Apesar de onipresente, o combate à pandemia não dominará sozinho o novo ano no país: as eleições gerais em setembro e a despedida da chefe da chanceler federal, após 16 anos, também são momentos decisivos.
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No ano que passou, nada foi mais importante na Alemanha do que a pandemia de covid-19, e assim será em 2021. Desde março, o novo coronavírus vem dominando quase inteiramente a sociedade, apesar da perspectiva de vacinações em massa. E no fim do ano, o país voltou a ter que parar de forma quase total.
"Se agora no Natal tivermos contatos demais, e em seguida este tiver sido o último Natal com os avós, teremos errado em algo. Não devemos fazer isso", advertiu a chanceler federal Angela Merkel em 9 de dezembro no Parlamento alemão num discurso atipicamente emocional, em face dos quase 600 mortos pelo vírus em um dia. Mais tarde, essa cifra subiria consideravelmente.
"Teorias da conspiração são falsas e perigosas"
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No entanto, cresce a resistência às restrições da liberdade individual, sobretudo nas manifestações do grupo Querdenken ("pensamento lateral"). "Está se consolidando um movimento social, reunindo extremistas de direita e de esquerda, mas também esotéricos e negacionistas da ciência", explica o cientista político Florian Hartleb.
Sete eleições
O equilíbrio entre proteção da saúde e direitos de liberdade deverá também influenciar os pleitos do ano corrente na Alemanha, que serão vários, após um 2020 modesto, do ponto de vista eleitoral.
Em nada menos do que seis estados, os cidadãos serão convocados às urnas. Em março, concorre à reeleição em Baden-Württemberg o apreciado Winfried Kretschmann, até momento o único governador verde do país. E em abril é a vez da Turingia, governada por Bodo Ramelow, o único líder estadual do partido A Esquerda.
A Saxônia-Anhalt decide em junho se mantém no governo a coalizão entre União Democrata Cristã (CDU), Partido Social-Democrata (SPD) e Verdes. No debate sobre um aumento da taxa de licença de televisão, a CDU foi contra, coincidindo involuntariamente com a posição da populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) – uma associação indesejada para os conservadores.
Contudo a eleição mais importante de 2021, a geral, será em setembro. Ela marca, de qualquer modo, o fim a era Merkel, que não volta a concorrer, após 16 anos e quatro governos. Assim, por pouco a política democrata cristã bateu o recorde estabelecido por seu mentor, Helmut Kohl.
Bye bye, Angela
De que a população alemã sentirá falta, quando a chefe de governo se afastar? Segundo Florian Hartleb, "a tenacidade dela, o empenho no trabalho ilimitado, quase inumano, a manutenção da disciplina interna e o elemento científico na política" (Merkel é formada em física).
Pontos negativos em seu mandato teriam sido, segundo o cientista político, "sua linguagem nebulosa, formulaica", além de uma "política para refugiados perseguida obstinadamente, acompanhada por uma cultura de boas-vindas ingênua", que teria permitido o crescimento da AfD.
No exterior, o política conservadora foi elogiada como "premiê das crises", valorizada como um porto seguro em tempos conturbados pela crise de endividamento estatal na União Europeia, o Brexit, Donald Trump e, atualmente, a pandemia de covid-19.
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E depois de Merkel?
Por isso, uma das principais questões do ano, na Alemanha, é quem sucederá Angela Merkel. Uma vez que a CDU e sua irmã bávara União Social Cristã (CSU) se mantêm estáveis no primeiro lugar das pesquisas de intenção de voto, com 35%, o próximo líder democrata-cristão tem boas chances de se tornar o novo chanceler federal.
Oficialmente, três candidatos se apresentarão aos delegados na convenção partidária digital da CDU-CSU de meados de janeiro: o ex-chefe da bancada parlamentar conservadora cristã Friedrich Merz, o governador da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, e o especialista em política externa Norbert Röttgen.
Segundo as enquetes, contudo, uma relativa maioria do eleitorado prefereria ver à frente da Chancelaria Federal o governador da Baviera, Markus Söder, da CSU. Nesse caso, pela primeira vez o país teria um chefe de governo social-cristão.
