papel importante nos protestos na antiga Alemanha Oriental que levaram à queda do Muro de Berlim, em 1989, Gauck teve inicialmente a oposição de Merkel em 2012, antes de assumir o cargo.
A chanceler, porém, acabou tendo que aceitá-lo, depois que outras forças políticas, incluindo o Partido Liberal Democrático (FDP), então membro da coalizão de governo, declarou apoio a Gauck.
O atual presidente entrou no lugar da escolha anterior de Merkel para a Presidência, Christian Wulff, forçado a renunciar em 2012 em meio a um escândalo de favorecimento financeiro. Em 2010, a escolha dele fora obtida somente na terceira rodada de votação, devido à maioria apertada da coalizão de governo.
Para Merkel, o assunto envolve uma questão de poder. Um presidente tem entre suas funções a assinatura de todos os projetos de lei aprovados pelo Parlamento. Se ele não o faz, as leis propostas não podem entrar em vigor. Por isso, a premiê tem um interesse natural em nomear um nome que tenha uma certa proximidade com a sua linha política.
"Nosso país conta com cidadãos comprometidos e instituições que funcionam. Por isso, a mudança de presidente na atual Alemanha não representa nenhum motivo para preocupação", afirmou Gauck nesta segunda-feira.
A busca pelo sucessor de Gauck, segundo analistas, será complicada. Desta vez, Merkel terá que buscar consenso dentro da chamada "grande coalizão", formada pela União Democrata Cristã (CDU), sua ramificação bávara União Social Cristã (CSU) e pelo Partido Social-Democrata (SPD).
Nomes de diversos políticos veteranos e de grande influência são especulados para ocupar o lugar de Gauck, como os ministros das Finanças, Wolfgang Schäuble, e do Exterior, Frank-Walter Steinmeier, além do presidente do Bundestag, Norbert Lammert, e da líder conservadora bávara Gerda Hasselfeldt.
Os principais partidos – incluindo a CDU e a própria Merkel – vinham apostando na reeleição de Gauck e, segundo as últimas pesquisas, 70% dos alemães aprovam a gestão do atual presidente.
Eleição é indireta
Apesar de, como chefe de Estado, o presidente possuir algumas atribuições executivas, seu papel é quase apenas simbólico. A Lei Fundamental (Grundgesetz) lhe garante a competência de assinar acordos e tratados internacionais, mas a política externa cabe ao governo, chefiado pelo chanceler federal.
Da mesma forma, o presidente oficialmente nomeia e destitui ministros. No entanto, ele o faz sempre a pedido do chanceler federal, o qual também é indicado pelo presidente, porém sempre respeitando o desejo da maioria parlamentar. Seus atos executivos são, na prática, o cumprimento formal de decisões tomadas pelo Parlamento ou pelo governo.
Também cabe ao presidente a nomeação e exoneração de juízes federais, servidores públicos federais, oficiais e suboficiais das Forças Armadas (Bundeswehr). Ele igualmente decide a concessão de indulto a presidiários e sanciona as novas leis federais. Como chefe de Estado, recebe e credencia embaixadores.
O presidente não é eleito diretamente, mas por um colégio eleitoral, a Assembleia Nacional (Bundesversammlung), que se reúne exclusivamente para este fim. Metade dela é formada pelos deputados federais e a outra, por delegados escolhidos pelas assembleias legislativas dos 16 estados. O mandato presidencial é de cinco anos, sendo permitida uma única reeleição.
RPR/dpa/ots
O presidente alemão se despede do cargo
Neste 18 de março de 2017, Joachim Gauck encerra o mandato como 11º presidente da República Federal da Alemanha. Em retrospecto, ele pode olhar para mais de quatro anos de grande agitação política.