Sociedade polarizada
Seja quem for o novo chanceler federal, depois das eleições gerais a CDU-CSU deve precisar de pelo menos um parceiro de coalizão para governar. O atual, o Partido Social-Democrata, não só fraqueja nas pesquisas de opinião, como parece estar cansado de governar, após duas coalizões sob Merkel.
A primeira opção é o Partido Verde, em franca ascensão. Sob a liderança dos benquistos Annalena Baerbock e Robert Habeck, a sigla abandonou alguns posicionamentos fundamentalistas e está disposta a governar. No fim de novembro, Habeck declarou numa convenção partidária: "Trabalhamos por soluções com otimismo. E em nome dessas soluções, lutamos pelo poder."
Por sua vez, a AfD, até então a legenda oposicionista mais forte do Parlamento, caiu na preferência da população alemã. No entanto as restrições ditadas pelo combate à pandemia poderão valer um reforço para o eleitorado dos populistas de direita.
"Vivemos num país dividido", constata Hartleb. "Se após o trauma do coronavírus vier a queda econômica, o resultado é a polarização social." Para o cientista político, uma coisa é certa: "A pandemia é a maior crise desde 1945, com um significado que afeta todos os níveis da política, do local ao global."
Merkel, 15 anos como chefe de governo da Alemanha
Angela Merkel é chanceler federal desde 2005, já tendo liderado quatro governos desde então e enfrentado diversos desafios. Hoje ela é mais popular do que nunca. Veja alguns de seus momentos mais marcantes.
Adeus à "garota de Kohl"
O chanceler federal alemão Helmut Kohl costumava chamar Angela Merkel de "garota", paternalizando. Em 2001, há muito ela já havia saído de sua sombra, como líder da União Democrata Cristã (CDU), então na oposição. Mas a grande hora de Merkel só chegaria em 2005.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Altwein
Vitória eleitoral apertada
Nas eleições parlamentares federais de 2005, foi muito apertada a vitória das legendas irmãs CDU e CSU sobre o Partido Social-Democrata do então chanceler federal Gerhard Schröder. Além disso , a CDU, com sua candidata Angela Merkel, teve os piores resultados desde 1949. Portanto as condições para a nova chefe de governo não eram as melhores. Mas ela faz progressos rápidos.
Foto: dpa
Nova chanceler federal
No fim, CDU e CSU uniram forças para formar uma grande coalizão. Schröder felicitou a mais nova chanceler federal, Angela Merkel, que seria a primeira mulher, a mais jovem em exercício, a primeira alemã do Leste e a primeira cientista, eleita para o cargo pelo Bundestag câmara baixa do [Parlamento alemão], em 22 de novembro de 2005.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Reiss
Anfitriã descontraída
Merkel ganhou rapidamente autoconfiança. Na cúpula do G8 de 2007, ela recebeu os chefes de Estado e governo das sete nações industriais mais importantes e Rússia, no balneário báltico de Heiligendamm e brincou com o presidente dos EUA George Bush (esq.) e o presidente russo Vladimir Putin. Em termos geopolíticos, um mundo muito mais "perfeito" do que hoje em dia.
Foto: AP
Jogo de cores
As calças são geralmente escuras, mas baseados na cor do blazer, que varia, muitos creem poder dizer qual é o estado de ânimo de Angela Merkel, ou a mensagem que ela está tentando transmitir.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Schreiber
Ah, esses garotões!
Política europeia no outono de 2008: Angela Merkel tem apenas um leve sorriso para dois machões do palco europeu: o presidente francês Nicolas Sarkozy (na frente) e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. No entanto, é ela que, aqui no início da crise financeira, está subindo rapidamente para se tornar a indiscutível número um da União Europeia.
Foto: Getty Images/AFP/G. Cerles
Assistência ou dominação?