Foto: picture alliance/dpa/M. Kappeler
"Arquivos de Gauck"
Por dez anos, o presidente alemão Joachim Gauck administrou os arquivos do serviço de inteligência (Stasi) da República Democrática Alemã (RDA). Como ativista dos direitos civis, ele foi eleito em 1990 para o Parlamento da ex-Alemanha Oriental, que propôs seu nome para o cargo em decisão apoiada pelo governo alemão ocidental. Até hoje, o órgão leva o nome não oficial "Arquivos de Gauck".
Foto: picture-alliance/dpa
Candidato do povo
Depois de haver deixado "sua" instituição em 2000, Gauck atuou como autor e ativista político. Após o pedido-surpresa de demissão do ex-presidente Horst Köhler, em 2010, o Partido Social Democrata (SPD) e os verdes cogitaram seu nome para o cargo. A mídia o aclamava como candidato do povo. No entanto Christian Wulff, da União Democrata Cristã (CDU), foi eleito em terceira votação.
Foto: picture-alliance/dpa
Presidente Gauck
Depois de quase dois anos, Wulff foi forçado a renunciar. Também desta vez partidos de oposição defendiam a candidatura de Gauck, agora com apoio de Berlim. Em pesquisa realizada antes da Assembleia Federal responsável pela escolha do presidente, 69% dos entrevistados apoiaram o nome de Gauck. O resultado em 18 de março foi ainda mais decidido: ele obteve 991 de 1.228 votos, em primeira votação.
Foto: picture-alliance/dpa
"Primeira-companheira"
Segundo a Constituição alemã, o presidente do país não está sujeito aos Três Poderes. Mesmo assim, Gauck é o primeiro chefe de Estado sem partido. E também o primeiro a não ser acompanhado pela esposa em ocasiões cerimoniais, mas por sua companheira Daniela Schadt, com quem vive desde 2000. Da ex-esposa Gerhild Gauck, com quem teve quatro filhos, ele está separado há 25 anos.
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Liberdade pensada e vivida
Tema central de Gauck é a liberdade, a que gosta de se referir como "potencialização" do indivíduo. Críticos o acusam de, assim, defender o egoísmo com uma retórica anticomunista ingênua. Outros veem em seu discurso um apelo à responsabilidade: liberdade não significaria automaticamente felicidade ou satisfação, mas uma responsabilidade própria existencial, para além do poder do Estado.
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Representante com franqueza
Como representante oficial da Alemanha no exterior, Gauck viajou por muitos países e se encontrou com diversos dirigentes. Mas nem sempre permaneceu diplomático: no início de 2014, na Turquia, acusou o governo do então premiê Recep Tayyip Erdogan de censura, ingerência no sistema judicial e estilo autoritário de governança. Erdogan protestou, mas ele se manteve calmo: "Cumpri o meu dever."
Foto: Reuters
Orador habilidoso
Em março de 2016 Gauck falou a estudantes da Universidade Tongji, em Xangai, da desconfiança que surge entre o Estado e seus cidadãos quando um governo não é legitimado por eleições livres. Oficialmente, a liderança chinesa não se irritou: Gauck se referira à ex-Alemanha Oriental. Ainda assim os paralelos implícitos foram compreendidos, graças a uma tradução que circulou na internet chinesa.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Visão e perspicácia
Dois meses após sua visita à Turquia em 2014, quando também foi a um campo de refugiados na fronteira com a Síria, Gauck apontou o número crescente de migrantes, alertando sobre a necessidade de ação: processo de asilo mais rápido, cooperação com parceiros europeus, mais pragmatismo nos limites do politicamente viável. Isso aconteceu 14 meses antes de Angela Merkel proferir: "Nós vamos conseguir."
Foto: picture alliance/AA
Recusa a segundo mandato
Em 2016 Joachim Gauck decidiu não se candidatar novamente, após entregar seu cargo. Apoio não teria lhe faltado: ambos os partidos do governo haviam sinalizado sua preferência. Gauck justificou-se com o temor de não poder terminar o segundo mandato, quando estaria com 82 anos. Seu sucessor será Frank-Walter Steinmeier, que assume no dia 19 de março de 2017.