As dívidas de muitos países europeus estão aumentando cada vez mais, o euro está em perigo. Merkel concorda com uma ampla ajuda, mas exige em troca medidas de austeridade nos países afetados. E isso desperta memórias amargas, principalmente na Grécia: os jornais gregos traçam paralelos com a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Panagiotou
Oradora talentosa
Merkel é uma oradora apenas moderadamente talentosa, que não gosta de estar cercada pela multidão. Muitas vezes, é seca e não explica suficientemente sua política. Porém seu jeito sóbrio, pragmático e modesto conquista muitos. Caso contrário, ela não estaria hoje à frente de seu quarto governo.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Gentsch
"Mutti"
Em algum momento ela passou a ser chamada de "Mutti" (mamãe). Não a "mãe", mas a "mamãe" da nação. É um pouco sarcástico, mas também afetuoso, talvez. E antiquado: hoje em dia, nenhuma criança alemã diz mais "Mutti". "Mamãe" cuida, e não é preciso ter medo dela. O outro lado da moeda é que com "mamãe" os filhos permanecem sempre crianças. Nem todo mundo gosta disso.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Anspach
"Vamos conseguir"
Talvez nenhuma outra frase dela tenha polarizado tanto quanto "Vamos conseguir". Quando manteve as fronteiras abertas para refugiados e migrantes em 2015 e 2016, Merkel foi quase venerada como uma santa por alguns, mas severamente criticada por outros. A discordância na avaliação de sua política para refugiados continua até hoje.
Foto: Getty Images/S. Gallup
"Pessoa do Ano"
Em 2015, a revista americana "Time" elegeu Angela Merkel "Pessoa do Ano" e até mesmo "Premiê do Mundo Livre", por sua liderança em situações difíceis – da dívida nacional à crise dos refugiados.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Time Magazine
Mulheres entre si
Ela é a primeira mulher na chefia de governo da Alemanha. Embora nunca tenha feito disso um grande tema de sua política, algumas mulheres tiveram uma carreira vertiginosa graças ao apoio de Merkel, seja Annegret Kramp-Karrenbauer (presidente da CDU e ministra da Defesa, à esq.), Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia) ou Julia Klöckner (ministra da Agricultura).
Foto: picture-alliance/M. Schreiber
Nada pessoal
Merkel é discreta: ela não faz observações políticas ou pessoais sobre chefes de Estado e de governo difíceis. No máximo, expressa opiniões muito vagas. Ao lidar com eles, o que a orienta é a razão de Estado.
Foto: picture-alliance/C. Hartmann
Sem qualquer vaidade
Ela sabe quando custa um litro de leite: mesmo após anos como chefe de governo de uma potência europeia, Angela Merkel não se tornou vaidosa. Em 2014, visitou um supermercado de Berlim com o primeiro-ministro da China, Li Keqiang. Mas também é vista fazendo compras sozinha – como uma dona de casa qualquer, por assim dizer.
Foto: picture alliance/dpa/L.Schulze
Losango enigmático
Não está muito claro de onde Merkel tirou sua famosa postura de mãos. Ela própria diz que o sinal no formato de um losango a ajuda a manter a parte superior do corpo ereta e que não há nenhuma mensagem oculta. Mesmo assim, os estrategistas da CDU usaram o sinal na campanha das eleições gerais de 2013, para transmitir confiança e calma.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Simon
Merkel na privacidade
Pouco se sabe sobre a vida privada de Merkel. Ela não revela muito a respeito, ou talvez o interesse público não seja particularmente grande. É sabido, por exemplo, que ela e o marido Joachim Sauer, físico como ela, passam todos os anos a Páscoa na ilha italiana de Ísquia. Ou passavam, pois em 2020 isso não foi possível.
Foto: picture-alliance/ANSA/R. Olimpio
E aí veio a covid-19
A pandemia mudou muitas coisas na Alemanha, não apenas os rituais de férias da chanceler federal. O jeito sério e objetivo de Merkel foi em parte criticado, mas sua gestão da pandemia também lhe conferiu novos recordes de popularidade.
Foto: Johanna Geron/Reuters
A hora da despedida
Em 2018, Angela Merkel anunciou que não voltaria a concorrer nas eleições federais do outono alemão de 2021, mas que pretendia permanecer no cargo até lá. Ela terá então governado por quase 16 anos, e apenas pouco menos do que Helmut Kohl, detentor do recorde na Chancelaria Federal.